terça-feira, 6 de agosto de 2013

O QUE FOI E O QUE PODERIA TER SIDO


Bons e maus momentos
1.          inauguração do edifício sede pelo senhor Presidente da República Dr. Jorge Sampaio foi o momento que mais me tocou e emocionou nestes anos. Tive o gosto da presença de três membros do governo e dos três deputados, membros do governo anterior, exatamente as pessoas que dirimiram o assunto nos dez anos passados até aí. O edifício estava inteiramente pago mas não acabado. Levou mais dez anos até essa fase e, já depois, acrescentámos-lhe um outro piso. Bastantes pessoas não puderam estar presentes na inauguração, as regras de segurança impostas pela presidência não no-lo permitiram, mas foi o ato social de maior repercussão até hoje feito na região. Viver com os orfeonistas os momentos em que cantaram para o papa João Paulo II, em Roma, foi-me igualmente por demais grato.
           Aquando da transição da tutela do Ministério da Educação para o da Economia, em 2011, no final do governo anterior, ao contrário do então dito pelos governantes envolvidos, a mesma redundou num corte inopinado de 25% do contratualizado por concurso e já a decorrer para pagamento dos professores que ministram o ensino articulado, e não houve resposta alguma do Estado nos dez meses imediatos. Esta pecha entrou por este governo dentro. Tivemos de atrasar os salários ou pagar em partes. Um despacho patético de final de 2011 da então Direção Regional de Coimbra, e inútil porquanto pela lei apenas tínhamos de informar este órgão, causou-nos seriíssimos problemas de gestão. O despacho vai para a Secretária de Estado da Educação que resolve negar-nos o que nem tínhamos de pedir. No resto do país as Direções Regionais não cometeram tais atropelos, ficou ferido o princípio da igualdade. A medida que então propusemos, por nos ter sido outorgada autonomia pedagógica, e que o país imitou, veio depois a ser extensiva ao país pela mão do próprio ministro Dr. Nuno Crato, medida que, felizmente, impediu a falência das escolas e conservatórios, privados e associativos, que asseguram 99% do ensino artístico no país por contratualização (os conservatórios estatais não vão além de 1% do ramo).
    
     Só dois anos depois o senhor secretário de Estado da Educação, João Granho, aceitou receber-me para discutir este assunto e pôr fim ao recurso hierárquico que interpusemos e estava, contra a lei, sem qualquer resposta. Isto foi conseguido por intermédio dos deputados do distrito pelo PSD, Dr. Pedro Pimpão, Dra. Laura Esperança e Dr. Paulo Baptista, a quem estou penhoradamente agradecido. Mas foram muitos meses da mais profunda angústia, que me torturaram.
 
Foram 30 anos...
2.   Foram fascinantes! Desiluda-se quem pensar que um projeto cultural com implicações profundas no social se faz em dois dias. Pare e pense quem julgar que as dificuldades para a cultura são apanágio dos dias que correm. Na verdade as dificuldades sempre andaram por aí. Apenas foi mudando o tipo. Hoje estamos em mais uma das muitas encruzilhadas da história. Mas uma autarquia com pessoas cultas e «vontade política», tem até mais oportunidades soberanas para praticar uma ação cultural mais intensa e pragmática. É até um ensejo para a sua afirmação ou mesmo a internacionalização. Com muito pouco fizemos muito.
 
      
     É francamente importante promover eventos lúdicos massivos, as pessoas gostam. Mas uma Feira Medieval, o produto mais banalizado nos verões portugueses, por melhor que seja, pode ser realizado por uma secretária arguta com uma boa lista de contatos. Estimular o desenvolvimento cultural é algo bem mais complexo e demorado, faz parte das políticas culturais, nunca emergirá da mão de tecnocratas. A cultura sensu lato saiu sempre por cima em todos os períodos de encruzilhada na história dos últimos sete séculos. Não vai soçobrar agora. Foi o estímulo constante e diverso do criar conhecimento dinâmico que tivemos em agenda, dia a dia, em todos estes anos. Tudo o que hoje se faz culturalmente na região, e é muito, nas associações ou nas autarquias, bebeu a poção deste nosso estímulo.
 
    O conjunto de vetores que enformou a nossa política para a cultura (onde se insere a educação), viria afinal a ser decalcado por vários sociólogos, o modelo coincide com o recomendado pelo Observatório das Atividades Culturais aquando do período de elaboração dos planos para a cultura encomendados pelas Câmaras Municipais de Cascais e do Porto (de maiorias eleitorais diferentes à altura, entre Câmaras e dentro de cada uma delas), no virar do século. Vinte anos depois de o termos posto em prática, também o sociólogo Augusto Santos Silva (antigo ministro da Educação e igualmente da Cultura, que esteve por várias vezes connosco), diria do modelo ser «a política a seguir para as autarquias de média dimensão em Portugal no século XXI». 

