domingo, 3 de junho de 2012


ENVELHECER DEVAGAR E COM SAÚDE
1 Na maior parte do mundo, as pessoas de mais idade, nos anos dourados como gosto de dizer, não perderam o estatuto de memória das comunidades, depositárias da sabedoria e do conselho pertinente. Por paradoxo tal só se deu nas sociedades mais urbanizadas, onde o metro quadrado de terra vale ouro, e, para cúmulo, o dinheiro não abunda. E os valores esfumam-se. 
2 Entre nós a classe médica é tradicionalmente pouco permeável ao relacionamento profissional transversal com outros sectores da saúde. O Dr. António Sales, cirurgião ortopédico e homem eminentemente virado para a comunidade, social e profissionalmente, escapa a este libelo. O Dr. Nuno Cordeiro, fisioterapeuta, professor do Ensino Superior, é alguém muito qualificado para ensinar e praticar o exercício físico mais adequado à patologia. Do trabalho conjunto resultou esta prática transversal. Quando um dia regressava a casa depois de duas semanas em Losano (Suíça), o colega, médico inglês sentado a meu lado na camioneta que nos trazia ao aeroporto de Malpensa (Milão, Itália), dizia-me a propósito dum transtorno articular: «Em Inglaterra nós tratamos isso com o nosso fisioterapeuta». Eis uma linguagem tão desajustada da nossa. 

3 Um e outro reuniram em livro de leitura acessível a todos as patologias mais comuns em ortopedia e o modo como, com exercícios triviais de fisioterapia, se lhes pode pôr cobro. Melhor ainda, numa abordagem holística, interdisciplinar e intersectorial, trataram também as principais doenças psiquiátricas – demência, incluindo o Alzheimer, depressão, Parkinson, perturbações do sono, entre outras - cujo tratamento beneficia substantivamente com o exercício físico. A Obra titulada Envelhecer Saudável e activo, foi incluída nas celebrações de 2012, Ano Europeu do Envelhecimento Activo, o Active Ageing Year. Estão de parabéns meus bons amigos. É um excelente serviço à comunidade. 
4 Está mais que demonstrado que dentro de poucos anos a pessoa de 60 anos terá a juventude de corpo da pessoa de 40 anos, e por aí adiante. A população entre os 85 e os 100 anos de idade aumentará vertiginosamente. A esperança de vida ao nascer bem como a avaliada aos 65 anos continuará a aumentar. O idoso activo é, assim, cada vez mais valioso. 
5 O envelhecimento das populações da segunda metade do século XX em diante, por conta da melhoria incomensurável da qualidade de vida, mas sobretudo pelo «ganho» civilizacional da redução da natalidade, tornou-se o grande desafio do mundo actual. Um em cada 10 habitantes do planeta tem mais de 65 anos.

Obviamente que o idoso activo tenderá a querer permanecer na sua casa, no seu mundo, tão livre quanto possível. 
6 Um outro ganho civilizacional foi a possibilidade de o estado, primeiro, o sector privado, associativo ou cooperativo depois, poderem melhor cuidar do grande problema da solidão – o mais feroz dos inimigos em qualquer idade -, acolhendo as pessoas de mais idade em instituições próprias, mais e mais adequadas. Tal caminho fez-se por todo o lado (fraco na Alemanha e Holanda) enquadrado pela Segurança Social, processo sujeito a regulação que nalguns casos, como os EUA, é mesmo de grande qualidade e exigência.

Em Portugal o fenómeno para lá do asilo é serôdio. Hoje o fenómeno tem por aqui dois pólos opostos, o regular, mau ou muito mau e o bom, óptimo ou muitíssimo acima da média. Não há meio termo. 

7 Há uma certa tendência para quando se fala em qualquer assunto os exemplos advirem da realidade à vista, a Europeia, numericamente a menos significativa do globo. Noutros casos o socorro vem do exemplo familiar generalizado para a sociedade. Mas a avaliação de qualquer aspecto social não pode aferir-se assim. 
8 Infelizmente é impossível falar em Envelhecimento Activo e Saudável na maioria das nossas instituições para acolher as pessoas de mais idade. E se a parte física e lúdica do exercício ainda tem algum lugar em boa parte dessas casas, a componente espiritual e intelectual praticamente não tem expressão. E, em boa verdade, não se pode falar em Envelhecimento Saudável e Activo, sem a conjugação, a sinergia, do físico e do espírito.

As actividades finas, e muito em particular a prática musical, podem ter um papel relevantíssimo neste campo (e até na regressão neurónica, rejuvenescida). Não me refiro, obviamente, à invasão dos lares por trombones e cantares de somenos, como vem acontecendo, muitas vezes sob o chapéu largo de musicoterapia (induzindo a amusía), a aproveitar (quem quer que seja) o dinheirinho que a Segurança Social disponibiliza para tal fim. Refiro-me, isso sim, à prática, por simples que seja, tão fácil ao conhecedor de implementar sem espavento.

E aqui o Estado português falha tanto como no favorecer a sobrelotação das instituições.
Henrique Pinto
Maio 2012
Fotos Fátima Maximiano