segunda-feira, 16 de abril de 2012


EM OVAR, 50 ANOS DE BEM SERVIR

Os Rotários de Ovar vivem agora com júbilo o 50º aniversário do seu clube. Fazem-no sobretudo valorizando a missão da instituição planetária em que o clube se filia, Rotary International. Que é apenas a maior rede mundial de voluntários e festejou também por estes dias 107 esforçados anos sobre o seu nascimento em Chicago. 
Tive o imenso privilégio de estabelecer com o RC Ovar um relacionamento de eleição desde que o meu olhar se virou efectivamente para a unidade distrito rotário com preocupações de dirigente. Até aí, e hoje como nas duas décadas anteriores, eu valorizara sobretudo as dimensões local e mundial de Rotary, o assento mor da nossa acção quotidiana no Servir e o universo em que, confluindo o empenho de clubes e homens, se pode, com ferramentas diversas, abrir caminhos para a Paz e a Compreensão universais.
Chamado à responsabilidade de Governador do Distrito 1970, três amigos do peito, nomes sonantes e ternos do nosso movimento, os governadores Madureira Pires, Marcelino Chaves e Carlos Lança, guiaram-me os passos no sentido de melhor conhecer o novo campo de acção, os seus fautores e líderes dilectos. Fizemo-lo da maneira mais apropriada. Ouvi todos os companheiros com mais responsabilidade, e assim tive o gosto de conhecer o então putativo Governador Álvaro Gomes e sua querida família. Gostosa e seguramente convidei-o para Governador Assistente, a categoria então em ascensão com o propósito de assistir aos clubes e estimulá-los no Servir.
Logo o Governador Álvaro instou para que a minha Assembleia Distrital se realizasse na cidade de Ovar patrocinada pelo seu clube, ao que anuí com natural felicidade. E com tal empenho e sucesso organizativo do clube se conseguiu esse propósito, que a minha dívida de gratidão para com esta entidade se avolumou, crescendo, até hoje. A participação dos Rotários de norte e sul de Portugal foi viva e em grande número, porventura porque eu fosse para muitos companheiros de ambos os distritos sujeito desconhecido em relação a quem se dá o benefício da dúvida, ou por ser pessoa assaz ouvida noutros areópagos pelo saber não dogmático, mas sobretudo porque o RC Ovar fez um excelente trabalho.
Acho que sempre procurei realizar o sentido dos Lemas, tanto do presidente Banerjee, «Conheça-se a si mesmo para envolver a Humanidade», como de Tanaka, «A paz através do Serviço», e com o mesmo vigor e entusiasmo de «Plante as sementes do amor», do meu querido presidente Bhichai Rattakul. No fundo, os Lemas Rotários têm praticamente todos o mesmo sentido e significado. Mesmo se em cada ano se expressem por diferentes palavras.
É um sinal para a palavra com sentido como sendo o grande móbil da inter-relação humana para a compreensão ou da motivação para a união entre os povos. Usemo-la, pois, tanto quanto nos for possível, para desembrulhar todos os nós górdios engendrados pelo próprio Homem, a impedirem a Harmonia. As cores das franjas humanas donas da intolerância têm alternado um século após outro, não se pode ignorá-lo. Nunca como hoje foi tão errado tomar o todo pela parte. Usemos pois a palavra com sentido como bússola na preservação da boa saúde da organização Rotary International, desígnio primordial para que possa continuar a ser o instrumento maior no lograr desse desiderato não etéreo que é a paz. Esse trabalho de consolidação – indispensável para atravessar, vibrante, mais um século de Serviço - é um imperativo incontornável de todos nós.
O presidente Banergee avançou a tal respeito com duas consignas importantíssimas, potencialmente contraditórias num primeiro olhar, como Mudança e Continuidade. Quem tenha estado atento pode notar o quanto Rotary mudou nos últimos trinta anos. Foi uma transformação como nunca acontecera no passado. Atentemos nisto, termos hoje milhão e meio de membros como há vinte anos atrás não é indicador de recuo mas de fortaleza, de trabalho à escala planetária, de abertura, de fazer frente aos tempos. Para suscitar este caminho impôs-se mudar as próprias regras fundadoras. Mas, diz ainda Banerjee, «não estamos satisfeitos com o menor denominador comum». Afinal, queremos almejar o mundo não como efectivamente ainda é, mas, sobretudo, «como ele deveria ser».
Foi o envolvimento na Erradicação da Polio que obrigou a essas profundas alterações nos Regulamentos e nas posturas de RI em termos mundiais e locais, feitas em sucessivos Conselhos de Legislação. Se a Polio está à beira do fim, o trabalho da maioria dos clubes e o empenho mundial têm hoje um impacto dez vezes maior que em 1983. É um salto espantoso propiciado pela mudança. Podemos e devemos «ser a mudança que desejamos ver no mundo», acrescenta o presidente.
Mas a continuidade desta vitalidade não se pode compaginar com os simples gestos a nu, crus, ano a ano repetidos, qual sintoma de esquizofrenia, nem com transigências à facilidade gratuita ou a comportamentos viciados e más posturas. Em 250 séculos a História do Homem também evoluiu vertiginosamente, particularmente nos dois últimos. E se é dado assente que a História não se repete, antes avança em arcadas helicoidais, sente-se hoje que, no que à qualidade do comportamento social se refere, nem sempre essas hélices são ascendentes, acompanhando o sentido do tempo. Ora, Rotary tem de estar nessas encruzilhadas da História como portador do estandarte civilizacional, qual obreiro da celebração do heterogéneo como o sal da harmonia e da tranquilidade. Nesse ritual do mundo está a poção mágica da vida em comum e em paz que vale a pena ser proporcionada, vivida.