3. Como seria se não tivesse existido?
 Os tempos mudaram radicalmente como o país. No entanto, mesmo tendo a região de Leiria uma tradição musical forte desde o final do século XIX como é possível que o atraso fosse tão profundo há trinta anos atrás, sem vereações culturais dignas desse nome, com poucas infraestruturas formais (mesmo estrados para coro/orquestras, torres de iluminação de cena, ou mastros de bandeiras, que hoje ainda toda a gente nos pede emprestado), sem alguém que escrevesse uma linha nos jornais para além do professor Matias Crespo, de João Guerreiro ou de Francisco Santos?
Vemos hoje que boa parte dos entusiastas pelo teatro, por exemplo, com exceção do Teato e de Luís Mourão, não tem estado visível, e ninguém recorda com nitidez alguma corrente específica de encenação que tenham valorizado. Pois bem, o «Quiné» - uma das pessoas que mais me ajudou no Orfeão, de par com Maria Antonieta Brito, Moreira de Figueiredo ou José Ferreira Neto -, que dirigiu o GTOL, Grupo de Teatro que criou no Orfeão, foi um oásis criativo, autodidata, ao ter a capacidade de trabalhar tanto o naturalismo ou o neorrealismo como o teatro político, numa íntima relação com o diferente, qual celebração da suprema heterogeneidade. É em sentido filosófico um pós-moderno precoce, e o resultado deste seu labor identifica a sua produção mais tardia no OLCA como eminentemente pós-moderna ou prefigurando já o pós-modernismo. E será por longo tempo lembrado por isso.
Pois bem, sem estes apoios tão qualificados talvez não tivesse logrado vencer os inúmeros bloqueios existentes ou que foram surgindo. O Orfeão, melhor ou pior, teria continuado o seu importante trabalho de sapa. O que se fez assentou em objetivos bem definidos que foram inteiramente cumpridos, com um envolvimento pessoal enorme, é certo, e um carinho muito grande e transversal da generalidade das pessoas, das empresas e das instituições que foram aderindo vista a obra. A Obra é singular e ainda hoje não se lobrigam envolvimentos semelhantes.

4. E daqui a 30 anos?
Respondo de modo enviesado. Certo dia, enquanto responsável da saúde, disse a um autarca, a propósito da putativa legalização duma exploração animal, «não posso assinar isso porque tal não é legal». Pois fique sabendo que o Orfeão não recebe mais um tostão, foi a resposta que obtive. E não recebeu.
O OLCA fez neste período 20 digressões internacionais e esteve presente na maioria das geminações (e até na génese de algumas), sem rogar um cêntimo público. Pois há anos que a representatividade cultural nas geminações não conta com o Orfeão. Espero que os tempos esfumem, tanto o autoritarismo como o amiguismo, tecnocrata e inculto, promotores do banal e artificial, inibidores do bem-fazer e da diversidade.
Fazer cultura, mesmo se aquém da fase organizada da criação (designação da sociologia), requer pessoas cultas, que produzam cultura sobre a cultura. O relacionamento internacional pleno será uma das tónicas dos próximos 30 anos, enxerta-se no ideal europeu que verá melhores dias, seguramente. Se assim for, potenciar o rico acervo artístico, cultural, pedagógico e criativo ao nível europeu está com certeza ao alcance do OLCA.
5. Paulo Lameiro... e o conflito
Trata-se dum falso problema. Desconheço qualquer cisão dessa natureza. Obviamente, Música para Bebés é um produto criado no Orfeão de Leiria, em coautoria, e isso está documentado pelo próprio professor Paulo Lameiro.
Vivi esse período criativo, guardamos a documentação alusiva. Nada tem de polémico. E se algum sururu houve julgo-o fruto, em parte, do desconhecimento e mesmo de algum atrevimento de certas pessoas ciosas de criarem suspense ou mesmo de colocarem uns contra outros, como existe por todo o lado. Internacionalizámos esse nosso produto logo no início, esteve na Suécia e em Inglaterra, e continuamos com ele sob outras capas. É, além do mais, um «viveiro» de futuros melómanos. É hoje replicado na Europa e na América Latina por uma miríade de grupos, indo nalguns casos muito para lá do lúdico e atentando na vertente mais científica da sua utilidade continuada para o mesmo escol de crianças.
O Estágio Internacional de Orquestra, o Festival de Música, criações singulares como o Conservatório Sénior, a política de entrosamento entre os nossos produtos culturais como meio para a formação musical das crianças antes da idade escolar, etc., todas igualmente «capital cultural» do OLCA, têm sido iniciativas replicadas não sei quantas vezes por outrem, nalguns casos pelas mais distintas instituições do país, e na maior fatia das ocasiões sem que nos digam algo a propósito.
Pois bem, conquanto que quem replicou isto ou aquilo tenha posto valor cultural ou educativo acrescentado nos produtos, a réplica só por si nunca mereceu nem deverá merecer qualquer posição pública nossa em contrário. E é bom para a cultura se uma produção se torna rentável do ponto de vista financeiro. Mas outra coisa, que quero julgar apenas como hipótese, seria o pôr-se em causa a nossa dignidade pessoal e institucional.

