segunda-feira, 30 de novembro de 2015

FELIZ EPÍLOGO

O filme A Ponte dos Espiões, uma excelente obra de Spielberg com Tom Hanks (descendente duma família micaelense), evoca uma troca de espiões urdida em Berlim em 1962, das épocas mais duras da guerra fria. Vivia-se aqui o período do regime totalitário de Salazar marcado pelo início da guerra colonial em África, pela debandada dos continentais a salto, rumo à Europa, e a terceira vaga emigrante dos açorianos para a América do Norte.
O filme, pedagógico e cru, cuja história se inicia em 1957 com a prisão dum espião soviético em solo estadunidense, só em frases curtas nos lembra atravessar-se por lá à altura um inferno não menos doloroso, o da caça às bruxas de MCcarthy.
Aqui, o homem político mais autoritário depois de Salazar acaba o esperado último mandato numa atmosfera íntima de quase ódio e de pública intolerância dado o seu manifesto encosto conservador. Com ele vão-se também os grandes dogmas do neoliberalismo, presos numa linguagem de carroceiro, o esbulho de todos para proveito de alguns. O país empobrecido e com um Estado mínimo ficaria totalmente aberto à livre invasão do capital selvagem se tal praxis durasse uns meses mais.
António Costa com a sua têmpera, perseverança política e astúcia negocial, logrou uma solução de governo moderada, resgatando a esperança para milhões de cidadãos. É talvez o melhor epílogo para o entrosamento dum filme com a história do mundo e as histórias do tempo no seu argumento. No tempo, nada é desgarrado. Podem existir finais felizes.
Henrique Pinto

Leiria, Novembro 2015 

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O COMER BEM DISTINGUIDO COM O NÓBEL DA ECONOMIA

Rui Vitória
A revolução do conhecimento médico dos últimos trinta anos e do seu entrosamento social e económico é absolutamente extraordinária. O impacto na fatura alimentar é relevantíssimo. O fato de o Prémio Nobel da Economia deste ano ter sido atribuído a um investigador preocupado com o Consumo, Pobreza e Bem estar (título do último livro de Angus Deaton) é a tal respeito bem significativo.
Temos a um tempo a generalização do fenómeno da inflamação a situações até há pouco impensáveis, como a obesidade – e a sua relação com a doença cardíaca, a diabetes e a hipertensão, por exemplo -, ou aos mecanismos da depressão. Daí a recomendação médica para a alimentação incidir, num e noutro caso, no reforço da dieta em matéria anti-inflamatória como os ácidos gordos ómega 3 e a generalidade dos antioxidantes, designadamente as vitaminas da dieta alimentar.
Angus Deaton
Alguém disse das transmissões nervosas, com toda a propriedade, assistir-se paulatinamente à materialização do espírito. Veja-se a doença de Alzheimer e a de Parkinson associadas à falta ou ao defeito estrutural de proteínas diferentes.
Um fenómeno tão diverso como o sucedido, entre outros, com o futebolista húngaro do Benfica Miklós Fehér, falecido num ápice em pleno campo, conhecido pelo nome imediatíssimo de síndroma da morte súbita – vi-o em crianças na urgência, um sofrimento horrível para as famílias e profissionais -, tem afinal uma origem muito semelhante.
Ao olharmos Rui Vitória, o atual treinador do futebol deste mesmo clube, custará a entender como alguém tão ligado à atividade desportiva e uma figura pública, passível de ser tomada por exemplo, não cuida minimamente da forma física. A sua obesidade excessiva associada a ventre tenso e dilatado, indiciam sofrimento do tubo digestivo perfeitamente regulável através da ingestão dum mero chá de linhaça, de frutos secos e água, inseridos numa dieta saudável menos calórica.
Ao evocarmos as doenças reumáticas logo nos ocorre tratar-se de doença dos velhos com dores nas articulações. Todavia, a grande maioria deste conjunto de cerca de cem doenças ocorre em crianças, jovens e adultos, sobretudo as mulheres. Gastam-se toneladas de medicamentos para a inflamação e litros de cálcio, e, quantas vezes, minimiza-se a importância da alimentação saudável. Os ácidos gordos ómega 3 e 9, protetores do sistema vascular mas também anti-inflamatórios, presentes na sardinha, atum, salmão, bacalhau, azeite, linhaça, frutos secos, leite, carne e ovos, são uma necessidade absoluta.
Estamos num período histórico de mercado sem fronteiras e dum certo laxismo das autoridades no respeitante à tolerância em relação a consumos alimentares deturpados e a alimentos e medicamentos não recomendáveis. A boa como a má qualidade do consumo alimentar, avaliada desde os patamares da mico à macroeconomia, marcam o perfil do país.
Henrique Pinto, Professor Doutor
Médico graduado em Nutrição Clínica
In Diário de Leiria 24/11/15
Henrique Pinto e Andreia Pinto




