A anterior adesão ao Euro terá sido um acto solidário para com a reconstrução da Europa, sobretudo a leste, particularmente por parte dos países periféricos, como o nosso. Esta aventura mal congeminada em Bruxelas, arredada dum federalismo para lá do económico, acentua as fragilidades de hoje. A solidariedade dos antes beneficiados não existe, o país está sob resgate financeiro e a tendência recessiva está para durar.
Por entre os ajustamentos das contas públicas nacionais, pouco importa agora se bem ou mal dirimido o processo, o ensino artístico passou a ser tutelado pelo ministério da economia – por anacrónica que tal realidade nos pareça - e sustentado por fundos europeus. Fundos esses que começaram por ser avocados pelas finanças em Abril deste ano, em Portugal, fragilizando-os na aplicabilidade precedente e proactiva, e que ora são passíveis de decrescerem fortemente na própria fonte, a sede da União Europeia.
As Escolas de música e
dança do Orfeão foram das primeiras em regime privado no país. Hoje há mais de
120 instituições similares em Portugal, oitenta das quais têm ensino articulado
em contratualização com o Estado. Todavia, se o ensino articulado significou a
abertura democrática do ensino artístico, e se cresceu quase em espiral quanto
ao número de alunos, dada a inexistência de propinas, o seu panorama está a ser
francamente desvirtuado. Porquanto o Estado não está a honrar os compromissos
assumidos. Nos dois últimos anos lectivos, quando ninguém se queixava por
outras paragens, o Orfeão lutou quase isolado contra os atrasos no
ressarcimento por parte do Estado. Hoje, a casa está numa posição difícil,
porque tem cerca de 80% dos seus alunos em regime articulado. No entanto, está ainda
assim numa posição relativamente cómoda, senão a melhor, em face de todas as
outras escolas do país com idêntico estatuto na articulação com o Estado. A
continuar assim o estado da arte na arte, e nada o parece contrariar, boa parte
dessas instituições fecharão as portas nos próximos meses. É um retrocesso
civilizacional à nossa escala. Mantendo-se a solidez organizativa e pedagógica
do presente, e tudo aponta para aí, nós resistiremos a tal retrocesso!
Quando hoje temos tão
ilustre convidado, o Professor Vasco Negreiros, a fazer a Oração de Sapiência
em torno da descoberta que é o ensino artístico, um caminho seguramente a
escolher no dia a dia pelas nossas escolas, por muitos anos, há um imperioso
acto de justiça a fazer, precisamente neste momento. Trata-se de prestar uma
homenagem muito sentida a todos os nossos colaboradores docentes e não docentes
e a todos os responsáveis, técnicos ou não. Trata-se dum agradecimento sentido.
A relativa tranquilidade com que hoje encaramos o futuro escolar deve-se ao
estoicismo de todos em suportarem compreensivos o que foi o pior período do
incumprimento por parte do Estado, repercutido no calendário dos seus
vencimentos. Em nada os alunos foram prejudicados.
Deve-se ainda a uma boa
gestão do produto escolar, que registou nestes anos um acervo enormíssimo de
realizações artísticas para alunos e familiares, como nenhuma outra escola no
país. Daí a chamada de atenção às famílias de todos os alunos, aproveitem bem
essa oferta de franca qualidade em concertos e espectáculos promovidos pela
casa, a pensar nos vossos filhos. Para muitos é um apelo à paciência, de
esperarem, de saírem de casa a horas em que os média proporcionam outro lazer
porventura atractivo, ou por dessoutros motivos. Um apelo que faço não porque
essa oferta custe caro. Obviamente que custa caro. Apelo-vos assim porque tal
conjunto de realizações será importantíssimo no futuro de todos os actuais
alunos, no dos vossos filhos, espíritos seguramente despertos por este esforço,
pelo papel cientificamente provado aí atribuído à arte, e bem mais capazes de
compreenderem e tornearem a adversidade no devir.
Pois bem, em situação de
incumprimento, também o Estado não poderá de ora em diante ser tão incisivo
para os fautores do ensino privado como nem tampouco o é para si próprio. Sem
abalar o estatuto de acesso democrático ao ensino, terá forçosamente de
permitir às escolas contratualizadas fórmulas de equilíbrio financeiro
assertivas.
No dia de hoje, ainda sob
a radiosa protecção de Santa Cecília, mátria protectora dos artífices da
música, desejo-lhes, pessoal e institucionalmente, as maiores felicidades. A
cada um de vós o bem haja.
Henrique Pinto
24 de Novembro de 2012
(Abertura Solene do Ano Lectivo
no Orfeão de Leiria Conservatório de Artes)
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