sábado, 11 de julho de 2015

ÍCONES DUMA VIDA

«O Henrique vai ao casino entrevistar o Omar Shariff», diz-me o diretor. Devo ter empalidecido. Aos quinze anos já escrevia nos jornais. Mas este osso parecia-me duro de roer, perguntar o quê a um ídolo!? Cinéfilo jovem, eu adorara as produções épicas, majestáticas, caldo de representações únicas, como Lawrence da Arábia, Dr. Zhivago ou A Queda do Império Romano, onde aquele ator egípcio participara. Bom, lá fui ao Estoril, de bicicleta, decorria alí um certame mundial de Bridge e Shariff, exímio na arte de jogar as cartas, era um dos participantes. Da entrevista, uns breves minutos de embevecimento, pouco perdura. Lembro-me apenas ter-me citado o Benfica e o sol português. Foi depois disso que fiz um escrito sobre a sua vida no futebol num clube de Alexandria em paralelo com a atividade de Julio Iglésias como «keeper» do Real Madrid.
Omar Shariff faleceu agora aos 83 anos, o seu coração estava débil e o Alzheimer retirara-lhe toda a autonomia.
Eu já estava a meio do meu curso em Coimbra. O III Congresso da Oposição Democrática decorria em Aveiro. Foi para lá que seguiu boa parte da estudantada coimbrã no dia do encerramento. Carros eram poucos os que os tinham. Funcionavam como táxis. Havia controlo de viaturas em todos os acessos à cidade, desde Cantanhede, Oliveira do Bairro ou Ovar. Uma voz feminina, aguda e firme fazia vibrar a multidão, dentro e fora do Teatro Avenida. Era Maria de Jesus Barroso que discursava em nome do marido, então exilado. Inopinadamente a polícia de choque interrompeu a sessão, perseguindo cada um dos presentes por cada rua ou beco da cidade, em desenfreada correria.
Eu já conhecia a filha Isabel, eramos amigos e colegas dos primeiros anos do curso de medicina em Santa Maria. A deportação do pai para São Tomé pôs-lhe fim ao vivo desejo de, como boa aluna, vir a ser uma excelente médica, apanágio na família.
Duma ou doutra forma, ao longo da vida fiquei amigo do casal Soares e sua família, colaborei imenso com ela, lembro-me de eu e ela termos sido as pessoas convidadas mais escutadas no Parlamento, a propósito de Àfrica, e ainda hoje tenho por singular o acordo da Cruz Vermelha Portuguesa com Rotary International que ambos subscrevemos.
Dos muitos panegíricos feitos nos dias que rodearam a sua morte aos 90 anos, relevo aquele que a toma como pessoa ímpar extraordinária pela sua vida própria, muito embora fosse a esposa de Mário Soares. Essa vitalidade física, cívica e intelectual, é e será a sua marca de água.

A vida é vida, vão-se-nos os ícones de décadas, e o lado bom está em que possamos preservar o respeito e a saudade do quanto significaram para nós.
Henrique Pinto

Julho 2015

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