Há quase quatro anos que venho preparando a minha saída de
Presidente da Direção do OLCA sem que tal interfira no fazer cada vez mais e
melhor.
A organização cresceu de tal modo nestes 31 anos – as dezenas de frentes
internas, a complexidade organizativa, com imensas chefias intermédias, desde
maestros a diretores pedagógicos e artísticas, da música à dança, dos Encontros
Internacionais a Música em Leiria, e por aí adiante -, que os recursos humanos
necessários atingem hoje largas dezenas de pessoas e as fontes e modalidades de
financiamento são imensamente díspares. Por estas e outras razões, este
conjunto «empresarial» do terceiro sector, do associativismo cultural, é,
seguramente, de gestão mais árdua que a
generalidade das empresas ou até de algumas
autarquias da região. Além do mais temos uma estrutura de recursos humanos
afeta à administração que tem sido sempre muito curta, por uma questão de
gestão bem parcimoniosa do dinheiro que conseguimos produzir ou angariar.
Com o
esforço de muitos
Só estas razões justificariam redobrados cuidados na transição
duma direção para outra. Claro que os elencos vão sempre a votos. Mas no nosso
caso não há secretários gerais ou diretores executivos profissionais que assegurem
a transição do conhecimento e da experiência, e particularmente na diplomacia
da cultura e no relacionamento informal. É assim curial esperar (ou agir para) que
alguém se mostre interessado e depois fazer-se um ensinamento exaustivo,
prático, livre, profundo, a quem, internamente, esteja em condições de
assegurar a liderança e ir a votos. Qualquer direção desta casa deve ser uma
aposta com futuro e não um fruto conjuntural ou do acaso.
Se no mandato anterior não foi inteiramente possível assegurar a
transição que eu desejara, por as pessoas em melhores condições e já
comprometidas aqui, terem optado à última hora por modalidades de ocupação fora
do Orfeão que as sugestionavam mais – na verdade todas as pessoas que saem do
OLCA, mesmo as de pouca valia profissional, têm normalmente empregabilidade
qualificada assegurada -, por isso mesmo, desde Março de 2012 que se vem
operando a mudança mais ou menos silenciosa, e não tão discreta quanto eu
desejava. Primeiro de forma tutelada até Julho 2012, e depois, feito o desmame
nalguns casos, com a máxima liberdade no exercício de cada pelouro, coordenado
pela direção como um todo, claro está, e em especial pelo presidente. As
pessoas têm vindo a fazer uma aprendizagem do futuro.
Tenho a consciência plena que neste percurso de quase 31 anos se
partiu dum ponto organizativo, lúdico e de serviço muito baixo, embora
enxertado numa tradição fabulosa, para atingir a maturidade e o prestígio,
logrados uma e outro dentro e fora do país, a que assistimos nos últimos anos,
e que é algo singular em Portugal.
Tenho a consciência absoluta que esta Obra foi conseguida com o
contributo e o esforço de muitos, dentro da casa e, de forma substantiva, fora
dela, no ambiente social, cultural, educativo e político regional e nacional.
Mas é incontornável que a sua longeva sustentabilidade assenta no empenho e
persistência dum escol muito restrito de empreendedores, que, nalguns casos,
particularizarei mais adiante.
Gerir o fenómeno cultural implica que os atores do processo, para
além da competência, sejam pessoas cultas e de espírito mais maleável que os
meros tecnocratas. Tenha-se em conta o fato de o resultado último interferir
fortemente com o social.
Pedinte
sindicalizado
Cheguei a dizer em várias entrevistas na comunicação social, e,
diretamente, a muitos putativos mecenas, «ser um pedinte profissional com
cartão do sindicato dos pedintes».
