Quando olho a estátua memória do rei D. Carlos I - um eminente artista e pioneiro estudioso do mar, tal como Rainier I do Mónaco a quem acompanhou em expedições científicas pelos Açores -, sobranceira à baía de Cascais, ali no Passeio que tem o nome de sua mãe, Rainha Maria Pia, recordo-me sempre de minha avó Margarida, que eu tanto amava. Dizia ela ter visto por várias vezes, quando moça, o anafado
rei, visitava ele a herdade dos Ramada Curto, à Lagoa de Albufeira, em Sesimbra, para ir caçar.
Ocorre-me também muitas vezes a lembrança do rei Humberto II de Itália, por muitos anos refugiado em Portugal a exemplo do seu bisavô. As suas duas casas de Santa Marta, em Cascais, constituem hoje, unidas, um luxuoso hotel. Andava muito a pé e cumprimentava-me sempre e a meus pais com grande simpatia quando passava por nós.
Ora, Humberto II reinou em Itália apenas 33 dias. Seu pai, Victor Manuel III, apesar dum início de reinado com pouco a questionar-se – assinou até com o papa Pio XI a criação da Cidade Estado do Vaticano, um problema quente desde a anexação de Roma por seu avô, Victor Manuel II, o unificador de Itália (que desde logo nos evoca as óperas nacionalistas de Verdi, tão populares nesse tempo) –, encostou-se e deu rédea solta à governação fascista (a palavra vem exactamente deste período, do «fascio» italiano) de Benito Mussolini. Isto não caiu bem a boa parte dos italianos. Em 1946, feito o referendo, estes optaram pela república em desfavor da monarquia. Mesmo se o Vaticano tivesse deixado clara uma suposta «manipulação» do voto.
Numa tentativa desesperada de sobrevivência da reinante Casa de Sabóia, Victor Manuel III antecipou-se ao acto referendário. Abdicou em 9 de Maio de 1946 a favor do filho Humberto II, o qual já vinha exercendo as funções de Chefe de Estado desde a libertação de Roma pelos aliados em 1944. Mas o rei Humberto II viria a aceitar em de 2 de Junho seguinte os resultados do plebiscito.
Victor Manuel III, filho de Humberto I de Itália, assassinado, irmão da Rainha D. Maria Pia de Portugal, esposa do rei D. Luís e mãe do rei D. Carlos, era primo direito deste. D. Carlos foi assassinado com seu filho Luís Filipe em 1908, exactamente quando o governo, chefiado por João Franco, seguia uma política autoritária. Um desfecho trágico que «encurtou» o caminho até à república, instaurada faz agora cem anos.
Henrique Pinto
Setembro 2010
FOTOS: estátua memória do Rei D. Carlos no Passeio D. Maria Pia, em Cascais; Rei D. Carlos à caça; Rei Humberto II de Itália; o hotel em Cascais que uniu as duas vivendas do Rei Humberto II em Santa Marta, Cascais; Rei Humberto II de Itália; Praia do Guincho e Cabo da Roca (o Rei D. Luíz iniciou as permanências sazonais da côrte em Cascais, no apreço pelo lugar e redondezas); Baía de Cascais vista do Clube Naval