sexta-feira, 24 de julho de 2009

INSTRUMENTOS DE PAZ

Brasil em Portugal e no mundo

Gunter Pollack, personalidade tão querida e significativa do movimento Rotário no mundo onde se fala português, esteve agora uma vez mais em Portugal a participar na Assembleia Plenária 2009 das CIP (Comissões inter países), com o seu virtuosismo no manejo da oratória e das ideias.
Representou a CIP-PLOP, que liga o Brasil aos países de língua oficial portuguesa. Mas o significado da sua presença em Portugal esteve muito para além desta circunstância. Em primeiro lugar a CIP-PLOP é um exemplo notável para o mundo e disso deu conta na sua voz tranquila com sibilina objectividade e grande fulgor. O seu relacionamento proactivo com os países de língua portuguesa - e particularmente no alavancar dos projectos promovidos em África - está na linha de intervenção das mais recentes e entusiásticas CIP no mundo, como atesta o Relatório Mundial 2009. Depois, foi uma fonte inesgotável de motivação e de inspiração pela força desse exemplo, tanto na sua intervenção de fundo como na da cerimónia de encerramento do evento.
Esta Assembleia constituiu-se como um momento importante de formação e reflexão, uma abordagem moderna à luz do importante papel das CIP nas práticas futuras de Rotary. Serge Gouteyron, ex vice-presidente de RI, actual Chairman mundial para as CIP, endereçou mensagem a este encontro, salientando particularmente a participação do Brasil.

As CIP em Birmingham

Serge Guteyron e Genaro Cardinale, também ex director de Rotary International (RI), conseguiram que o tema CIP ocupasse um lugar dos de maior destaque na Convenção de Birmingham, Inglaterra, em Junho último, sob o lema «CIP, um Caminho para a Paz». O vice-presidente da Fundação dos Rotários de São Paulo, Nahid Chicani, Carlos Henrique de Carvalho Fróes, director da Revista Brasil Rotário e António Hallage, o actual director brasileiro de RI, reiteraram ali o já feito por mim quanto à importância das CIP para o Brasil no contexto mundial.
Estes dois eventos de escala tão diferente foram igualmente relevantes para todos os Rotários nos dias de hoje, na perspectiva de situar o Rotary dentro de todas as diligências a qualquer nível para a paz no mundo.

Salto exponencial

Em resposta às sequelas da segunda guerra mundial, RI dispõe permanentemente desde 1950 de tão importante instrumento de paz, as CIP (depois de reactivada a Comissão Franco-Alemã, de 1938). Antes mesmo de ser institucionalizada a primeira Bolsa Educacional da Rotary Foundation (em 1947). Têm carácter bilateral e multilateral, como é o caso do Brasil, e o objectivo de fazerem crescer a compreensão internacional entre os povos.
Em 2008 este movimento teve um inusitado e fortíssimo incremento. Em boa parte este salto histórico deveu-se à eficácia da Conferência de Cannes, em França, sobre o tema A Paz é Possível, promovida pelo presidente de RI Wilfred Wilkinson e dedicada exactamente ao papel das CIP neste vultuoso propósito. Na Europa Ocidental e Central, Africa, Médio Oriente, Israel, Continente Americano, Austrália, Ásia, China, Índia e Rússia, foram criadas comissões desta natureza, correspondendo aos desejos dos Rotários e dos seus clubes, de estreitarem laços de amizade entre países, e, sem disso se darem conta, contrariando até alguma lógica neocolonialista das políticas de certos Estados, contribuírem para minorar as ameaças contra a paz, conforme afirmou no Instituto Rotário de Atenas, de Novembro último, a actual Directora de RI, Catherine Noyer Riveau.
Uma directiva do Board de RI a propósito das CIP, de 2007, recomenda o irmanar de novos clubes, o desenvolvimento duma rede internacional de clubes padrinhos e o fortalecimento de intercâmbios amigáveis entre os países, o desencadear de acções de interesse público mundial e o multiplicar de acções de ajuda específicas dos grupos profissionais de Rotary.
Birmingham 2009, tanto na reunião do conselho executivo das CIP, como na sessão especial dedicada a estes órgãos (esta e a sessão da literacia foram das mais participadas neste importantíssimo evento), mostrou-nos que o crescimento actual já é exponencial, superando o ano transacto.