Ora, na angariação direta de fundos (não
contabilizo os dinheiros resultantes da gestão, designadamente nas
contratualizações de serviços ou propinas, evidentemente), eu logrei pessoalmente,
ao longo destes anos, coletar mais de quatro milhões de Euros em doações ao
Orfeão, ao abrigo da legislação corrente, para o sucesso desta casa. Foi
praticamente tanto dinheiro como o que angariei para a Erradicação da
Poliomielite, através das Nações Unidas, e outras causas onde sempre me
envolvi. Apraz-me dizer que todas as transações financeiras desta natureza foram
sempre feitas sob forma de transferências e só raramente em cheques com ofício
anexo. Uma certa vez um diretor entrou na reunião de direção com mil contos em
notas na moeda da altura (hoje 5000 Euros), dádiva dum empreiteiro. Eu logo
disse que não aceitávamos tal dinheiro, a não ser que a transação fosse feita
por tramitação formal. Para desespero de todos os diretores esse dinheiro não
foi aceite. E que falta nos fazia!
Ora, tal cometimento só foi possível pelo envolvimento, admiração
e respeito conseguidos junto do setor da economia público e privado, com a ênfase
no empresariado nacional e regional. Porquanto sempre considerei
estrategicamente fundamental que as empresas em sentido lato se envolvam na
educação e na cultura. Ainda que para tal obter tenhamos de estar no terreno
todos os dias e criar a empatia indispensável.
A
persistência
Tenho tido o imenso deleite de presidir à direção desta casa
durante tão longo período. Foi necessário superar dificuldades de toda a ordem.
Tenho a convicção plena que a minha persistência, este espírito de levar todos
os empenhos até ao fim, que herdei dos meus saudosos pais – espírito esse que
às vezes rasou o sacrifício, pessoal e dos meus familiares diretos, sacrifícios
de toda a natureza mas sobretudo financeiros (terei feito a doação ao Orfeão,
em dinheiro ou trabalho, um investimento pessoal e dos meus, de largas dezenas
de milhares de Euros, enquanto foi necessário), e de disponibilidade pessoal,
familiar e profissional -, foi por demais relevante neste processo.
Essa convicção sempre me disse que, ao contrário da regra, aqui «a
Obra não morre com o seu Criador» por altura da sua saída de funções. Daí toda
a dedicação e tempo postos ao serviço da mudança, mesmo se tal possa ter diminuído
transitoriamente o ritmo da produção.
Como nas
grandes organizações internacionais
Pois bem, é chegado esse momento ideal para a saída das minhas funções
de presidente da direção do Orfeão de Leiria Conservatório de Artes. A Obra foi
feita sem interrupções e é sustentável.
Disse numa entrevista ao Diário de Leiria, em Janeiro último,
quando completei 30 anos de presidente do OL, que, com toda a certeza, não me
apresentaria para novo mandato. Completarei amanhã 30 anos e seis meses deste
cargo.
Portanto, decorrente deste compromisso pessoal há muito tempo assumido,
comunico-vos, muito honrado e superlativamente orgulhoso do que ajudei a
construir, feliz por ter tido a colaboração de pessoas maravilhosas, sem
qualquer pena ou constrangimento, com a consciência tranquila de neste posto
bem ter servido a instituição, a causa da cultura, a comunidade e o país, que
hoje mesmo cesso aqui as funções inerentes a este cargo de presidente da
direção. Um posto que, mercê do trabalho visível operado, se tornou tão prestigiante.
Com Rotary International habituei-me a prazos rigorosos para
servir e passar o testemunho, com um grau de envolvimento igual do primeiro ao
último dia. Por isso mesmo, pode haver saudade, que se mitiga em continuar a
apoiar no que se puder fazer, mas, seguramente, não haverá dor.
O senhor vice-presidente, arquiteto Carlos Vitorino, conforme
vimos conversando há mais dum ano, está mais que preparado para, a partir de
hoje, me substituir no cargo de presidente da direção, e com certeza com igual ou
mais empenho ao que eu entreguei a esta missão.
Durante este período extenso, neste mandato, o arquiteto Carlos
Vitorino, assumidamente, passou por esta formação orientada, formal e informal,
pela maturação acompanhada, com o meu empenho, exatamente como se fazem as
transições das chefias a algum nível nas grandes organizações internacionais,
e, particularmente entre nós, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Comprometi-me com ele a colaborar com a casa sempre que por ele for
entendido necessário. Mas também me comprometi a retomar o programa Café das
Quintas, de parceria com o Semanário Região de Leiria, conforme aqui aprovámos
em devido tempo. Darei todo o meu entusiasmo na ajuda para se fazer Música em
Leiria, particularmente na prática de Fundraising.
