EM OVAR, 50 ANOS DE BEM SERVIR
Os Rotários
de Ovar vivem agora com júbilo o 50º aniversário do seu clube. Fazem-no
sobretudo valorizando a missão da instituição planetária em que o clube se
filia, Rotary International. Que é apenas a maior rede mundial de voluntários e
festejou também por estes dias 107 esforçados anos sobre o seu nascimento em
Chicago.
Tive o
imenso privilégio de estabelecer com o RC Ovar um relacionamento de eleição
desde que o meu olhar se virou efectivamente para a unidade distrito rotário
com preocupações de dirigente. Até aí, e hoje como nas duas décadas anteriores,
eu valorizara sobretudo as dimensões local e mundial de Rotary, o assento mor
da nossa acção quotidiana no Servir e o universo em que, confluindo o empenho de
clubes e homens, se pode, com ferramentas diversas, abrir caminhos para a Paz e
a Compreensão universais.
Chamado à responsabilidade
de Governador do Distrito 1970, três amigos do peito, nomes sonantes e ternos do
nosso movimento, os governadores Madureira Pires, Marcelino Chaves e Carlos
Lança, guiaram-me os passos no sentido de melhor conhecer o novo campo de acção,
os seus fautores e líderes dilectos. Fizemo-lo da maneira mais apropriada. Ouvi
todos os companheiros com mais responsabilidade, e assim tive o gosto de
conhecer o então putativo Governador Álvaro Gomes e sua querida família.
Gostosa e seguramente convidei-o para Governador Assistente, a categoria então
em ascensão com o propósito de assistir aos clubes e estimulá-los no Servir.
Logo o
Governador Álvaro instou para que a minha Assembleia Distrital se realizasse na
cidade de Ovar patrocinada pelo seu clube, ao que anuí com natural felicidade.
E com tal empenho e sucesso organizativo do clube se conseguiu esse propósito,
que a minha dívida de gratidão para com esta entidade se avolumou, crescendo,
até hoje. A participação dos Rotários de norte e sul de Portugal foi viva e em
grande número, porventura porque eu fosse para muitos companheiros de ambos os distritos
sujeito desconhecido em relação a quem se dá o benefício da dúvida, ou por ser
pessoa assaz ouvida noutros areópagos pelo saber não dogmático, mas sobretudo
porque o RC Ovar fez um excelente trabalho.
Acho que sempre procurei
realizar o sentido dos Lemas, tanto do presidente Banerjee, «Conheça-se a si
mesmo para envolver a Humanidade», como de Tanaka, «A paz através do Serviço», e
com o mesmo vigor e entusiasmo de «Plante as sementes do amor», do meu querido presidente
Bhichai Rattakul. No fundo, os Lemas Rotários têm praticamente todos o mesmo sentido
e significado. Mesmo se em cada ano se expressem por diferentes palavras.
É um sinal para a palavra com
sentido como sendo o grande móbil da inter-relação humana para a compreensão ou
da motivação para a união entre os povos. Usemo-la, pois, tanto quanto nos for
possível, para desembrulhar todos os nós górdios engendrados pelo próprio Homem,
a impedirem a Harmonia. As cores das franjas humanas donas da intolerância têm
alternado um século após outro, não se pode ignorá-lo. Nunca como hoje foi tão
errado tomar o todo pela parte. Usemos pois a palavra com sentido como bússola
na preservação da boa saúde da organização Rotary International, desígnio
primordial para que possa continuar a ser o instrumento maior no lograr desse
desiderato não etéreo que é a paz. Esse trabalho de consolidação –
indispensável para atravessar, vibrante, mais um século de Serviço - é um
imperativo incontornável de todos nós.
O presidente
Banergee avançou a tal respeito com duas consignas importantíssimas,
potencialmente contraditórias num primeiro olhar, como Mudança e Continuidade.
Quem tenha estado atento pode notar o quanto Rotary mudou nos últimos trinta
anos. Foi uma transformação como nunca acontecera no passado. Atentemos nisto,
termos hoje milhão e meio de membros como há vinte anos atrás não é indicador
de recuo mas de fortaleza, de trabalho à escala planetária, de abertura, de
fazer frente aos tempos. Para suscitar este caminho impôs-se mudar as próprias
regras fundadoras. Mas, diz ainda Banerjee, «não estamos satisfeitos com o
menor denominador comum». Afinal, queremos almejar o mundo não como efectivamente
ainda é, mas, sobretudo, «como ele deveria ser».
Foi o envolvimento na
Erradicação da Polio que obrigou a essas profundas alterações nos Regulamentos
e nas posturas de RI em termos mundiais e locais, feitas em sucessivos
Conselhos de Legislação. Se a Polio está à beira do fim, o trabalho da maioria dos
clubes e o empenho mundial têm hoje um impacto dez vezes maior que em 1983. É
um salto espantoso propiciado pela mudança. Podemos e devemos «ser a mudança
que desejamos ver no mundo», acrescenta o presidente.
Mas a continuidade desta
vitalidade não se pode compaginar com os simples gestos a nu, crus, ano a ano
repetidos, qual sintoma de esquizofrenia, nem com transigências à facilidade gratuita
ou a comportamentos viciados e más posturas. Em 250 séculos a História do Homem
também evoluiu vertiginosamente, particularmente nos dois últimos. E se é dado
assente que a História não se repete, antes avança em arcadas helicoidais,
sente-se hoje que, no que à qualidade do comportamento social se refere, nem
sempre essas hélices são ascendentes, acompanhando o sentido do tempo. Ora,
Rotary tem de estar nessas encruzilhadas da História como portador do
estandarte civilizacional, qual obreiro da celebração do heterogéneo como o sal
da harmonia e da tranquilidade. Nesse ritual do mundo está a poção mágica da
vida em comum e em paz que vale a pena ser proporcionada, vivida.