O futuro em Montreal

A vida duma CIP pressupõe a existência duma secção da mesma em cada um dos países a que respeita, que, em primeira instância, tudo fará para fazer crescer o número de clubes de um país irmanados com clube(s) do(s) outro(s) país(es). Um quinto dos Rotary Clubes portugueses tem já o seu clube irmão no Brasil. Eu espero convictamente que os tempos mais próximos tenham uma franca evolução neste panorama.
Na Convenção 2010 de RI em Montreal, no Canadá, vão seguramente formalizar-se muitas outras CIP ora em negociações de formação. No caso português, actualmente com 14 CIP, diligencia-se agora para a extensão à África do Sul, Argentina, Bulgária, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra (reactivação), Grécia, Holanda (reactivação), Japão, Líbano, Suíça, Tunísia, Ucrânia e Venezuela.
Hpinto
(Coordenador das CIP em Portugal)
in Boletim do RC São Paulo, Brasil
Julho/Agosto 2009

terça-feira, 21 de julho de 2009

MÚSICA, COGNIÇÃO E CÉREBRO

Conservatório Sénior no contexto duma grande instituição cultural

O Orfeão de Leiria/Conservatório de Artes (OL CA) é o 11º estabelecimento escolar do país em função do número de alunos (num ranking que inclui Politécnicos e Universidades).
A consciência da necessidade de uma intervenção local e regional efectiva ao nível do empowerment dos cidadãos seniores, suscitou o desenvolver duma nova forma de intervenção específica e de sociabilidade, consubstanciada na criação do Conservatório Sénior (CSOL).

Ao celebrar-se o primeiro aniversário do CSOL, que continua um projecto singular, inovador e com sucesso acima das expectativas iniciais, a direcção do Orfeão de Leiria entendeu organizar um Seminário (8 de Maio, 14 30 - 17 00 horas, no Auditório José Neto do seu edifício principal, em Leiria), que reúna a Medicina, a Sociologia, as Artes, nomeadamente a Música, capaz de produzir reflexões úteis ao nível do científico sobre esta prática e susceptível de contribuir para uma investigação específica mais aprofundada em tão importante valência.
O público-alvo deste Seminário, além dos interessados em geral, engloba o corpo docente e discente da casa e convidados de todas as áreas conexas.

Esta nova valência, o CSOL, nascida no domínio de uma organização cultural do terceiro sector, permite o envolvimento e a acção dos seniores dentro da sociedade civil através das artes. Estimula a participação activa e efectiva dos seniores em actividades de cariz formativo e social.
As actividades envolvem, essencialmente, processos dinâmicos de aprendizagem autocrítica, contextualizados e ajustados à população sénior e eminentemente centrados na prática musical, na dança, no movimento, na tecnologia e na cultura.
No âmbito da melhoria da qualidade de vida dos seniores o CSOL constitui-se como um projecto educativo e formativo, ancorado na participação e na valorização da divulgação cultural. É igualmente um projecto social e de saúde que aspira contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos seniores, assim como para a profilaxia da solidão e do isolamento social.
Para o seu funcionamento o CSOL articula recursos humanos, conhecimentos, experiência pedagógica e artística, espaços e materiais das escolas de música e dança da instituição mãe.
Por outro lado, o conhecimento, a abertura e o envolvimento do Orfeão de Leiria no tecido social, cultural, artístico e educativo da região, coberto pelo reconhecimento nacional e internacional dos seus projectos, além de conferir à instituição o reconhecimento, pelo seu trajecto passado e presente, cria, designadamente para a crescente comunidade sénior do Conservatório, oportunidades variadas de envolvimento, partilha, participação, reflexão e aprendizagem.
É assim viável, mediante um novo modelo de mediação e organização, e de uma proposta de intervenção no domínio da acção pela cultura, pelas artes e especialmente pela música, contribuir para uma resposta promotora de estruturas de empowerment individual e colectivo da população sénior.

O pioneirismo mundial

Não se trata de mais uma das chamadas Universidades Seniores, que nos merecem grande respeito. É um projecto eminentemente profissional e de franca diferenciação na qualificação científica dos seus pressupostos. É também a terceira escola do Projecto OL CA.