quarta-feira, 11 de novembro de 2015

SOB O SIGNO VIRGEM

António Costa no Mercado de Santana, Leiria
Vivemos sob a égide do signo Virgem. A frase «é a primeira vez» anda por aí. Pois é mesmo a única singularidade neste processo eleitoral. De resto todo o clima é contido dentro das baias constitucionais e da legitimidade. E para problemas novos há soluções novas. A vozearia de prós e contras, igualmente legítima, mostra mais de iliteracia política, e daí a intolerância democrática, que de razão. Restam as considerações de caráter, mais perigosas, ou a divagação sobre as motivações. Dirão uns, «pura ambição política» de António Costa. A existir, será ilegítima desde que enquadrada no instituto democrático? Conheço o mesmo vai para muitos anos e sempre o tive por um homem bom, competente e plural impulsionado pelo Servir e pelo querer fazer. Todavia, como catalogar a política de Passos Coelho, toda ela plasmada no livrinho escrito por ele antes de se lançar para o governo? Podia ter seguido uma via social-democrata tradicional mas quis a solução neoliberal, o maior dos males da sociedade contemporânea como prega Francisco. Conheço Passos há muitos anos. Fiz com ele um debate a convite do PSD. Também não o tenho por interesseiro material. No entanto, a sua motivação era francamente o desígnio do poder liberal.
Henrique Pinto

Novembro 2015

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

NEM TUDO O QUE BRILHA É OURO!

Numa fase intensa da vida, era novo e fazia muita clínica, um dos meus utentes, o senhor Labaredas, aparecia-me com os dedos grandes do pé ou os tornozelos verdadeiramente em brasa. As dores fortíssimas davam-lhe jus ao apelido. Logo entrava dizendo – assemelhava-se a Álvaro Malta quando fazia «propaganda» médica, cantarolava uma ária mal aflorava à porta do médico -, «foram mais umas perdizesinhas, senhor doutor». Bem podia eu reiterar-lhe ser melhor evitar a carne de caça, vísceras, peixes gordos ou azuis e marisco. Pouco lhe importava manter ou não um regime com leite e derivados, ovos, cereais, massas alimentares, verduras e hortaliça. Não controlado o desejo o mais ambicionado era sempre o óbvio, aliviar as dores.
Henrique Pinto com Marion Bunch, de Atlanta, uma das líderes mundiais contra a SIDA, ora condecorada na Casa Branca
Na altura o processo alimentar não era ainda condicionado pelos média ou empórios industriais, ao contrário de hoje. Rareavam os profissionais mal informados a desaconselharem isto ou aquilo com base em supostos artigos científicos.
Todavia, quantas são as pessoas desesperadas com o glúten ou a lactose, por exemplo? São muitas. Aos portadores de doença celíaca (intolerância ao glúten) é-lhes recomendado evitar alimentos com glúten, desde farinhas de trigo, centeio, aveia e cevada, cereais do pequeno-almoço (exceto arroz e milho), pão, biscoitos, bolaria, massas alimentares e bolachas. Entretanto deve saber-se, é necessário recorrer ao clínico ao verificarem-se, na criança ou no adulto, diarreias frequentes com fezes moles e volumosas, alterações da barriga (distendida e saliente), irritabilidade, perda progressiva do peso, anemia, baixa do rendimento escolar, paragem do crescimento, ausência ou perturbações da menstruação e, no adulto, baixa de fertilidade ou mesmo esterilidade. O drama pode atingir a paranoia ao atentar-se na provável presença de glúten numa imensidão de alimentos, desde maioneses, salada de tomate, enchidos e presunto, peixe congelado, espargos de lata, certos cafés instantâneos, algumas verduras congeladas, a marcas de açúcar ou medicamentos. Mas a frequência do fenómeno é baixa.
O exercício físico deve acompanhar um regime alimentar saudável
Situação idêntica é a da suposta intolerância à lactose, doença provocada pela falta da enzima lactase, transformadora do leite. Se na doença celíaca o glúten deve ser abolido da dieta, aqui nada de mal ocorre se a quantidade de leite ingerida for pequena. Também os queijos, curados ou frescos, e o iogurte são bem tolerados.
Então porquê o cisma contra carnes vermelhas, sardinhas assadas (não há restrição científica alguma contra o consumo razoável destes produtos), leite, alimentos com glúten (a moda nos EUA), fruta e água, e por aí adiante, tanto por receio do cancro, como pelo pavor de engordar? Para lá da iliteracia alimentar subsistem interesses piores que o Cabo das Tormentas.
Henrique Pinto, Professor Doutor
Médico graduado em Nutrição Clínica
In Diário de Leiria