E, de igual modo, promoverei o II Seminário «Música, Cognição e Cérebro», no
âmbito do Conservatório Sénior (outra originalidade orfeónica), ainda este ano.
Gostaria de poder continuar a assegurar a direção da Orquestra Filarmonia das
Beiras, de que o OL é fundador por meu intermédio, pelo menos até ao fim do meu
mandato (integro a direção desde o primeiro instante e já fui presidente).
Comprometi-me ainda com o Arquiteto Carlos Vitorino a elaborar um Guião/Livro
de Estilo para a realização do Festival de Música (e adaptável a outros
eventos), aplicável já a partir de Setembro.
Um grande
projeto da cultura nacional
Passados todos estes anos temos hoje entre mãos um grande projeto
da cultura nacional. Quando há dias fui recebido pelo senhor Secretário de
Estado da Educação Básica e Secundária, Dr. João Grancho, a sua assessora para
a área da música disse a dada altura, «as minhas mais gratas recordações neste
ministério ligam-se ao Orfeão de Leiria».
Fiquei aturdido, não me lembrava
dela. Mas a Dra. Beatriz explicou, «eu integrava a equipa do Dr. Joaquim de
Azevedo (que depois foi secretário de Estado da Educação), no GETAP, com o
professor Borges Coelho, aquando da oficialização do ensino da música e depois quando
da construção da escola do orfeão». Até me afluíram as lágrimas aos olhos. Os
deputados do PSD que me conseguiram a entrevista, Dr. Pedro Pimpão e Dra. Laura
Esperança, e que gentilmente me acompanharam (o Dr. Paulo Baptista também
ajudou mas não pôde, à última hora, estar comigo), ficaram de igual modo muito
sensibilizados.
Portanto, o desenvolvimento deste projeto nacional, que todo o
país cultural conhece, e que só neste período de 30 anos foi várias vezes
premiada no mundo (Festival de Música) e foi reconhecido com três medalhas de
Mérito Cultural outorgadas por governos de diferentes opções políticas, com a
homenagem e o reconhecimento formal unânime da Assembleia da República (proposta
pelo então deputado do PSD Dr. João Poças Santos), e pela atribuição da Ordem de
Mérito do Infante D. Henrique, pelo Presidente da República, assentou numa
tríade de objetivos proposta por mim na primeiríssima reunião de trabalho na
casa.
Esta tríade de vetores, cobrindo a infraestruturação cultural, o ensino e
os grandes eventos (como faróis do desenvolvimento cultural), cumprir-se-ia por
inteiro. Viria afinal a ser decalcada por vários sociólogos, a ser recomendada
pelo Observatório das Atividades Culturais aquando dos planos para a cultura
encomendados pelas Câmaras Municipais de Cascais e do Porto (de maiorias eleitorais
diferentes à altura) e, vinte anos depois de a termos posto em prática, também pelo
sociólogo Augusto Santos Silva (antigo ministro da Educação e também da
Cultura, que aqui esteve por várias vezes), como «a política a seguir para as
autarquias de média dimensão em Portugal no século XXI».
No meu livro «Do Estado Novo ao Pós-modernismo Cultural», a ser
editado a 12 de Outubro próximo, pelo OLCA, um ensaio espécie de legado
teórico, explicarei toda esta conceptualização sociológica da cultura que promovi
no Orfeão, com certeza útil para um futuro mais sustentado.
Estamos assim no que a mais moderna sociologia empresarial chama
de «Tipping point leadership».
Atingimos uma situação, que já foi mais abrangente quando as AEC e
o Programa Zero Cinco estiveram na crista da onda e nos aproximámos dos 5 mil
alunos, mas que nos coloca ainda assim no topo das Escolas artísticas
portuguesas (somatório de todos os alunos). Sem esquecer a produção média de
eventos artístico-culturais diferentes (327 só em 2012), algo assaz notável. A
terceira fase do desenvolvimento cultural (se transpusermos o conceito
sociológico das autarquias para as empresas culturais), é o da criação.
