OLCA AOS 66 ANOS, IMAGEM DE MARCA A ENGRANDECER A REGIÃO E O
PAÍS
A
cerimónia de hoje evoca os 66 anos de labor ininterrupto da instituição Orfeão
de Leiria (OLCA) e homenageia todos os fautores da sua longeva história de
sucesso, do canto ao teatro, música e dança, ou consagrados certames
internacionais.
Tive o
ensejo de iniciar a minha actividade como presidente da direcção do Orfeão propondo-me
realizar na instituição, então muito limitada em recursos de toda a ordem e práticas
(embora prenhe de pessoas magníficas), e com perfis de intervenção muito
marcados pelo tempo, um projecto que colheu a anuência dos co-directores no
decorrer do tempo, assente numa tríade de vectores interdependentes: animação
cultural, designadamente promovendo um grande evento de referência regional;
promoção do ensino artístico; infra-estruturação.
Esta
estratégia de cultura local, aplicada a uma instituição do associativismo, ou
do terceiro sector numa lógica económica, com modestíssimos recursos humanos,
materiais e financeiros, e que foi bem sucedida, é afinal sobreponível à que o
Observatório das Actividades Culturais (OAC) aponta para o município de Cascais,
nas conclusões do estudo feito por encomenda do executivo desta autarquia.
O
sociólogo Artur Santos Silva diz deste estudo que os pilares inventariados, os quais,
para o OAC, alicerçam a concepção político cultural daquele município, poderiam
ser generalizados «para o que se chamaria então um programa comum de
intervenção autárquica no Portugal dos anos 2000, em municípios de localização
central e intermédia e com significativos recursos humanos e financeiros.
Dada a credibilidade
dos investigadores e o seu pós-modernismo, não apenas a política cultural
duma organização da sociedade civil (o OLCA), lançada vários anos antes da da
referida autarquia, tinha um enquadramento sociológico justificado (os pilares
são os nossos), como o facto de ter um bom resultado no decurso das quase três
décadas após 1983, credencia a acção do OLCA como exemplo sui generis
de dinâmica cultural ascendente, ponto de partida para a
estruturação de projectos de sociedade.
O sucesso tem altos e baixos
A 30ª
edição do Festival Música em Leiria (o evento que foi um farol e é hoje um
centro de referência, a abrir dentro de dias com a Exposição de Sérgio Claro
«Retrospectivas», preiteia o coro inicial do Orfeão de Leiria, nascido em
Novembro de 1945 e consagrado a 10 de Maio do ano seguinte.
No
rescaldo da II Guerra Mundial, frustrada já a esperança gerada na euforia do
renovar Portugal
politicamente, na onda da Europa além Pirenéus em reconstrução, o desemprego deixava
inactivos os jovens buliçosos, frementes de vontade em distinguirem as suas
terras, em darem o seu contributo social, em construírem o sublime valorizando
a sua auto-estima. É também um período de moralismo e conservadorismo social,
imagem em espelho do país, de marcada estratificação social, com nítido
controlo de costumes por parte duma franja de prosélitos do regime político, no
que não existia grande diferenciação relativamente à localização geográfica,
interior ou litoral. Apesar disso, alguns elementos da pequena e média burguesia
são importantes no suporte de bastidores do Orfeão (forte impulso para o não
soçobrar, e é claro que a notoriedade dos grupos, sem manifesto ascendente
político, interessava ao regime político.
O
repertório coral oscilava entre os coros de ópera (Verdi, com toda a pujança romântica
e o seu nacionalismo endógeno tem um lugar de relevo entre os autores), a
música sacra, designadamente a da escola da Igreja de Santa Cruz de Coimbra, e
peças originais dum dos regentes mais carismáticos, José Pais de Almeida e
Silva, peças belíssimas dum bucolismo lírico que só o Orfeão de Leiria cantava,
e onde pontuava a Canção do Porvir.
No Teatro
D. Maria Pia (implacavelmente demolido em 1959 por via da especulação imobiliária),
eram feitas gravações com transmissão directa para a então Emissora Nacional - programa
de carácter regular mensal entre 1949 e 1957, tal a expectativa suscitada no
país.
Muitos são
os portugueses melómanos em qualquer parte que, ao referir-se-lhes o Orfeão de
Leiria, recordam a Canção do Porvir, os lindos versos de Horácio Eliseu, a
música pungente de Ernesto Henriques e a voz límpida de Joaquim Assunção, coro
em fundo, que constitui ainda hoje o hino do grupo, e que a rádio lhes dava
semana a semana.
Com altos
e baixos (1955, 1957, 1962 e 1974) o grupo coral foi vencendo as muitas dificuldades
do associativismo cultural e recreativo, inerentes a uma iniciativa
voluntarista na província.
