sexta-feira, 20 de agosto de 2010

AS FÉRIAS DUM SUJEITO TRABALHÓLICO


As férias são um paraíso ou um inferno para as pessoas que trabalham intensamente. Se existe a possibilidade material de fugir ao ficar em casa, ao andar de tralha às costas com a família por parques de campismo, quartos de terceira e aldeamentos turísticos de algazarra, estereótipos de descanso simulado, para bisbilhotar as pequenas delícias tão dispersas que país e mundo oferecem a custos diversos, a diferença de estatutos é muito grande.
Desde sempre um mínimo de quatro dias sem dar atenção aos aborrecimentos do quotidiano foi-me pletórico no restabelecimento intelectual, nem sempre para o físico, de molde a permitir-me o uso de telemóvel e computador, ligar-me discretamente ao trabalho numa ubiquidade de trabalhólico. Agora já preciso de um pouco mais de tempo. O mar e a vela concedem-me esse caminho de libertação.
Mesmo assim voei para Lisboa a meio dum destes períodos de tranquilidade perecível a resolver questões criadas pela necessária contenção financeira do governo e alguns concursos públicos, inenarráveis, por parte de autarquias, a denotarem um desfasamento cognitivo em substância no que respeita ao avanço que a tecnologia forneceu à Lei - um luxo tecnológico - criando artefactos, chinesices, injustiças…. ao não saberem lidar com ele.
A sociedade civil está quase sempre uns passos à frente do Estado. O que não obsta a que a ineficiência privada rivalize em módulo com a pública, num tropismo inebriante. Quando os bens culturais continuam a ser aferidos pelos mesmos critérios de adjudicar muros e alcatrão e isso se passa em instituições geridas por quem ostenta pendores ideológicos tão diversos, haverá alguma legitimidade para se dizer que as autarquias construíram o país?
Aproveitei esses dias para dar um empurrãozinho no empenho cívico de eleger Fernando Nobre para presidente da república, fazer uma entrevista com a RTP, promover três reuniões de colaboradores, ler umas dezenas de pareceres, gozar o sol tórrido como o meu conhecimento médico desaconselha e mergulhar nas águas frias e estimulantes do Tamariz.
Quando hoje o sol se pôs sobre o horizonte à nossa ré, a meia viagem entre a Horta e La Rochelle, a luz eléctrica a tomar o lugar dos últimos raios que se apagam na costa da Galiza, e o vento esmorece atordoando as velas, a incitar à perícia de bem marinhar, cai um manto de serenidade, de repouso, de intimidade com o cosmos, longínquo patriarca, sobre o cansaço físico e os problemas distantes. Um requebro tão compensador como o que de melhor a existência tem.
Conheço o mundo e constrangem-me as desigualdades. Seduz-me o entusiasmo de quantos aproveitam as fendas da vida e dão tudo o que têm no fruir novas oportunidades, portas para acederem a um quotidiano mais luminescente. O mesmo prazer que o mar hoje me proporciona deu-mo antes um bom livro – em menino era o melhor dos leitores da biblioteca de Cascais -, um filme português, como «Contraluz», de Fernando Fragata, filho dum condiscípulo meu, o cogitar sobre antas e menhires e o Cromeleque dos Almendres nos arredores de Évora, ou inventariar recantos de cores ou igrejas e ermidas perdidas nos Açores, opções baratas.
Henrique Pinto
Agosto 2010
FOTOS: o Hirondelle no Cais do Pico, em dia de regata de botes baleeiros (os que se vêem ainda não armaram as velas); Veleiros na Marina da cidade da Horta (Ilha do Faial) com a Montanha do Pico em fundo; o Tamariz, no Estoril; veleiros de série 6,5 participantes na Regata Les Sables - Horta - Les Sables, na Marina da Horta; Regata de botes baleeiros no Cais do Pico (Ilha do Pico), com a Ilha de São Jorge em fundo; vista parcial do Cromeleque dos Almendres, Évora;

Sem comentários:

Enviar um comentário