E de
facto o OLCA avançou para um nível de produção criativa muito alto. Sendo
necessário ganhar ainda mais alunos fora dos subvencionados pelo Estado,
produzindo no curto prazo outras ofertas de produtos educativos, e reerguer a
bandeira do Coro do Orfeão com qualidade, este patamar de excelência implicaria
sempre a meu ver uma liderança bastante atreita e motivada para a Inovação
estratégica, forte como tem sido, e participativa, mas mais jovem, com maior
frescura, tolerante perante tudo o que é novo, e capaz de preservar o passado e
o que se construiu e se mantém atual.
Na tríade de vetores já referida estava a construção deste
edifício sede (e outros equipamentos), acabado dez anos depois de ter sido inaugurado
pelo senhor Presidente da República Dr. Jorge Sampaio, e já aumentado depois
disso com mais um piso. Optou-se na altura por construir um edifício de raiz
por estar a terminar o RECRIA, programa governamental que permitia recuperar
edifícios antigos. Entre a conceção e a Abertura oficial mediaram outros dez
anos. A engenharia orçamental a que foi necessário recorrer, muito complexa,
fez-nos percorrer os corredores do poder e as portas da iniciativa privada com
particular afã durante todo esse período. Pagámos a totalidade da despesa sem
quaisquer atrasos. E a participação dos 3 secretários de Estado que
acompanharam o senhor Presidente da República nesse dia luminoso, bem como a
dos três deputados ao Parlamento que haviam sido os secretários de Estado chave
para o apoio a esta saga, no governo anterior, ilustram bem o interesse e
respeito público logrados.
Esta imagem de respeitabilidade pública não se
apagará das nossas memórias e, seguramente, da dos cidadãos em geral, a
persistir o espírito empreendedor que temos vivido. Nem tão pouco se olvidará o
apoio ativíssimo do Dr. João Poças Santos em todo este processo.
O Deus ex
machina
Institucionalizar o Ensino Artístico da Música no Orfeão de Leiria
– uma saga empolgante – fez também aflorar o que de melhor há nas pessoas onde
quer que elas estejam. O GETAP do Ministério da Educação, com pessoas
maravilhosas (algumas das quais já referi), mas também o então ministro Couto
dos Santos, meu amigo é certo, que optou pela nossa candidatura em vez da dum
projeto comercial promovido por um ex maestro e presidente do Orfeão (por sinal
até amigo…) com outro maestro de Coimbra, significaram algo de extraordinário.
Devemos à professora Ana Barbosa (distinguida no Sarau dos 60 anos do OL, tal
como o Dr. João Poças Santos), a canseira infinda e a paixão com que nos ajudou
nesta fase e depois no início da escola oficial, enquanto primeira diretora
pedagógica. A oficialização da dança foi um processo bem mais fácil, já
alicerçado no prestígio entretanto conquistado, mas dirimido com perícia com a
ajuda incontornável da professora Ana Manzoni.
O Festival Música em Leiria, já a pensar-se na 32ª edição no
próximo ano, foi esse Deus ex machina
que, de par com o coro do Orfeão progressivamente em melhoria substantiva, nos
abriu o mundo. Fernanda Cidrais, Carlos de Pontes Leça e Miguel Sobral Cid,
foram os diretores artísticos obreiros do sucesso como evento artístico de alto
nível.
Mas o apoio continuado da Fundação Calouste Gulbenkian ou protocolos
como o estabelecido com o Teatro Nacional de São Carlos (corporizado através do
Dr. Manuel Ivo Cruz, homenageado em evento especial já nesta casa), ou mesmo o
facto de termos estado inscritos na Associação Europeia de Escolas de Música (a
única escola portuguesa do nosso nível), permitiram-nos trazer a Leiria o que
de melhor se fez e faz a todos os níveis da música.