Neste contexto é importante distinguir o nível de relação com a música, com a cultura e com as artes privilegiadas no projecto. Trata-se de uma relação que vai muito além da mera contemplação, da escuta passiva, da sensação, da ocupação do tempo ou de um fruir estético reformado e conformado, muitas vezes aliado a uma recepção mais ou menos passiva da relação com a música e com as artes.
A tónica distintiva no CSOL reside no envolvimento através de um nível de participação assente na articulação dos vários interesses pessoais, que permite a aquisição e a partilha de conhecimentos e saberes, valorizando a experiência criativa, crítica, reflexiva e real. A acentuação da importância da aplicação e da valorização das suas capacidades, dos seus desempenhos associados ao fazer, ao tocar, ao cantar, ao interpretar, ao experimentar, ao expressar, ao sentir, permite incorporar junto dos seniores um conjunto de disposições intelectuais, criativas e sociais mais duráveis e sustentáveis.

Uma miríade de estudos internacionais

Exemplos dos impactos que estas actividades desempenham são enunciados pelos vários estudos demonstrativos que ouvir, interpretar e compor música são actividades que envolvem quase todas as áreas do cérebro, bem como quase todos os subsistemas neuronais (Thaut, M. H., 2007). No entanto, os estudos mais marcantes do impacto da prática musical são os realizados sobre a prática (Bangert, M. & Altenmüller, E. O., 2003). A complexidade inerente à sua interpretação, a necessidade de coordenação das mãos em simultâneo, a confluência dos aspectos melódicos, harmónicos e rítmicos, ligados ao desenvolvimento de processos de estimulação integrada dos sentidos, da atenção, da memória e das capacidades cognitivas, tornam a actividade de tocar piano, por exemplo, uma das mais interessantes neste campo, sendo por isso também objecto da oferta formativa do CSOL. Todos podem aprender a tocar piano e a notação musical de modo fácil e descontraído num modelo inovador e pedagogicamente adaptado.
O estudo «Music Making and Wellness Project», cujos resultados foram apresentados por Frederick Tims no simposim Music Medicine: Enhancing Health Through Music, demonstra que a participação dos seniores em aulas de piano reduziu os valores dos três factores críticos associados ao stress – ansiedade, depressão e solidão -, estimulando o sistema imunitário e melhorando a saúde.
Estas medidas são consideradas como tendo implicações em vários aspectos da vida e no apoio social, constituindo um dos principais problemas no envelhecimento.
Um facto interessante é o do não registo de alterações nos resultados do teste Lubben Social Support, que mede o apoio externo dado pela família ou por outras pessoas. Ou seja, a alteração nos valores referentes à sensação de solidão deveu-se essencialmente às aulas de piano, provocando melhorias na saúde e na sensação de bem-estar dos praticantes.
Outros investigadores observaram os benefícios da participação em actividades de prática musical (Schellenberg, E.G., 2003; Gaser, C., & G. Schlaug).

Os ganhos já conseguidos

No CSOL foi possível conceber um novo espaço de acção sociocultural através de uma proposta de valorização do envelhecer com actividades e programação contextualizadas que conduza a melhorias de indicadores sociais, comportamentais, de saúde mental, de saúde em geral e de qualidade de vida. O envolvimento nos desafios intelectuais propostos tem significados individuais e colectivos. Criam-se oportunidades aos seniores de pertencerem e contribuírem como membros activos de um grupo por meio de um convívio salutar, alegre e útil. Porque saber usufruir destes momentos de interacção social e das oportunidades de aprendizagem, expressão, envolvimento, participação e criação musical, cultural e de lazer, mantém e cria interesses, colaborando para que a mente se mantenha activa e saudável.
A investigação nesta área é ainda um dos nossos propósitos. Muito gostaríamos que os participantes deste seminário pudessem vir a usufruir deste laboratório social no futuro imediato.

Porque é vital manter uma vida intelectual, física e socialmente activa!
Porque fazer música é a melhor forma de servir estas necessidades vitais!
Porque fazer música é um caminho para efectuar conexões com a vida!
Porque não basta viver, é preciso viver bem e com qualidade!