quarta-feira, 4 de novembro de 2015

É SÓ FUMAÇA

Véronique Terrasse, porta-voz da Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro (IARC) - um órgão da Organização Mundial de Saúde (OMS) a que não compete fazer doutrina de saúde -, lançou alarme desmesurado. Se os jornalistas a cobrirem a conferência de imprensa saíram altamente confundidos, o público em geral por todo o mundo ficou ainda mais confuso.
Dias depois a própria OMS procurou pôr água na fervura, a tranquilizar consumidores de carne vermelha e de carne processada e a própria indústria. Entre nós as corporações de carnes e da hotelaria, através de peritos qualificados (alguns bastante diferenciados), lograram transmitir bom senso e moderação através dos média. Quanto à Saúde pouco mais se ouviu além do Dr. Mário Durval, impreparado e desconhecedor, e de uma ou outra voz no Prós e Contras (RTP canal Um).
Véronique Terrasse
Estudos efetuados desde 2002 sugeriam que os pequenos aumentos no risco de vários tipos de cancro (mesmo se riscos pequenos para a saúde pública), podiam estar associados a um consumo muito elevado de carne vermelha ou processada. Foi pedido à Agência (que não faz investigação) para produzir prova (associação de causas, nunca de apreciação do risco) quanto à carcinogénese destas carnes. O Grupo de Monografias do IARC fez uma meta análise de 800 estudos epidemiológicos. Estes nem eram absolutos. E classificou o consumo de carne vermelha como provavelmente cancerígena para o ser humano, baseada na prova limitada (há associação positiva entre exposição ao agente e cancro mas não se pode afirmar não haver enviesamento nas conclusões), sobre o uso alimentar desta carne provocar cancro (principalmente o do colon e reto). A carne processada foi classificada por igual com base na prova suficiente para fazer tal associação cancerígena (apenas em 10 estudos). Aliás, todos os produtos sujeitos a altas temperaturas (até as sardinhas assadas) produzem químicos cancerígenos.
Francisco George, um dos melhores diretores gerais da saúde de sempre em Portugal
Sabe-se ser a carne, a alternar com o peixe (incluindo as sardinhas assadas), de elevado benefício para a saúde, ingerida com moderação nas doses medicamente prescritas. Fatores cancerígenos existem à volta de 400 na nossa dieta. Classificar (estabelecer a força da prova), como se fez, e apenas para a carne processada, não é estabelecer grau de risco. Mesmo assim não se pode equipar ao perigo do tabaco, amianto ou do álcool. De acordo com as estimativas mais recentes, cerca de 34.000 mortes/ano por cancro em todo o mundo são atribuídas a dietas muito ricas em carnes processadas. Aliás, estas nem constam num regime alimentar saudável dado serem fator de risco para as doenças cardiovasculares. Um dia não diz dias! Estes números contrastam com as mortes por cancro no mundo/ano devidas ao tabaco (um milhão), ao álcool (600.000) e à contaminação do ar (mais de 200000).
Henrique Pinto, Professor Doutor
Médico graduado em Nutrição Clínica
Bolseiro OMS e Consultor internacional
In Jornal de Leiria
Novembro 2015


  

terça-feira, 3 de novembro de 2015

O DIA DA IMPLOSÃO CHEGARÁ!