Do «viveiro»
aos anos dourados
Hoje o OLCA (porque entretanto mudámos o nome e logotipo da
instituição para a adequar aos tempos), com as suas trinta frentes de
intervenção (entre elas Estágios Internacionais e outros festivais de renome),
constitui uma unidade cultural singular no país.
No ensino cobre todo o espetro
etário, do imprescindível «viveiro» para novos alunos à música e dança nos anos
dourados. Qual Fonte de Juvenca, este espetro carece de permanente alimento. E
das cátedras oficiais às eminentemente amadoras (uma mistura que noutros locais
do país morreu com o tempo, face ao conservadorismo impensável tanto do
«tradicional» como do mais atual, é aqui um emblema de sucesso, bem ilustrado
na obra do ex secretário de Estado Rui Vieira Nery), esta mistura emblemática,
dizia, junta num só propósito todas estas frentes culturais e educativas.
Em
todas elas houve a invenção de coisas novas que se autonomizaram, como a
prática com bebés, por exemplo (Edwin Gordon esteve aqui a convite nosso). Ao
reforçarmos o propósito do cultivar-se a interatividade permanente entre os
nossos grupos culturais desde Setembro 2012 – orquestras, coros, Ensembles, do
Ensino profissional ou não, e de todo o género de instrumentos, etc. – damos maior
solidez ao processo criativo permitindo-nos, tanto uma gestão menos onerosa
como o tocar públicos mais heterogéneos.
E permite ao agenciamento externo para
a comunicação, através da Midlandcom (e que agradecimento extenso me merece o
seu presidente, Dr. António Laranjeira, ex diretor e meu conselheiro de sempre!),
potenciar melhor o efeito das práticas.
A
flexibilidade
É de salientar que a estrutura financeira do OLCA, no que toca à
realização de quaisquer eventos, é mais flexível que as congéneres clássicas de
orçamento e rubricas (embora este seja essencial para o todo institucional,
integrador). Há a prática de orçamentar em particular cada ação de maior vulto,
competindo ao diretor responsável o controlo dos custos e ganhos, ou seja, o
acompanhamento financeiro do projeto. Esta prática tem sido quase regra geral.
É, para mim, incontornável, responsável.
Já vários recém chegados, mesmo portadores dum programa de ação
exaustivo e plural, vêm depois falar em trabalho por objetivos como se tal fosse
a grande novidade. Depressa descobrem, com maior ou menor envolvimento aqui ou
ali sempre se trabalhou aqui com a noção da Missão, finalidade, objetivos,
estratégias, programas, metas e avaliação. Coisa que deve ser relida como um
breviário. Infelizmente, por infelicidade nossa, não foi possível rentabilizar
o primeiro software informático para
a praxis não financeira. Está agora já
instalado o Programa MUSA que, inclusive, permite a avaliação no momento de
indicadores construídos para todas as práticas. E tal dará uma outra cor ao
futuro organizativo.
Estes pressupostos permitem-me concluir que o OLCA, estoicamente
persistindo como instituição de boa empregabilidade na região, apesar dos
tempos difíceis, tem excelentes condições para vencer este período de dificuldades
estruturais e de governabilidade neoliberal e pouco competente.
A Escola
Profissional
Por maior que seja o empenho pessoal de cada um nada se faz
sozinho. Por muito que custe por vezes o delegar, temos de nos esforçar por
fazê-lo mesmo quando o controlo que se nos exige aplicar tenha de ser reforçado,
ou que o processo seja mais moroso. Sempre o fiz. Daí que o pouco que me magoa
não ter logrado concluir é o não estar ainda em pleno andamento, tanto o
processo imperioso para erguer uma Escola profissional (um desígnio relevante
para um futuro mais heterogéneo e pragmático, uma arma importante a usar se for
necessário, e que é compatível com cursos profissionais articulados com as
escolas, coisa bem diferente), como a reformulação dos cursos e áreas para as
novas admissões de alunos, ambos estratégias suscetíveis de contribuírem para o
reforçar da autonomia financeira. Gostaria ainda de ter conseguido erguer um
Centro de Documentação/Núcleo museológico comparável ao das escolas mais
desenvolvidas na zona centro.
