Os tempos mudam e o espírito crítico também. Na política toda a gente diz
que «não pode ser assim ou assado» ou «não concordo», por isto ou por aquilo.
Mas raramente se apresentam soluções credíveis para ultrapassar dificuldades. A
razão mor do êxito da instituição OLCA é porque encontramos soluções para os
problemas e nada fica para trás.
O Dr. Moreira de Figueiredo, de memória muito querida para mim e muitos
mais, suou as estopinhas para manter o Coro, e sem profissionalismos, nos anos
60 e 70. Chegou a cantar no Coro um grupo de presidiários! Desde que contacto
com o Orfeão de Leiria (coro) já lhe conheci vários períodos muito difíceis. E
resolvi bem todos aqueles com que lidei. Primeiro, esteve fechado, tal como já
acontecera nos anos cinquenta (claro que há quem bata o pé a dizer o
contrário). Depois, o
maestro, impaciente, já não suportava os coralistas,
quase todos acima dos sessenta e muitos. Eu e o José Neto, já falecido, criámos
então o coro misto, com a aquiescência do maestro, mantendo-se a tradição do
coro masculino, ainda que mais reduzido. Depois, ainda o mesmo maestro,
cansou-se do Coro (para depois querer voltar como já fizera no passado) e tivemos
de contratar um maestro profissional. Noutra circunstância o maestro já
profissional despediu 17 coralistas mais antigos, para refrescar o Coro, sem
que a direcção soubesse, e caíram-nos todos em cima. Noutra circunstância o
maestro insistia em fazer 6 ensaios por semana durante 6 meses consecutivos
para poder participar no Festival. Um absurdo, não haveria coralista que
resistisse a tal. Dada a sua irredutibilidade tivemos de prescindir da sua
colaboração. Noutra altura tivemos de contratar uma pessoa com menos
habilitações embora de excelente trato, porque o regente anterior quisera
mudar-se para a sua terra, e porque o dinheiro estava difícil de chegar a
horas. O Coro transformou-se então num produto La Féria de segunda, sem
qualidade. Houve que mudar, mesmo se com sacrifício. Agora, tal como eu vinha
alertando há pelo menos cinco anos, o Coro está longe de ser auto-sustentável
(ao contrário de todas as outras práticas na casa) e nem há qualquer fonte
externa para o apoiar. Sempre
foi a Escola ou o Festival de Música ou mesmo
algum subsídio por que lutámos a permitirem pagar as despesas do Coro. Houve
quem, sendo supostamente responsável, sempre contrariasse uma posição mais
colaborante do Coro para a sua sustentabilidade. Agora é tudo muito difícil.
Por outro lado, contrariamente ao plasmado nos Estatutos, algumas pessoas
quiseram transformar o Coro num centro de discussão permanente, de
indisciplina, como se estivéssemos na Lisnave, afrontando-se mesmo a direcção.
O que inviabilizou qualquer conversa serena mais atempada no sentido de o Coro,
duma forma ou doutra, ir tratando ele mesmo de ser mais sustentável. Como já
acontece com muitos Coros que ora sobrevivem à crise com menos dificuldades.
Ora, o Coro não é local indicado para estas situações e muito menos para
indisciplina. A instituição tem os seus órgãos próprios de discussão para isso
(mas nunca de afronta), nomeadamente a Assembleia Geral. As reuniões do Coro
devem dizer respeito aos aspectos artísticos e à sua organização e convívio.
Recordo que este mesmo conservadorismo de pacotilha logrou fazer soçobrar
algumas instituições prestigiadas.
A direcção, no pleno uso das suas competências, instituiu agora um
contributo de 10 Euros/mês por coralista, como fora dito em Assembleia Geral e
com informação ao Coro em tempo oportuno, admitindo-se que a pessoas com
dificuldades maiores, a exemplo dos professores das Escolas, pudesse ser aberto
um estatuto de excepção. E está a envidar esforços no sentido de tornar mais
profissionais as vendas dos espectáculos e a promover a interacção
institucional. Esta interacção é transversal, sendo suposto poder melhorar
todos os sectores da casa. Dificilmente se conseguirá assim pagar mais que um
terço das despesas do Coro nos tempos mais próximos. Mas minora-se o sacrifício
e abrem-se novas portas. E assim o Coro não acaba, ao contrário do que está a
acontecer pelo país fora. Manter-se-á por muitos anos.
Obviamente, algumas pessoas saíram do Coro no último mês, quase todas
dizendo não se tratar dos 10 Euros mas por não gostarem da postura do maestro.
Estão no seu pleno direito. Todavia, como explicámos reiteradamente, o
pagamento é indispensável em absoluto para que o Coro se mantenha (mesmo que
este contributo seja um regime temporário). E o maestro, constatámo-lo, é
pessoa respeitada há muitos anos em todos os locais por onde passou e passa.
Trata a todos por igual, o que é muito bom e poucos têm feito, sobretudo quando
querem ter uma claque de apoio. E contratos são contratos! Falámos com ele, foi
sensível a alguns aspectos referidos pelas pessoas, e combinámos que seria
melhor ter uma aproximação mais tolerante em relação aos coralistas. E tudo
está a correr muitíssimo bem a esse respeito.
Não houve oportunidade para se ter uma palavra com cada um destes
coralistas. Venho hoje, por isso, dizer-lhes, particularmente àqueles que
sempre tiveram uma postura muito saudável e um carinho especial quanto à
instituição, e àqueles que dão valor aos valores e à preservação honrada das
memórias, que, pela sua não presença e participação, estão a fazer muita falta
à qualidade e à sociabilidade do Coro. O Coro pode, mercê do seu peso
artístico, dar peso, pela sinergia, à própria instituição como um todo. Daí
todo o esforço (muito grande!) que tem sido feito nos últimos 30 anos e até
hoje no sentido das digressões, da organização de concertos Coro e Orquestra ou
da participação no Festival de Música. A atenção para com o Coro nunca
esmoreceu. Pode-se confundir «esmorecer», como já vi escrito, com intolerância
à indisciplina. Mas quem o fizer está errado! Todos os que prezam a
continuidade da cultura e dos seus instrumentos, com honra e perseverança, lhes
ficarão gratos pelo vosso regresso. Seguramente que todos se sentirão felizes e
com maior auto-estima, se, com o vosso contributo, se puder vencer a crise da
cultura no país (não criada por nós) e dizer a quem de direito «a cultura
sobrevive porque fazemos muito por isso».
Henrique Pinto
Novembro 2012