Hpinto e Sandrine Milhano
Texto de divulgação do seminário

A ÚLTIMA HISTÓRIA

Nesta década, Leiria e outras cidades e vilas de Portugal evoluíram no urbanismo. Retrocesso e estagnação existem em Setúbal e Cascais. Junta-se o mau gosto pífio à chinesice total.
Dos candidatos autárquicos de Leiria espero disponibilidade intelectual para superarem em muito o já feito. Haverá que concluir infraestruturais rurais (a iniciativa local foi aí determinante), ligar melhor as urbes, apostar em nichos de desenvolvimento como Caranguejeira e, sobretudo, Monte Real. E há todas as condições para enfatizar os ganhos ambientais e na cultura.
Conheci Birmingham quando estudei em Londres. Era um burgo porquíssimo, fumo sufocante e lodo nos canais. Ao navegá-los podia-se ainda lobrigar a nuvem de torres e campanário que inspirou Tolkiem em O Senhor dos Anéis. Hoje está uma urbe apetecível, a seduzir o turista médio, parte do centro renovada por uma arquitectura moderníssima de plena integração urbana, a lembrar algumas cidades japonesas.
Por lá cogitei nos três reptos que muito gostaria pudessem ser aceites pelos meus amigos candidatos a Leiria.
Para a cidade, sempre um rosto virginal, eu exijo o arrojo de Capucho no novo Estoril Sol e de Birmingham do Ring à Filarmonia. O arquitecto dum dos projectos adiados de Centros Comerciais andou por lá a perscrutar, ao que parece pouco inspirado. E se recrie uma arquitectura de referência em estética, qualidade e utilização. Vimos que tal é possível com Isaltino Morais. O factor pessoa pública é-me aqui irrelevante.
O centro histórico, corcel de Vitorino, podia ser o melhor lugar de compras do mundo em vez do mais abandonado. Perdeu-se tempo. Agora é a altura definitiva para o tornar um estandarte do belo, cultural e popular.
O mais difícil destes desafios, absolutamente factível, é virar atractivo turístico. Sem esperar pelos órgãos do Estado. O sucesso pode estar no apanhar o comboio de algumas ideias excelentes de Batalha, Tomar e Óbidos e pugnar por um projecto integrado. Há os parceiros certos nos sectores privado e público – fora com os bloqueadores usuais – e inteligência suficiente para ajudar.
Depois há a música. Um município com tamanha iniciativa e capacidade de impacto nos círculos intelectualizados e nos populares, rurais até, não pode descurar este bem, como maus conselheiros na Região de Turismo fizeram.
Quero uma nova história.
Hpinto
In Região de Leiria
Julho 2009

ENSINO GRATUITO DE MÚSICA E DANÇA POSTO EM CAUSA

Tenho relutância em comentar neste momento qualquer aspecto mais técnico da prática governativa, porquanto, depois das europeias, sobressai a cobardia típica de alguns sectores corporativos da sociedade portuguesa, que aproveitam toda a migalha de fraqueza para se nutrirem.
Mas, ao apoiar-se em agências privadas, à americana, para tratar áreas específicas, mormente no ensino artístico, o governo corre o risco de criar mais desinformação que objectividade. Sobretudo quando estão em campo legítimos interesses das famílias e algumas posturas menos proactivas das direcções escolares e regionais do ministério da educação.
Cumpre-me procurar minimizar efeitos perversos dirigindo-me a todas as partes do processo. Como o fiz junto da senhora ministra Maria de Lurdes Rodrigues.
Os encarregados dos alunos que transitaram para os 5º e 7º anos de escolaridade, interessados em frequentar os cursos básicos de música e dança, devem saber que só poderão fazê-lo gratuitamente se manifestarem o seu interesse na escola ou agrupamento onde se concretizou a sua matrícula e se matricularem o mais rapidamente possível na escola do ensino artístico pretendida.
Em cima das matrículas as regras do jogo foram alteradas. Aos pais e às direcções escolares peço celeridade com compreensão até ao limite. Faça-se trégua na animosidade nas escolas contra o ministério e haja, quer disponibilidade para informar os pais, quer menos rigidez no fazer as novas turmas.
Se levada à letra, a nova regulamentação do ensino artístico viola o direito de acesso universal a este tipo de ensino. A frequência gratuita destes cursos só é possível agora se o número de alunos neles inscritos em cada escola ou agrupamento (que estabeleceram protocolo com uma escola de ensino artístico no ano transacto, ou que o podem fazer agora, no caso da música), for suficiente para a constituição de uma turma, ainda que com um número de alunos inferior ao estabelecido pela legislação em vigor, passível de ser autorizado superiormente.
As escolas do ensino básico, segundo esta legislação “devem aceitar alunos que se matriculem nos cursos básicos e secundários artísticos, independentemente da área geográfica de residência”.
Os pais, dirigentes de bandas e filarmónicas, das escolas do ensino básico, públicas ou não e das escolas de ensino artístico, têm de fazer um esforço acrescido para que todos os alunos potencialmente interessados tenham acesso gratuito ao ensino artístico.
Hpinto
In Diário de Leiria
Julho 2009