Os tempos mudaram radicalmente como o país. Mesmo tendo a região
de Leiria uma tradição musical forte desde o final do século XIX como é
possível que o atraso fosse tão profundo há trinta anos atrás, sem vereações
culturais dignas desse nome, com poucas infraestruturas formais (mesmo estrados
para coro, torres de iluminar, ou mastros de bandeiras, que hoje ainda toda a
gente nos pede emprestado), sem alguém que escrevesse uma linha nos jornais
para além do professor Matias Crespo ou do João Guerreiro?
Levará uma
vida a fazê-lo!
É por tudo isto que há agradecimentos de pura gratidão que levarão
uma vida a fazer. Estou grato a todas as pessoas que, desde Janeiro de 1983 me
acompanharam nos corpos sociais do Orfeão, bem como a todos os maestros e às
direções artísticas e pedagógicas que se seguiram.
Estou grato a quantos
integraram os corpos sociais, ao corpo de professores, técnicos e trabalhadores
doutra natureza, e à estima quase omnipresente. E estou bem grato mesmo àquelas
pessoas, muito poucas felizmente, que, por incultura ou mau caráter,
funcionaram como anticorpos na instituição, porquanto me foram alertando para a
necessidade dum grande rigor na escolha dum elenco parcimonioso de companheiros
de gestão, voluntários, ou trabalhadores, nesta área particular do
associativismo.
Mas há pessoas incontornáveis nas nossas vidas.
Desde logo a minha família direta, que em muito contribuiu para
que a minha colaboração fosse viável, tranquila e estável. Bem hajam. Desde
logo também todos os ministros e secretários de Estado da Cultura (todos nos
visitaram) e os autarcas da região, de qualquer partido. Ainda nos idos de 80
juntámos num jantar nas Caves Vidigal, com um convidado musical de peso, o
Paulo Vaz de Carvalho, os deputados nacionais e autarcas regionais de todos os
partidos, a fina flor da intelectualidade portuguesa e do empresariado
regional, de mistura com um sem número de pessoas amigas, melómanos, Rotários,
Lions, etc.
Repetimos a organização anos depois com a visita do Centro Nacional
de Cultura, da saudosa Maria Helena Vaz da Silva, acompanhada por jornalistas
dos periódicos lisboetas, como o José Manuel Fernandes, do Expresso, nossos
defensores e apoiantes nos tempos advindos. Criou-se uma tal empatia com a
casa, carinhosa mesmo, que de certa forma iluminou o futuro do nosso trabalho.
Permito-me, todavia, salientar o apoio extraordinário de dois
autarcas de Leiria, meus amigos, fãs incontornáveis desta casa, que reputo de
marcantes para a sua história pregressa. Primeiro, o saudoso Joaquim Marques
Confraria (distinguido como sócio honorário do Orfeão de Leiria), que rompeu
com o passado autárquico a nosso favor na utilização da logística pública, e
depois Victor Lourenço (a quem é ainda devida distinção particular), com quem
foi possível estabelecer um Contrato Programa Câmara-Orfeão, singular para
Leiria e paradigmático para o país.
Na praxis interna, o Dr.
António Moreira de Figueiredo, que me antecedeu neste labor e me trouxe para
esta casa, tem lugar cimeiro. Acompanhou-me a par e passo nos 18 anos seguintes
enquanto amigo e presidente da Assembleia geral. Foi, como a esposa Maria
Helena, alguém muito especial, extraordinário mesmo. Com ele e um escol muito
reduzido de pessoas conversei praticamente todas as semanas (as reuniões de
direção eram semanais) sobre as matérias que eu queria trazer à colação
diretiva com sucesso ou os empreendimentos à distância. Na direção, que chegou
a ter onze elementos, três ultrapassaram de longe o imaginável, a ponto de
poder dizer hoje, sem hesitações, sem elas jamais teria sido possível sairmos
da baixa mediania em que então se navegava, por maior que fosse o meu esforço.