Bem pode
dizer-se que o Coro do Orfeão de Leiria veio para durar, evoluindo no sentido
da que é considerada hoje uma das mais importantes e ecléticas instituições
culturais do país, porventura apenas comparável, em termos de dinâmicas
culturais locais que se agigantaram, a experiências como as de algumas das
melhores entre as antigas Sociedades de Concertos. Releva-se pela extensão
populacional e territorial das suas práticas, pela multiplicidade das áreas que
abarca, desde um vasto sector inteiramente amador, associativista no sentido
mais tradicional, até aos mais profissionais e cosmopolitas (internacionais em
boa dose) dos campos de intervenção cultural. Todavia, é, institucionalmente,
uma peça única, nenhum sector é mais herdeiro do passado que qualquer outro.
Ser o melhor por muito tempo
Nenhum
período de crise justificou a minoração do espírito. Ninguém empobrece para
depois enriquecer. Por isso os corpos sociais desta casa tudo fazem para ao
menor dos custos suscitarem uma prática cultural e educativa ao mais alto nível.
Todo o
modelo de desenvolvimento, e particularmente o cultural, assenta na criação de
imagens de marca. A instituição agora identificada como Orfeão de Leiria
Conservatório de Artes (OLCA), é uma imagem de marca experimentada e reputada,
essencial à região e ao país.
A música
de câmara ou orquestrações mais envolventes pelo número e qualidade artística e
humana dos participantes, com os imensos solistas – instrumentistas e belas
vozes -, têm lugar na EMOL. Este património artístico humano da EMOL, actua em
permanente sinergia com os restantes conjuntos do OLCA, sejam o Coro
tradicional, os grupos baléticos ou o de música tradicional portuguesa, o
Tradições.
A
Orquestra de Sopros foi o primeiro destes grupos escolares a atingir um nível artístico
bem acima da média, com um repertório erudito, hoje dirigida por Luís
Casalinho, o que cedo levou a direcção do Festival Música em Leiria a incluí-la
durante vários anos na programação, sendo insistentemente solicitada.
Durante
algum tempo eram muitos os alunos da casa e simultaneamente intérpretes nas Bandas e
Filarmónicas da região que a integravam.
O
professor Rodrigo Queirós dirige três formações de alunos, Orquestra Luís de
Freitas Branco,
para os níveis mais avançados, Orquestra Paganini (ambas de Cordas), para os
níveis médios, e a Orquestra Sinfónica (que como todas as orquestras do mundo
de quando em vez é reforçada por outros músicos, de escolas com protocolos de
cooperação com o OLCA ou orquestras) e que já fez concertos para coro e
orquestra (no «Gloria», de Vivaldi, e na Missa da Coroação, de Mozart, pelo
menos) no Festival Música em Leiria.
A guitarra
é um instrumento muito frequentado no OLCA. Seria sempre natural no presente
contexto de quase democratização no pleno acesso ao ensino da música e pela popularidade
e influência das variedades de música rock. Da cooperação com o Conservatório
de Vigo e de pessoas como Tomás Camacho, discípulo de Segovia, e Margarita
Escarpa), resulta que o ingresso dos alunos de Leiria nesta escola conceituada,
com o propósito da licenciatura ou pós graduações em guitarra/viola dedilhada,
não para de crescer. Duas das professoras – Ilda Coelho
e Sónia Leitão -
já se formaram neste ambiente. Por outro lado, José Mesquita Lopes, também
professor, é um intérprete, pedagogo e compositor de primeira linha da escola de
Lisboa. Daí que com tais mestres (sem esquecer os do passado), este
instrumento, não só seja vedeta em muitos acontecimentos, como tem dois
agrupamentos, o Ensemble Concertante de Guitarras, dirigido por José Mesquita
Lopes e o Ensemble Francisco Tárrega, dirigido
por Ilda Coelho.
A flauta
tem o seu conjunto Orquestra de Flautas, regido por João Pedro Fonseca.
No Jazz, a
Big Band está a dar os primeiros acordes com direcção de André Rocha, e está no
cerne dum projecto de grande esperança, o Orfeão Velho, Oficina.
O Estágio
Internacional de Orquestra dirigido por Jean-Sebastien Béreau, distinto professor
jubilado do Conservatório de Paris, já em 8ª edição, atrai a Leiria a cada mês
de Julho centenas de jovens dum canto ao outro do planeta num cosmopolitismo
muito interessante.
A guitarra
é mote para três certames anuais: Festival de Internacional de Guitarra de Leiria,
Concurso Internacional de Guitarra de Leiria e Guitarra no Outono. São ainda
habituais em cada ano Workshops de música
antiga e piano.