quarta-feira, 15 de julho de 2009

NO UNIVERSO TANGÍVEL DA FELICIDADE

As crianças do mundo e a guerra às guerras

Em nome do Presidente de Rotary International Dong Kurn Lee, e de sua esposa Young, a quem eu e a Maria da Graça temos o imenso gosto de representar nesta importante Conferência Rotária, que, como ontem salientei, é de todos vós e a um só tempo de todo o mundo, saudamo-los viva e carinhosamente.
Ontem, na reunião da Comissão do Distrito, tive oportunidade de, em nome do nosso presidente de RI vos falar dos princípios e dos seus porquês, nesta organização centenária mas vivíssima.
Quis o Presidente D K Lee, que nesta conferência fossemos portadores da mensagem que o inspirou e é o esteio do seu mandato – o apelo a que os Rotários concentrem os seus esforços nas crianças, tendo em vista reduzirem-se as alarmantes taxas de mortalidade infantil no mundo –, e que o façam sobremaneira no âmbito da prática internacionalista, essência dos Clubes Rotários. O que farei hoje aqui.
Ghandi disse-nos um dia: «se estamos dispostos a ensinar a paz real no mundo, e se estamos empenhados numa guerra real contra as guerras, deveríamos começar com as crianças».

As ideias sobre a Europa

Assim enquadrado, o que pode parecer dogma a alguns espíritos irrequietos, ainda que nem sempre tão produtivos como seres sociais quanto a sua irrequietude faria esperar – a atenção às crianças como um princípio da moral, da ética e da cultura -, é uma componente axiomática da modernidade, quando esta estugou o passo muito para cá da revolução industrial. Quando o trabalho infantil minguou na Europa. E, exactamente porque estamos na Europa, é precisamente a cultura e a sua expressão em termos de unidade na diversidade que nos candidata à esperança, quando pensamos no seu futuro enquanto região social e económica. As grandes ideias humanistas, a cultura europeia, de Goeth a Thomas Mann, são património do esprit européen (espírito europeu) sobrevivente ao holocausto, da ideia de Europa. O mundo da cultura, ele próprio bem vulnerável, tem uma importância vital para a qualidade da vida humana. Lembremo-nos de Espinoza quando clamou «todas as coisas excelentes são tão difíceis quanto raras».
O Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso lembra de George Steiner que «não é surpreendente que considere a matemática, juntamente com o pensamento e a música, uma das três actividades que definem e dignificam homens e mulheres».
Ao colocar como tema central da sua Conferência «Cultures et Technologies: redéfinir le Progrès. Quelle place pour l’Europe dans un monde en mutation?» (Culturas e Tecnologias: redefinir o Progrésso. Que lugar para a Europa num mundo em mutação?), o Governador André Mesne, numa postura inteligente, pragmática e assaz subtil, poderá ter querido lançar-nos um desafio importantíssimo. O palco de Rotary é o mundo. Mas somos Rotários europeus. «Ao confrontarmo-nos com a pujança de outros continentes ou das novas economias emergentes», como diz Durão Barroso prefaciando Steiner, «vemos que neste território ao fim e ao cabo relativamente pequeno que é a Europa encontramos recursos densamente distribuídos de inteligência, de sensibilidade, de memória, de imaginação e de criatividade. E até o pessimismo melancólico – tão típico de tantos intelectuais europeus – revela um espírito crítico e autocrítico que a Europa deveria provavelmente exportar em maior quantidade para sua vantagem e seguramente de outros».
Poderemos instrumentalizar este imenso capital de cultura, que nos embebe enquanto espaço cultural, para, fruindo o privilégio de sermos Rotários, melhor servirmos as comunidades de cidadãos europeus e do mundo, carentes do nosso apoio? A meu ver a resposta estará sempre num rotundo sim. Sem confundir a paisagem com a natureza! E podemos servir-nos da bela metáfora de Steiner, a do mapa dos cafés como marcador essencial da «ideia de Europa», para responder a uma questão por ele próprio lançada, porquanto mesmo o mais abstracto tem de se ancorar na realidade, na substância das coisas. Pergunta ele: «como é que isto se aplica à ideia de Europa?». E logo alvitra: «A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Fernando Pessoa, em Lisboa» – e podemos nós acrescentar o Greco, de Roma, poiso de Baudelaire, Wagner, Bizet, Gounod, ou até o Deux Magots, de Hemingway, em Saint Germain des Prés -, «aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhaga, onde Kierkgaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo».