O Engenheiro José Ferreira Neto, sempre
disponível, sempre arguto e moderado, engenhoso a lidar com um coro tradicional
(a alma da casa) quase sempre a remar em contrário, como na árdua missão de
penetrar na comunidade, a resolver quaisquer assuntos. Ele e o «Quiné» foram os
sustentáculos desta casa na década 1973-83 quando algum setor desfalecia.
Foram-no depois também comigo como vice-presidentes. O «Quiné» dirigia o GTOL,
Grupo de Teatro que criou no Orfeão com maestria. Foi incontornável a gerir as
sensibilidades muito adversas de boa parte dos «atores», o que redundou num
sacrifício pessoal de proporções inimagináveis. Alguns desses atores que
levaram à saída do «Quiné», uma perda irreparável, haveriam de continuar no
Coro do Orfeão, até há pouco tempo, como fontes de igual indisciplina. No plano
artístico ele foi um oásis criativo, um autodidata,
ao ter a capacidade de trabalhar tanto o naturalismo (o de origem lusa, no
dealbar do século XX, como o da influência do Stanislavsky da primeira fase), o
neorrealismo ou o teatro político (inspiração de Piscator e Brecht), numa
íntima relação com o diferente, qual celebração da suprema heterogeneidade.
É em
sentido filosófico um pós-moderno precoce, e o resultado deste seu labor
identifica a sua produção mais tardia no OLCA como eminentemente pós-moderna ou
prefigurando já o pós-modernismo.
Depois, a D. Antonieta Brito, ao pegar o testemunho do seu sogro, Eduardo
de Brito, o esteio do Orfeão nos anos 40 e 50, foi desde sempre a mais
importante e bem-sucedida das relações públicas do OL. Nestes últimos 36 anos ligou
ao Orfeão um setor social muito importante na região. Dirigiu como poucas vezes
vi a outro nível o voluntariado na casa, responsável por muitos milhares de
refeições e centenas de receções, incluindo aquelas com que entrámos no
Programa que titulei Europa das Famílias (riquíssimo roteiro de intercâmbios
internacionais com o Coral, que visitou duas dezenas de países), como em todos
os restantes setores. É a autora do nome do nosso Festival de Música. Temos e
teremos a sorte e o privilégio de a ter junto de nós por muito, muito tempo.
E entre os colaboradores há também alguém que é único. A Gracinda Moniz
entrou para o Orfeão uns meses antes de mim, pela mão do primo José Ferreira Neto,
para ser a secretária (a única) e mulher-a-dias, tudo junto e a meio tempo. Foi
a pessoa que na minha gestão esteve em todos os programas, em todas as
realizações, que apoiou lealmente todos os elencos diretivos, e que nunca
reivindicou uma única hora extraordinária de trabalho dos milhares que, no seu ministério,
terá dado a esta casa até hoje.
Estes cinco amigos, entre outros, foram distinguidos nas celebrações do 67º
aniversário do OLCA. Mas não há distinção que ofusque a sua importância efetiva
nos resultados socioculturais que hoje ostentamos. Sem eles não teríamos
chegado onde chegámos. Sem eles eu não estaria aqui a despedir-me como
presidente da direção, e, sobretudo, tão orgulhoso do que me foi possível fazer.
Caríssimos companheiros e companheiras, muito obrigado pelo vosso trabalho,
pela vossa dedicação e amizade, pela vossa tolerância. Meu caro arquiteto Carlos Vitorino, o ter aceitado o meu convite foi por
demais honroso para mim.
O poder contar consigo para prosseguir esta Obra dá-me
uma satisfação imensa. Estou confiante em absoluto que as suas capacidades e o
apoio e cooperação estreita dos companheiros de estrada (e não serei eu a
moderar-lhe o seu entusiasmo), farão com que todos continuemos a admirar o
Orfeão de Leiria Conservatório de Artes. Desejo-lhes a todos as maiores
felicidades. Desejo-lhe pessoalmente o maior sucesso. Bem haja.
Henrique Pinto
(Comunicação apresentada em Reunião de Direção)
29 de Julho de 2013
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