O recém inaugurado Museu do Lajido para evocar a Cultura da Vinha, considerada pela UNESCO desde 2004 como Património da Humanidade, é uma preciosidade cercada por inebriantes tons de verde, negro e azul, com o vermelho a pintalgar portas e janelas.
A última erupção vinda do Vulcão da Montanha iniciou-se em 1718 e deu origem aos mistérios de São João e de Santa Luzia. O nome curioso de Mistérios advém das imensas línguas de lava que entraram
mar dentro e aí arrefeceram, dando azo a consideráveis áreas planas. Ao longo dos séculos o Homem do Pico domou esta lava. Com as pedras soltas fez milhares de quilómetros de muros ou moroiços e
constituiu os currais (também chamados curralinhos ou curraletas), para proteger as vinhas e as figueiras, plantadas em fendas e aberturas das formações basálticas.
O efeito de estufa gerado pelo calor retido de dia pelo basalto e liberto à noite, juntamente com as condições geológicas e climáticas da Ilha do Pico, está na base da excelente produção vinícola com ascendente da casta verdelho.
De par com tal lavoura cresceu um património edificado diverso, adegas – nome herdado do dos antigos povoados erguidos por quem ali permanecia boa parte do ano para tratar, principalmente, dos figos -, poços de maré, ermidas, casas conventuais, solares e armazéns.
Os campos lávicos onde se desenvolvem estas culturas, resultantes de erupções tipo havaiano, tipificam-se por escoadas de superfície regular, aplanada e lisa, conhecidas por «lajes» ou «lajidos». Nestes lajidos, além das marcas deixadas pelos rodados dos carros de bois, observam-se estruturas
diversas do vulcanismo basáltico, como as lavas encordoadas, túneis lávicos (o das Grutas da Torre, na Criação Velha, concelho da Madalena, visitáveis, é um entre centenas já inventariados) e moldes lávicos de árvores.
Os cuidados com as figueiras eram demorados. Da poda ao sulfatar e ao unto dos figos de seis em seis dias com um «podoiro» molhado em azeite de baleia, até à sua apanha nove dias depois, exigia dos agricultores permanências demoradas nas edificações precárias e rudes, hoje conhecidas por adegas.
Daí até à construção de três Ermidas à beira mar – tidas pelo Arquitecto José Manuel Fernandes como bem patrimonial (1999) - foi um passo de gigante.
ERMIDA DE SENHORA QUE DÁ PUREZA
Está localizada no Sítio do Lajido, em Santa Luzia. Data de 1760, em pleno período eruptivo.
Enquadra-se na casa solarenga adjacente, dos herdeiros do Dr. Manuel Andrade, num arruamento belíssimo e bem conservado, a unir adegas e moradias. No átrio há um poço de maré de 1756.
Nela se celebra o culto aquando das Festas da Costa, em Setembro.
ERMIDA DE SÃO MATEUS DA COSTA
Construída pelos mesmos proprietários da Ermida do Lajido, também em 1760, esta ermida foi edificada em lugar ermo, sem habitações nas redondezas, conhecido por Cabrito.
Restos duma antiga fortaleza por perto dão crédito à versão que a justifica como apoio à guarnição militar ali sedeada há muito, para defesa da ilha.
A sua fachada tem várias pedras artisticamente esculpidas, corroídas pelo tempo.
Ali se venera a imagem de São Mateus há cerca de século e meio.
A festa tradicional ocorre no primeiro domingo de Setembro.
ERMIDA DA RAINHA DO MUNDO
Esta ermida é já do século XX, de 1954, ano da bênção da primeira pedra, e, segundo o padre Idalmiro Ávila, fica a dever-se á insegurança da ida dos filhos da terra para as colónias (ainda que a guerra no ultramar só se tenha agudizado depois da queda de Goa e da eclosão rebelde em Angola, em 1961) e às preces dos fiéis a esse respeito.
A bênção da ermida dedicada à Rainha do Mundo, situada no Largo dos Arcos de Santa Luzia, foi conferida a 15 de Agosto (estaria concluída dois anos depois) pelo ouvidor de São Roque, padre Domingos Ferreira da Rosa. No mesmo dia decorreu uma missa campal na cratera do vulcão do Pico, um facto singular.
A data de 8 de Dezembro de 1954 inscrita na fachada virada ao mar apenas quis assinalar a invocação do patrocínio da Imaculada Conceição.
A festa anual ocorre a 28 de Agosto.
Henrique Pinto
Agosto, 2010
PS. Estes escritos são possíveis graças à informação contida em Património Religioso do Concelho de São Roque do Pico», 1999, e «Convento de São Pedro de Alcântara», do padre José Idalmiro Ávila (1996), «São Roque do Pico, Inventário do património imóvel dos Açores», de José Manuel Fernandes (1999), à memória imensa do meu tio Lafayete Ávila e à literatura da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, do Governo Regional dos Açores
FOTOS:
Botes baleeiros no Cais do Pico, nos momentos que antecedem a regata tradicional;
Museu da Cultura da Vinha, no Lajido, inaugurado em Julho 2010 (2 fotos);
Currais de Vinha do Museu no Lajido;
Currais de Figueira no Lajido; ponta do
Mistério de Santa Luzia; flor de
roca viana, flora típica da Ilha do Pico; aspecto de
lava encordoada (o fluxo de lava arrefeceu primeiro nos lados);
rua do lugar de Lajido;
Poço de Maré no Lajido;
Ermida de Senhora que dá Pureza, no Lajido;
rodado de carro de bois no basálto lávico;
Ermida de São Mateus da Costa (perfil, com a Ilha de São Jorge ao fundo, e frente), rodeada de salgueiros, no Cabrito;
Ermida da Rainha do Mundo nos Arcos de Santa Luzia;
Padre José Idalmiro Ávila, numa conferência nas Angústias, Ilha do Faial, sobre «A Senhora do Livramento na Religiosidade Popular»;
Imagem de São Mateus; mata de
criptomérias, árvore muito plantada no Pico;
mapa do Concelho de São Roque do Pico;
Montanha do Pico vista da Vila da Madalena.
Como não chego ao Pico, fiquei-me pelo património religioso construído no continente. E há coisas lindas para ver! Claro que as fotos publicadas e o meu gosto pela Geologia fizeram-me ficar com pena de não ver tudo ao vivo, mas ainda não perdi a esperança de ir até aos Açores, mesmo não indo ao pico do Pico...
ResponderEliminar