O Concurso
Jovens Talentos (com o Prémio Rui Barral a ser atribuído ao melhor entre todas as
categorias de prémios atribuídos), com distinção em vários níveis etários e de instrumento/voz
ou de grupo proporciona um relevante sentido de pertença e um franco respeito
pelo mérito.
Não menos
importantes são os Dias do Clarinete, o Curso de Aperfeiçoamento de Instrumentistas
de Sopros e Percussão e a Master Class de
Trompete.
Os
Concertos com História associam vários ingredientes de sedução: locais
singulares de alto significado histórico, boa música pelos agrupamentos de
estudantes e professores, e o contributo de historiadores que enquadram música
e história com intervenções sempre diferentes.
Duas
realizações não regulares, mas com réplicas sucessivas envolveram a escrita de obras
contemporâneas por Pedro Rocha, para voz e instrumento, solistas e grupo, com recurso
a artefactos, num dos casos o mote é a reciclagem do vidro (Concerto do Vidrão)
e no outro a do lixo (Lixo com Ritmo), a primeira promovida pela empresa
Valorlis, de Tratamento de Lixos, e a segunda da iniciativa da escola.
Os mais
pequeninos têm a sua Emolândia, uma a duas vezes por ano.
A EMOL tem
também os seus Coros, o de Câmara com participações em vários festivais, em
Portugal e Itália, e os sete Coros das Classes de Conjunto da Escola de Música.
Todos os
grupos e solistas da casa participam numa miríade de eventos promovidos pelas
instituições nacionais e regionais.
Neuza
Betencourt, directora pedagógica da EMOL, tem
mesmo assim as suas ênfases: «Avaliação? (…) O Orfeão de Leiria Conservatório
de Artes tem demonstrado que é uma escola de qualidade e que está em constante
mutação. Prova disso são os diversos projectos que a escola tem desenvolvido ao
longo destes últimos anos, como é o caso do Estágio Internacional de Orquestra,
do Estágio Internacional de Guitarra de Leiria, da criação de uma Orquestra
Sinfónica, do Projecto Zero - Cinco,
dos Ciclos de Concertos que promove anualmente. Algo que não nos pode ser indiferente
é a percentagem de alunos que têm ingressado no Ensino Superior em Música e, consequentemente,
a percentagem de professores que já foram alunos da escola e que constituem,
actualmente, o corpo docente da EMOL. Inovação? (…) Projectos como o Zero -
Cinco ou o Conservatório Sénior, têm tido um papel muito
importante no que diz respeito ao proporcionar
de uma oferta cultural mais abrangente, de forma a chegar a todos. Mudar a ideia
que as pessoas têm da música não será, por si só, o melhor papel de inovação? Importante
será saber reestruturá-los e reafirmá-los, numa altura em que a globalização
nos estimula para a oferta de outras linguagens estéticas. Esse será o maior
papel que o OLCA poderá ter na inovação. (…) Motivam-me os alunos e saber que
estou a contribuir para o crescimento de todos eles, enquanto seres humanos e
músicos; os meus colegas que integram, tal como eu, o corpo docente da escola e
também todos os projectos que vejo crescer e muitas vezes nascer».
Um pé que sorri, uma mão que pode chorar
A
oficialização do ensino da Dança pelo Ministério da Educação em Fevereiro de
1998 e a
contratualização com o Estado surgem já com as novas instalações. É a EDOL,
escola de dança do OLCA, a dispor agora de espaço e material de muita
qualidade.
Mary
Wigman, define a dança como «uma linguagem viva que fala do homem, uma mensagem
artística que se solta para lá da realidade, no fito de falar em imagens e
alegorias das emoções mais íntimas do homem, e da sua necessidade de comunicar.
Quando a emoção do dançarino liberta o desejo de tornar visíveis imagens ainda
invisíveis, é pelo movimento do corpo que estas imagens manifestam a sua
primeira expressão. Cada gesto, deslocamento, ou cada silêncio em dança faz
sentido para o artista dançarino: um pé que sorri, uma mão que pode chorar».
É talvez
nesta perspectiva de se mover para se comover e comover, na gestão desta relação
exprimir/imprimir, que se inscreve o ensino da dança e se fundamentam as suas finalidades.
E aqui
chegados, com a conceituada direcção da professora Ana Manzoni, há mais de 25
anos a trabalhar no OLCA, a colaboração de Catarina Moreira, aluna e hoje
professora, uma honra enorme para todos nós, porventura a coreógrafa portuguesa
mais premiada no mundo pelo trabalho concebido para os seus alunos, e demais
corpo docente, a EDOL constituiu-se como um nicho de excelência no país.
Felicito
assim todos quantos no presente e no passado, a qualquer nível, dão/deram o
melhor de si para termos o prazer de fruir uma Obra assim.
Henrique Pinto
Presidente
da Direcção
Maio 2012