ENVELHECER DEVAGAR E COM
SAÚDE
1 Na maior parte do mundo,
as pessoas de mais idade, nos anos dourados como gosto de dizer, não perderam o
estatuto de memória das comunidades, depositárias da sabedoria e do conselho pertinente.
Por paradoxo tal só se deu nas sociedades mais urbanizadas, onde o metro
quadrado de terra vale ouro, e, para cúmulo, o dinheiro não abunda. E os
valores esfumam-se.
2 Entre nós a classe
médica é tradicionalmente pouco permeável ao relacionamento profissional
transversal com outros sectores da saúde. O Dr. António Sales, cirurgião
ortopédico e homem eminentemente virado para a comunidade, social e
profissionalmente, escapa a este libelo. O Dr. Nuno Cordeiro, fisioterapeuta,
professor do Ensino Superior, é alguém muito qualificado para ensinar e
praticar o exercício físico mais adequado à patologia. Do trabalho conjunto
resultou esta prática transversal. Quando um dia regressava a casa depois de
duas semanas em Losano (Suíça), o colega, médico inglês sentado a meu lado na
camioneta que nos trazia ao aeroporto de Malpensa (Milão, Itália), dizia-me a
propósito dum transtorno articular: «Em Inglaterra nós tratamos isso com o
nosso fisioterapeuta». Eis uma linguagem tão desajustada da nossa.
3 Um e outro reuniram em
livro de leitura acessível a todos as patologias mais comuns em ortopedia e o
modo como, com exercícios triviais de fisioterapia, se lhes pode pôr cobro.
Melhor ainda, numa abordagem holística, interdisciplinar e intersectorial, trataram
também as principais doenças psiquiátricas – demência, incluindo o Alzheimer,
depressão, Parkinson, perturbações do sono, entre outras - cujo tratamento beneficia
substantivamente com o exercício físico. A Obra titulada Envelhecer Saudável e
activo, foi incluída nas celebrações de 2012, Ano Europeu do Envelhecimento
Activo, o Active Ageing Year. Estão de parabéns meus bons amigos. É um
excelente serviço à comunidade.
4 Está mais que
demonstrado que dentro de poucos anos a pessoa de 60 anos terá a juventude de
corpo da pessoa de 40 anos, e por aí adiante. A população entre os 85 e os 100 anos
de idade aumentará vertiginosamente. A esperança de vida ao nascer bem como a
avaliada aos 65 anos continuará a aumentar. O idoso activo é, assim, cada vez
mais valioso.
5 O envelhecimento das
populações da segunda metade do século XX em diante, por conta da melhoria
incomensurável da qualidade de vida, mas sobretudo pelo «ganho» civilizacional
da redução da natalidade, tornou-se o grande desafio do mundo actual. Um em
cada 10 habitantes do planeta tem mais de 65 anos.
Obviamente que o idoso
activo tenderá a querer permanecer na sua casa, no seu mundo, tão livre quanto
possível.
6 Um outro ganho
civilizacional foi a possibilidade de o estado, primeiro, o sector privado,
associativo ou cooperativo depois, poderem melhor cuidar do grande problema da
solidão – o mais feroz dos inimigos em qualquer idade -, acolhendo as pessoas
de mais idade em instituições próprias, mais e mais adequadas. Tal caminho fez-se
por todo o lado (fraco na Alemanha e Holanda) enquadrado pela Segurança Social,
processo sujeito a regulação que nalguns casos, como os EUA, é mesmo de grande
qualidade e exigência.
Em Portugal o fenómeno
para lá do asilo é serôdio. Hoje o fenómeno tem por aqui dois pólos opostos, o
regular, mau ou muito mau e o bom, óptimo ou muitíssimo acima da média. Não há
meio termo.
7 Há uma certa tendência
para quando se fala em qualquer assunto os exemplos advirem da realidade à
vista, a Europeia, numericamente a menos significativa do globo. Noutros casos
o socorro vem do exemplo familiar generalizado para a sociedade. Mas a
avaliação de qualquer aspecto social não pode aferir-se assim.
8 Infelizmente é
impossível falar em Envelhecimento Activo e Saudável na maioria das nossas
instituições para acolher as pessoas de mais idade. E se a parte física e
lúdica do exercício ainda tem algum lugar em boa parte dessas casas, a
componente espiritual e intelectual praticamente não tem expressão. E, em boa
verdade, não se pode falar em Envelhecimento Saudável e Activo, sem a
conjugação, a sinergia, do físico e do espírito.
As actividades finas, e muito
em particular a prática musical, podem ter um papel relevantíssimo neste campo
(e até na regressão neurónica, rejuvenescida). Não me refiro, obviamente, à
invasão dos lares por trombones e cantares de somenos, como vem acontecendo,
muitas vezes sob o chapéu largo de musicoterapia (induzindo a amusía), a
aproveitar (quem quer que seja) o dinheirinho que a Segurança Social
disponibiliza para tal fim. Refiro-me, isso sim, à prática, por simples que
seja, tão fácil ao conhecedor de implementar sem espavento.
E aqui o Estado português
falha tanto como no favorecer a sobrelotação das instituições.
Henrique Pinto
Maio 2012
Fotos Fátima Maximiano