Está nas nossas mãos tornar os sonhos reais

Estribados neste pressuposto podemos aderir com igual crença e energia ao repto que estrutura a exaltante mensagem do Presidente D K Lee, porventura conhecida da maior parte de vós. Sabeis quanto é necessário enfatizá-la, dada a franca pertinência imanente, até que a voz nos doa.
«Ao fazerem o planeamento nos vossos clubes e cada um de vós por si mesmo, pode Nourrir leurs Rêves este ano», diz-nos o presidente de RI. «Peço-vos que considerem os milhões de crianças que nunca tiveram a hipótese de sonhar. Em cada dia que passa mais de 26000 crianças morrem antes de atingirem os cinco anos de idade, devido a causas evitáveis. Tão apavorante como estes números o são foi a descida dos 30000, que primeiro suscitou a minha atenção e me estimulou a trazer aos Rotários este assunto tão grave e preocupante».
«O relatório do Estado das Crianças do Mundo em 2008, do UNICEF, atesta que no ano 2006, o mais recente para o qual estão disponíveis estimativas firmes, o número anual global de crianças mortas caiu de 10 para 9,7 milhões, pela primeira vez desde que os registos começaram. Eu gostaria de acreditar que tal melhoria na taxa de sobrevivência das crianças pode ser directamente atribuída aos projectos de Rotary que até agora têm sido sucessivamente dirigidos a problemas relacionados com a saúde, fome, água e literacia, há já um bom número de anos. Por isso perguntei a mim mesmo: O que aconteceria se 1,2 milhões de Rotários dirigissem os seus esforços de servir ao manter ainda mais crianças vivas?»
«Eu penso que já conhecemos algumas das respostas. Se os Rotários providenciarem leitos mosquiteiro, tratados com insecticida, menos crianças sucumbirão à malária. Se escavarmos ou drenarmos poços e tratarmos os problemas sanitários, mais crianças terão água potável para beber, em ambientes mais higiénicos. E se os Clubes Rotários tiverem projectos efectivos de nutrição, podemos salvar algumas das quase cinco milhões de crianças que morrem em cada ano de subnutrição».
«O UNICEF estima que praticamente dois terços dos 9,7 milhões de mortes em 2006, ou seja, próximo dos 6 milhões, eram preveníveis. Com os Rotários trabalhando para fornecerem vacinas, terapias de hidratação oral, cuidados de saúde acessíveis às mães e recém-nascidos, e outras intervenções relativamente simples, estou confiante que muitos mais bebés não só sobreviverão, como irão viver vidas saudavelmente produtivas. Vamos Realizar os Sonhos dando a estas crianças a oportunidade de crescerem e terem os seus próprios sonhos».
É um objectivo difícil, sim. Mas será intangível?
Pois não basta que nos lamentemos na porfia de mais diagnósticos, que já sobram. «É necessária continuidade e persistência tanto no apoio estrutural do desenvolvimento sustentado, quanto na proximidade dos problemas. Se o pequeno Jean Luc sobrevive ao sarampo apenas para sucumbir mais tarde a uma diarreia de origem hídrica, a febre tifóide, então, seguramente, todo o esforço resultou numa perda irreparável.

