«O Henrique vai ao casino
entrevistar o Omar Shariff», diz-me o diretor. Devo ter empalidecido. Aos
quinze anos já escrevia nos jornais. Mas este osso parecia-me duro de roer, perguntar
o quê a um ídolo!? Cinéfilo jovem, eu adorara as produções épicas, majestáticas,
caldo de representações únicas, como Lawrence da Arábia, Dr. Zhivago ou A Queda
do Império Romano, onde aquele ator egípcio participara. Bom, lá fui ao Estoril,
de bicicleta, decorria alí um certame mundial de Bridge e Shariff, exímio na
arte de jogar as cartas, era um dos participantes. Da entrevista, uns breves minutos
de embevecimento, pouco perdura. Lembro-me apenas ter-me citado o Benfica e o
sol português. Foi depois disso que fiz um escrito sobre a sua vida no futebol
num clube de Alexandria em paralelo com a atividade de Julio Iglésias como
«keeper» do Real Madrid.
Omar Shariff faleceu agora
aos 83 anos, o seu coração estava débil e o Alzheimer retirara-lhe toda a
autonomia.
Eu já estava a meio do meu
curso em Coimbra. O III Congresso da Oposição Democrática decorria em Aveiro. Foi
para lá que seguiu boa parte da estudantada coimbrã no dia do encerramento. Carros
eram poucos os que os tinham. Funcionavam como táxis. Havia controlo de
viaturas em todos os acessos à cidade, desde Cantanhede, Oliveira do Bairro ou
Ovar. Uma voz feminina, aguda e firme fazia vibrar a multidão, dentro e fora do
Teatro Avenida. Era Maria de Jesus Barroso que discursava em nome do marido, então
exilado. Inopinadamente a polícia de choque interrompeu a sessão, perseguindo
cada um dos presentes por cada rua ou beco da cidade, em desenfreada correria.
Eu já conhecia a filha
Isabel, eramos amigos e colegas dos primeiros anos do curso de medicina em Santa
Maria. A deportação do pai para São Tomé pôs-lhe fim ao vivo desejo de, como
boa aluna, vir a ser uma excelente médica, apanágio na família.
Duma ou doutra forma, ao
longo da vida fiquei amigo do casal Soares e sua família, colaborei imenso com
ela, lembro-me de eu e ela termos sido as pessoas convidadas mais escutadas no
Parlamento, a propósito de Àfrica, e ainda hoje tenho por singular o acordo da
Cruz Vermelha Portuguesa com Rotary International que ambos subscrevemos.
Dos muitos panegíricos feitos
nos dias que rodearam a sua morte aos 90 anos, relevo aquele que a toma como
pessoa ímpar extraordinária pela sua vida própria, muito embora fosse a esposa
de Mário Soares. Essa vitalidade física, cívica e intelectual, é e será a sua
marca de água.
A vida é vida, vão-se-nos
os ícones de décadas, e o lado bom está em que possamos preservar o respeito e
a saudade do quanto significaram para nós.
Henrique Pinto
Julho 2015
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