O corpo dum indivíduo, tanto quanto (por comparação) o usual
na maioria das estruturas sociais, tem órgãos insubstituíveis para que possa
existir como entidade viva, desde logo o coração, parte do fígado como do
cérebro e dos rins. Todavia, laborem esses órgãos bem ou mal, há duas funções
fisiológicas dependentes do próprio indivíduo (em regra) a determinarem, tanto
como o ambiente, o que cada um vai ter como existência. São elas a respiração e
a alimentação.
Miguel Sousa Tavares discorre na sua última crónica no
Expresso, uma das suas melhores de sempre, sobre um ângulo de olhar singular. Não que tudo seja original
nele, porquanto se repete, e ainda bem. Não que eu próprio não pregue parte
daquele sermão há muitas luas. É um texto importante por fazer saltar à
evidência, não apenas a longevidade dos nossos problemas sociais – aquela
patética viragem com D. Manuel I ou D. João II é determinante e manteve-se até
agora -, mas sobretudo porque não toma por maus apenas quem manda e por bons em
exclusivo os mandados. Admitindo que a qualidade moral dum povo (entidade
mutável), é a variável mais interveniente. Somos o que nos condicionaram a ser
mas somos também no que fazemos e pensamos.
E se a respiração nos pode facilitar o passo como o sono, a
concentração intelectual e a tranquilidade de espírito, os mecanismos
diretamente ligados àquilo que comemos, desde a motilidade e o transporte até à
digestão, secreção e absorção, com um cortejo infindo de enzimas e coenzimas, hormonas,
proteínas e vitaminas transportadoras, receptores, etc., conferem-nos saúde e
doença, esta muito variada e de grau diverso. Passa-se o mesmo com o social.
Há países que há 120 anos tinham fraquíssima riqueza (vejam-se
os filmes de Bergman, por exemplo, a ilustrarem essa época) e já estavam no
grau zero de analfabetismo. São países onde as instituições são merecedoras do
maior respeito (e não me refiro a facciosismos religiosos ou desportivos) e
onde se privilegia a prática privada. Mesmo que eu nada tenha contra a prática
pública. Todavia, num exame que fiz recentemente no estrangeiro um dos
arguentes, holandês, apesar de ter a obrigação de ter estudado bem o currículo,
perguntou-me se tinha trabalhado sempre para o setor público. Afinal, tudo isto
terá ver com a maneira como somos no exercício da cidadania, na forma como, em
termos sociais, respiramos e comemos.
Março 2014
Henrique Pinto