A família Mccartney
A Fátima Campos Ferreira promove há anos um programa de diálogo no canal um da televisão. É um trabalho perseverante, muito esforçado, nem sempre conseguido, tão vasta é a diversidade de aproximações a um tema. Para as pessoas atentas este amplo espetro de opiniões, longe de confundir, pode também abrir-lhes os espíritos.
O tema candente das carnes vermelhas, demonizado pelo enviesamento da informação desde a origem até ao produto final, e sobretudo as confusões relacionadas com quantidades e risco, abriu a porta a correntes várias sobre o tipo de alimentação.
Por detrás da oratória esteve sempre presente o grau de risco quando ele, para os produtos em causa, não está definido ou é comparativamente muito pequeno. 
A exploração intensiva da pecuária é passível de sustentar o aquecimento global do planeta
Lembro-me de algumas batalhas duras onde fui interveniente em nome da Saúde. Quando a água de abastecimento da cidade era de recolha superficial no rio onde, a montante, era vazada quantidade imensa de matéria orgânica. Esta, misturada com o cloro para o tratamento produzia químicos organo-clorados de comprovada cancerinogénese para o sistema urinário humano. Não fora ter a imprensa do meu lado e teria sido banido.
Empresas de fabrico de pasta de papel fabricavam resíduos passíveis de alta contaminação microbiológica depois vertidos da lagoa de retenção para o mar e inundavam as praias. O coletor submarino foi a solução encontrada depois de muito suor e ódio.
Alimentação saudável
Em 50 restaurantes mais frequentados, quer nas zonas de acesso à cidade como nos mais centrais, 49 tinham contaminação microbiológica continuada. Caiu também sobre mim o Carmo e a Trindade. E no entanto estava determinado com rigor o risco relativo. Obviamente, o caciquismo no aparelho da Saúde era tremendo, hoje os média têm também outra liberdade.
As quantidades de carne, vermelha ou branca, a ingerir saudavelmente estão perfeitamente definidas em função da idade e peso. É a isso que se chama comer com moderação. Os exageros, acima ou abaixo desses patamares, como em tudo na vida, são motivo de doença. A observância dos limiares estabelecidos entra nos pressupostos de estilos de vida saudáveis.
Agora, há cambiantes a ter em conta, desde os regimes estritamente carnívoros aos absolutamente verdes. Os primeiros são um erro absoluto, falta-lhes boa parte das vitaminas e minerais essenciais presentes nos produtos da terra. Aos segundos exige-se uma ampla diversidade de vegetais e leguminosas para suprir a necessidade do todo em aminoácidos, sobretudo da parte das proteínas de qualidade, as de alto valor biológico, existentes numa pequena dose de carne. E requerem ainda suplementos vitamínicos e minerais.
Os produtos sujeitos a altas temperaturas produzem aminas tricíclicas e hidrocarbonetos policíclicos, químicos classificados como potencialmente cancerígenos
A DGS, Direção Geral da Saúde elaborou manuais para ambos os regimes ao alcance dos profissionais. E a ciência impregna agora parte considerável da discussão editada.
De radicalismos (reais ou inventados pelos tacticismos) não precisamos. Mas quando Paul Mccartney foi ao Parlamento Europeu clamar contra os efeitos deletérios para o aquecimento global do planeta resultantes da vasta exploração pecuária, não era capricho de vedeta. Se a comunidade científica e um contingente imenso de fazedores de opinião clamam contra os malefícios da mesma natureza, e também da qualidade do ar, atribuídos aos combustíveis fósseis, estão dentro da razão. Todavia, ambos os problemas implicam revoluções empresariais, sociais e políticas específicas de grande vulto que a mundialização do comércio e indústria vêm tolhendo. Seguramente, chegará a altura da implosão de tais pressupostos.
Henrique Pinto
Novembro 2015


PS. Artigo 890 do Blogue Medicult
Os combustíveis fósseis, o aquecimento do planeta e a deterioração da qualidade do ar

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

COM A VERDADE ME ENGANAS

Um instituto científico tão prestigiado como a Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro (IARC), órgão da OMS, Organização Mundial de Saúde, mas a que não compete fazer doutrina de saúde, desferiu um profundo golpe na credibilidade do seu trabalho. Não creio que este imbróglio das carnes vermelhas e das carnes vermelhas transformadas possa ser atribuído em exclusivo à inépcia e impreparação da porta-voz do IARC, a press officer Véronique Terrasse.
Tratava-se tão só de classificar estas carnes em cancerígenas ou não. Feita uma meta análise a 800 estudos epidemiológicos apenas 10 eram taxativos para as carnes processadas e nada permitiu concluir para as não processadas.
Além do mais, classificar (a especialidade do organismo) não é atribuir-lhe um grau de risco. Que, mesmo assim, em termos de saúde pública e quanto ao cancro do cólon e do reto é um risco pequeno, a anos-luz do atribuído ao tabaco, ao álcool e ao ar poluído.
Para o comum da população mundial e para os profissionais este anátema precipitado, particularmente sobre a carne processada (cachorros quentes, presunto, fiambre, salsichas, carnes em conserva, carne seca e os preparados e saladas com base na carne) foi por demais confuso e desmobilizador. Como se voltássemos à canjinha de pombo do tempo dos nossos avós.
A carne (com moderação, como tudo na vida) alternando com o peixe fornece a totalidade das proteínas de alto valor biológico essenciais à vida. Não há qualquer diferença nutritiva entre carnes vermelhas e carnes brancas.
A mediatização de chofre, e sem referências a risco, sem o papel mediador da comunidade científica e dos órgãos sanitários em cada país, acaba por revelar uma incompreensível e vulnerável aptidão comunicacional em termos de educação para a saúde, ao invés da organização mãe, a OMS.
Henrique Pinto
Novembro 2015