O menino da Serra Leoa e a força para a liberdade e a democracia

A alfabetização, ou a sua cobertura mais ampla, a literacia (ou melhor dizendo, a sua ausência), está no cerne dos problemas mais sérios da Humanidade, e, com particular acuidade, da mortalidade infantil. Mas, como a pobreza (ainda que em maior ou menor grau), faz-se sentir por todo o lado.
Na última Conferência Regional da UNESCO sobre Desafios da Literacia na Europa, que decorreu em Baku, no Azerbaijão, há um ano, Rotary fez-se representar em termos de topo pelo director Örsçelik Balkan. Aí se viu que o maior desafio dos europeus neste domínio é a elevada proporção de pessoas sem as necessárias aptidões de literacia requeridas para a participação social e económica plena. De acordo com a Comissão Europeia, cerca de 72 milhões de trabalhadores europeus, à volta dum terço da força de trabalho no continente, têm baixas aptidões. Um estudo da OCDE de 2006 estima que 6% dos jovens europeus com 15 anos de idade dos países da União Europeia, tem séria dificuldade em compreender o significado dum texto curto. Como também uma alta percentagem de adultos não consegue descodificar um jornal. Uma sociedade literata não significa que tenha altas taxas de literacia. Aliás, os limites deste conceito até estão a mudar. Também ler e contar são modesta exigência do passado mesmo que sendo ainda enganadora miragem em boa parte do mundo. As tecnologias da informação têm criado novas formas de linguagem. A literacia deve acompanhar o passo da capacidade para aceder, gerir e integrar conhecimento. Deve ser encarada como a fonte do conhecimento no futuro, dum grau mais alto de desenvolvimento, duma força para a liberdade e a democracia, como uma determinante major do desenvolvimento económico e do emprego, ou como uma ampla porta de ouro para a paz. Basta um ligeiro aumento dos níveis de literacia e existem logo implicações no minorar da descriminação social e económica.
Mas um menino da Serra Leoa ou da Somália que saiba ler e escrever é um empecilho à tirania.

«Reach out to Africa» é uma postura de paz

Rotary International, a maior organização laica de voluntários na terra, pela paz e a compreensão, com o seu último programa global Reach out to Africa, ainda incipiente, está a sensibilizar o mundo, para um redireccionar do grosso dos apoios, recursos e projectos dos clubes Rotários, para grandes empreendimentos solidários neste continente, no âmbito da literacia, da saúde, do abastecimento em água potável, na redução da mortalidade infantil, na minoração da fome e do desemprego. Procura ainda desenvolver parcerias entre Rotary Clubs em África, Rotary Clubs em outros países e organizações internacionais interessadas no serviço humanitário. Aqui se inclui o papel da advocacia especial desta causa para países que partilham uma língua ou laços estreitos com África, como sucede com a França. Providencia orientação nos programas de Rotary International e da Rotary Foundation para Rotary Clubs em África. Estimula a comunicação e melhor compreensão entre Rotários de diferentes nações, religiões, crenças, culturas e comunidades, dado que trabalham juntos. Promove os valores intemporais de Rotary e procura desenvolver o Quadro Social dos clubes africanos, muito baixo, porque são necessários mais braços em tão sábio empreendimento.
Reach Out to Africa é uma postura de paz.