 Para assegurar a continuação de Rotary como um tal motor os seus membros têm de estender os braços para lá dos horizontes, serem cidadãos do mundo, e aliarem ousadia e prudência, empenho e sabedoria, respeito pelo semelhante e sentido do diferente, da convivialidade proactiva. Paul Harris teve essa inspiração desde o primeiro instante.
No dia em que as tropas da coligação anti-Iraque ultrapassaram as fronteiras deste país eu ouvi e olhei nos olhos Governadores de Rotary eufóricos com o sucesso guerreiro. Senti-me ferido de morte nas minhas convicções. Porquanto um tal sentimento contraria em absoluto, a meu ver, os princípios elementares da organização a que aderimos. Assiste-se no dia-a-dia a que companheiros em Rotary dominem os clubes e os distritos como suas coutadas. Como se aos restantes Rotários fosse negado o estatuto que levou ao seu convite e iludida a asserção de líder que os conduz ao movimento.
Cada vez mais se verificam admissões sonoras e impróprias. Um jogador inveterado de alto coturno pode subir às estruturas mais nobres do movimento, os «trepadores» como lhes chama o bom amigo Mário Antonino. A especulação e a usura negocial aproveitando o veículo da língua em diferentes continentes, como mel e adejo de autarcas e políticos de mau passado, é frequente. Um e outro sintoma têm acidez corrosiva para qualquer organização. Os intercâmbios de jovens, porventura das ferramentas mais longevas e prodigiosas de Rotary, um imenso estofo de futuro, chegaram a ser assombrados pelo assédio. Quando a prevenção das doenças crónicas é um argumento hodierno para a intervenção de qualquer clube em qualquer país seja qual for o modelo de prestação dos cuidados de saúde e os seus níveis de prevalência, ouviram-se recentemente Rotários ilustres num distinto fórum a questionarem «O que tem Rotary a ver com a SIDA?».
Impõe-se tanto mudar os critérios e as posturas na escolha dos membros, como tantas vezes nos recordou o bom amigo Waldemar de Sá, sem imodéstia ou falsa moralidade, como se tornou tão premente como rocha mudar os procedimentos nos clubes, designadamente pelo desincentivo ao imobilismo passadista ou ao espírito de tertúlia, este de novo em voga. Quando tanta gente passa mal em todo o mundo, como resultado das políticas económicas e financeiras, nacionais ou internacionais, é pouco compreensível e menos razoável ainda que se estabeleçam confrarias dos bons almoços, a todos os níveis. Se perdemos um milhão de companheiros em trinta anos e se investe um sexto do orçamento em formação, que razões justificam a baixa e desestimulante permanência dos mesmos Rotários nos cargos de Rotary, nos clubes e em comissões, como se de sinecuras se trate?
Não é invulgar o cirandar de noticiário xenófobo entre os Rotários, servido pelas novas tecnologias da comunicação, instando os concidadãos ao desrespeito das suas instituições, goste-se ou não delas, ou denegrindo o carácter de companheiros que, hipoteticamente, possam fazer sombra aos autores. Infelizmente, como diria Eça em finais de novecentos, mesmo em Rotary, «não se desce pelo ridículo, sobe-se!». No companheirismo produtivo nos clubes estará sempre o antídoto para desvios com tal peso e sabor.
O presidente dos curadores da Fundação Rotária de Rotary International, o meu bom amigo Bill Boyd, contava noutro dia a história dum Rotário que conhecera algures e lhe dissera «Juntei-me ao Rotary por razões comerciais e de companheirismo, e fiquei para mudar o mundo». Este é o exemplo mais justificativo para o arregaçar de mangas de qualquer líder Rotário, é assim que me vejo, mudar para um mais sólido continuar.
Aquando da minha visita oficial a Ovar como Governador de Rotary International, fez agora dez anos, os companheiros Rotários deste clube deram-me prova duma estima que me tocou fundo na alma. O álbum fotográfico que produziram com recortes dos lugares e pessoas da minha infância, alguns dos quais eu até desconhecia, e que guardo com carinho, foi duma ternura incontida. E quando o Governador Álvaro Gomes me convidou para «Chairman» da sua Conferência, a que chamámos não por acaso a Convenção de Viseu, tive a noção plena de termos de contrariar o padrão prevalente das Conferências Rotárias habituais em Portugal (que por ignorância alguém já destinou a «balanços», alguns ao «para conferir…», e outros ainda a juntar prosélitos). A oportunidade mor de mostrar aos Rotários em ambiente de festa a multiplicidade de caminhos possíveis que o Servir obriga mas a inércia tolhe, imperativo de Rotary, foi o nosso rumo, tal como eu e o companheiro Madureira Pires havíamos feito em 2003 em Coimbra. Conseguimo-lo uma e outra vez e com uma adesão invejável. Foi uma oportunidade mais para Ousar Mudar, Lograr Vencer e Continuar a Viver como organização eficaz nos seus propósitos.
Felicito assim o Rotary Clube de Ovar que tanto estimo e seus dirigentes actuais, preiteando neles quantos os antecederam, por se terem mantido tão fiéis ao que de melhor há no movimento Rotário. E endosso uma palavra muito especial ao querido amigo, Companheiro Governador Álvaro Gomes, neste ano de celebração do cinquentenário e da consequente outorga da Carta Constitucional, que é a mais evidente prova de futuro profícuo e ridente.
Henrique Pinto
(RC Leiria)
Governador de RI 2002-03