6. Os que poderiam ter vindo
Quem não gostaria de ter nas suas edições grandes nomes do Jazz como Diana Krall ou o trompetista Dave Douglas, por exemplo, ou ainda a London Symphonia e tantas outras hipóteses de excelente programação?
Mas nós temos tido do melhor, falo de todos os melhores grupos de música antiga do mundo, de Maria João Pires, Artur Pizarro, Jordi Savall (e por duas vezes), de todas as melhores orquestras e grupos baléticos portugueses…
Importante é não cair em tentações espúrias, manter a proximidade do empreendedorismo empresarial e de serviços e prosseguir fazendo entender aos responsáveis das urbes locais a importância de marcas como «Música em Leiria» e «Estágio Internacional de Orquestra», por exemplo, etc.

7. O senhor que se segue
O senhor arquiteto Carlos Vitorino, um homem de cultura que eu escolhi para esta incumbência, é uma boa pessoa, experiente profissionalmente,
como autarca, como gestor. Manter a sustentabilidade e a autossuficiência da instituição, implementando ainda os novos programas já antes na calha ou a incluir nela, para se adaptar aos tempos e conseguir mais clientes, já é um desafio absorvente e grato de vencer. Mas tenho plena convicção que, com a boa equipa de que disporá, ele levará o OLCA cada vez mais longe e com a maior abrangência.

8. Ensino superior artístico em Leiria
Claro que pode crescer muito mais mas sempre «fazendo o sapato à medida do pé», servindo-me duma das minhas consignas de trabalho.
Não acredito na asserção dialética da transformação da quantidade em qualidade mas defendo a melhor política cultural e educativa em cada instante. O ensino superior da música poderia já estar em Leiria e por mais razões que noutras regiões de Portugal. Bati-me por isso desde quando existiam apenas duas escolas superiores até hoje que já são nove.
O IPL poderia ter avançado por aí, inclusive com o nosso apoio, a empregabilidade destes licenciados continua alta, estamos na região que tem o segundo maior per capita de músicos no país. Mas não o fez e sozinhos não o podíamos conseguir. Contudo, nos dias de hoje aposto mais em que, mantendo a estrutura Conservatório existente, se concluam as diligências para, em simultâneo, ter uma Escola profissional de música e dança, mesmo se não comparticipada pelo Estado,
porquanto se enquadra nas necessidades nacionais e o custo/eficácia é menor para resultados mais exigentes.

9. E agora José?
Recebo muitos telefonemas de pessoas que se indignam por não as atender no OLCA a esta ou àquela hora. Ou seja, sobretudo depois de ter saído dos serviços de saúde portugueses, e de estar tantas vezes nos média por questões ligadas à sanidade pública (estava no topo da carreira e podia, se eu quisesse, ter continuado ainda uns dez anos mais), muita gente identifica-me como se eu fosse alguém cujo emprego é ser o presidente do Orfeão. Porque apareço amiúde como presidente na comunicação. Mas estar no OLCA é um hobby, uma ocupação não remunerada, é Servir a comunidade, das coisas mais importantes na vida.
Portanto, decorrente deste compromisso pessoal há muito assumido, bastante honrado e superlativamente orgulhoso do que ajudei a construir, feliz por ter tido a colaboração de pessoas maravilhosas, sem qualquer pena ou constrangimento, com a consciência tranquila de neste posto bem ter servido a instituição OLCA, a causa da cultura, a comunidade e o país, terminei as funções inerentes ao cargo de presidente da direção, depois de ter assegurado uma transição saudável e promissora.
Mas, para além de continuar a colaborar no OLCA, designadamente no projeto em comum com o Região de Leiria, O Café das Quintas, vou prosseguir fazendo o que já faço e aproveitando a riquíssima experiência bem conseguida de gestão pública e privada.
Darei um pouco mais de atenção aos restantes projetos culturais, de cidadania e solidários em que estou envolvido, particularmente em Rotary International. Tenho tido bons resultados no fundraising (lograr fundos) para causas da OMS. Sou conselheiro mundial dalguns projetos de saúde, o que me apaixona vivamente. Estive agora em Bruxelas no âmbito dum deles. Faço uma a duas conferências por mês. Tenho um livro para sair em Outubro e vários deles na cabeça, prontos para passar ao papel. Sempre gostei de fazer e faço clínica… E para tudo isto é imperioso continuar estudando…
Henrique Pinto
6 de Agosto de 2013
 
 

 

 

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