Para
assegurar a continuação de Rotary como um tal motor os seus membros têm de estender
os braços para lá dos horizontes, serem cidadãos do mundo, e aliarem ousadia e
prudência, empenho e sabedoria, respeito pelo semelhante e sentido do diferente,
da convivialidade proactiva. Paul Harris teve essa inspiração desde o primeiro
instante.
No dia em que as tropas da
coligação anti-Iraque ultrapassaram as fronteiras deste país eu ouvi e olhei
nos olhos Governadores de Rotary eufóricos com o sucesso guerreiro. Senti-me
ferido de morte nas minhas convicções. Porquanto um tal sentimento contraria em
absoluto, a meu ver, os princípios elementares da organização a que aderimos. Assiste-se
no dia-a-dia a que companheiros em Rotary dominem os clubes e os distritos como
suas coutadas. Como se aos restantes Rotários fosse negado o estatuto que levou
ao seu convite e iludida a asserção de líder que os conduz ao movimento.
Cada vez mais se verificam
admissões sonoras e impróprias. Um jogador inveterado de alto coturno pode subir
às estruturas mais nobres do movimento, os «trepadores» como lhes chama o bom
amigo Mário Antonino. A especulação e a usura negocial aproveitando o veículo
da língua em diferentes continentes, como mel e adejo de autarcas e políticos de
mau passado, é frequente. Um e outro sintoma têm acidez corrosiva para qualquer
organização. Os intercâmbios de jovens, porventura das ferramentas mais longevas
e prodigiosas de Rotary, um imenso estofo de futuro, chegaram a ser assombrados
pelo assédio. Quando a prevenção das doenças crónicas é um argumento hodierno
para a intervenção de qualquer clube em qualquer país seja qual for o modelo de
prestação dos cuidados de saúde e os seus níveis de prevalência, ouviram-se
recentemente Rotários ilustres num distinto fórum a questionarem «O que tem
Rotary a ver com a SIDA?».
Impõe-se tanto mudar os
critérios e as posturas na escolha dos membros, como tantas vezes nos recordou
o bom amigo Waldemar de Sá, sem imodéstia ou falsa moralidade, como se tornou tão
premente como rocha mudar os procedimentos nos clubes, designadamente pelo desincentivo
ao imobilismo passadista ou ao espírito de tertúlia, este de novo em voga. Quando
tanta gente passa mal em todo o mundo, como resultado das políticas económicas
e financeiras, nacionais ou internacionais, é pouco compreensível e menos
razoável ainda que se estabeleçam confrarias dos bons almoços, a todos os
níveis. Se perdemos um milhão de companheiros em trinta anos e se investe um
sexto do orçamento em formação, que razões justificam a baixa e desestimulante
permanência dos mesmos Rotários nos cargos de Rotary, nos clubes e em
comissões, como se de sinecuras se trate?
Não é invulgar o cirandar
de noticiário xenófobo entre os Rotários, servido pelas novas tecnologias da
comunicação, instando os concidadãos ao desrespeito das suas instituições,
goste-se ou não delas, ou denegrindo o carácter de companheiros que,
hipoteticamente, possam fazer sombra aos autores. Infelizmente, como diria Eça
em finais de novecentos, mesmo em Rotary, «não se desce pelo ridículo,
sobe-se!». No companheirismo produtivo nos clubes estará sempre o antídoto para
desvios com tal peso e sabor.
O presidente dos curadores
da Fundação Rotária de Rotary International, o meu bom amigo Bill Boyd, contava
noutro dia a história dum Rotário que conhecera algures e lhe dissera
«Juntei-me ao Rotary por razões comerciais e de companheirismo, e fiquei para
mudar o mundo». Este é o exemplo mais justificativo para o arregaçar de mangas
de qualquer líder Rotário, é assim que me vejo, mudar para um mais sólido
continuar.
Aquando da
minha visita oficial a Ovar como Governador de Rotary International, fez agora
dez anos, os companheiros Rotários deste clube deram-me prova duma estima que
me tocou fundo na alma. O álbum fotográfico que produziram com recortes dos
lugares e pessoas da minha infância, alguns dos quais eu até desconhecia, e que
guardo com carinho, foi duma ternura incontida. E quando o Governador Álvaro
Gomes me convidou para «Chairman» da sua Conferência, a que chamámos não por
acaso a Convenção de Viseu, tive a noção plena de termos de contrariar o padrão
prevalente das Conferências Rotárias habituais em Portugal (que por ignorância
alguém já destinou a «balanços», alguns ao «para conferir…», e outros ainda a
juntar prosélitos). A oportunidade mor de mostrar aos Rotários em ambiente de
festa a multiplicidade de caminhos possíveis que o Servir obriga mas a inércia
tolhe, imperativo de Rotary, foi o nosso rumo, tal como eu e o companheiro
Madureira Pires havíamos feito em 2003 em Coimbra. Conseguimo-lo uma e outra
vez e com uma adesão invejável. Foi uma oportunidade mais para Ousar Mudar, Lograr
Vencer e Continuar a Viver como organização eficaz nos seus propósitos.
Felicito
assim o Rotary Clube de Ovar que tanto estimo e seus dirigentes actuais,
preiteando neles quantos os antecederam, por se terem mantido tão fiéis ao que
de melhor há no movimento Rotário. E endosso uma palavra muito especial ao
querido amigo, Companheiro Governador Álvaro Gomes, neste ano de celebração do
cinquentenário e da consequente outorga da Carta Constitucional, que é a mais
evidente prova de futuro profícuo e ridente.
Henrique Pinto
(RC Leiria)
Governador de RI 2002-03