Um escol de líderes potenciais

Os bolseiros de Rotary International pela Paz Mundial são líderes que promovem a paz, a cooperação nacional e internacional e a resolução de conflitos, nas suas vidas e carreiras pessoais e em actividades de prestação de serviços. Os participantes podem fazer mestrados em relações internacionais, administração pública, desenvolvimento sustentável, estudos da paz e resolução de conflitos ou em campos afins, ou ainda receber um certificado de aperfeiçoamento profissional em Paz e Resolução de Conflitos.
É um fabuloso trajecto organizativo de longo curso que bem merece todas as réplicas possíveis.
Todos os anos Rotary concede até 110 Bolsas pela Paz Mundial (60 diplomas de mestrado e 50 certificados de aperfeiçoamento profissional), através de concurso mundial. Os cursos são oferecidos em sete Centros Rotary que operam em parceria com oito proeminentes universidades do mundo inteiro.
Os bolseiros são jovens originários de diferentes países e culturas, seleccionados através dos clubes Rotários com base no seu potencial para se tornarem líderes nas suas áreas de actuação.
Como representante da organização Peace Winds Japan, Miho Kishitani poderia ter escolhido trabalhar em qualquer parte do mundo onde haja um conflito. «Eu quis ir para o médio oriente», diz Kishitani, ex bolseira Rotary pela Paz Mundial. «Queria ganhar experiência prática para entender como surgem os conflitos. Escolhi a região mais problemática, o norte do Iraque». Porém, não é a primeira vez que Kishitani trabalha pelo Iraque. Entre 2000 e 2003 foi a representante do Japão na zona curda, à frente de projectos assistenciais da missão de Peace Winds Japan. Hoje Kishitani administra e coordena programas de reconstrução no país voltados para a educação, assistência social, saúde, recursos hídricos e saneamento. Da sua base em Amã, na Jordânia, dirige dois escritórios, 80 funcionários e um orçamento de US$4 milhões. «É fácil falar de paz em Nova Iorque ou Tóquio», onde não há conflitos bélicos, explica Kishitani. Ela acredita que para se alcançar a paz, funcionários de organizações não-governamentais e líderes mundiais precisam de estar «onde as pessoas sofrem». Em qualquer local onde prevaleça a dor não existe paz. «Os problemas no Iraque são de origem geopolítica, religiosa e étnica», explica. «Os conhecimentos sobre resolução de conflitos estão a ajudar-me a ler o mapa político da região, para que os meus programas sejam tão eficazes quanto possível».
Em Abril de 2008 o presidente de RI Wilfrid Wilkinson, liderou em Windsor, no Canadá, a última conferência pela paz do seu mandato. Robert Kennedy Jr., nomeado pela revista Time um dos «heróis do planeta», foi o principal orador no evento. Kennedy lembrou que «precisamos proteger o meio ambiente se quisermos alcançar paz e justiça. Os sistemas de valores que unem a humanidade estão fundamentados na natureza».
«O facto de esta conferência ser realizada na mais longa fronteira aberta entre dois países é o maior testemunho de que A Paz é Possível», afirmou Wilkinson, para depois enfatizar que a paz mundial está no cerne das preocupações dos programas educacionais e humanitários de Rotary. «Essas são as questões que geram paz ou guerra», explicou. «Quando solucionamos esses problemas, estamos directamente criando paz e estabilidade».
Mas os obstáculos ao lograr a paz são muitos e diversos. «Dizemos que a paz é possível, mas devemos saber que não será almejada facilmente», alertou Allan Rock, ex embaixador do Canadá nas Nações Unidas, ao discutir diferentes factores que ameaçam a paz, como a proliferação de armas nucleares, a instabilidade no médio oriente, terrorismo, aquecimento global, governos não preparados e os muitos problemas de ordem económica, social e política que afectam os países e particularmente a África. Ressaltou ainda o facto de Rotary estar a fazer a sua parte na preparação dos jovens como a próxima geração de líderes a dirimir tais desafios, nomeadamente através das iniciativas voltadas para a paz como os Centros Rotary de Estudos Internacionais e o Programa Rotary para Estudos sobre Paz e Resolução de Conflitos. Lee-Anne Mulholland, advogada de Belfast, Irlanda do Norte, que se formou no programa em 2006 pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, actualmente a trabalhar numa firma de advocacia internacional em casos de violação de direitos humanos, rematou: «Hoje não existe nada no mundo como os Centros Rotary».
São afinal muitos os instrumentos que os Rotários podem usufruir e manejar para trabalharem pela paz.

O avanço dos valores humanistas civilizacionais

Rotary dispõe desde 1950, como resposta às sequelas da segunda guerra mundial, de um importante instrumento de paz, as CIP, Comissões Inter Países, com carácter bilateral e multilateral, como é o caso do Brasil, com o objectivo de fazer crescer a compreensão internacional entre os povos. A prevista inclusão no programa desta Conferência de Nevers duma intervenção da CIP França – Líbano, revela a atenção do Distrito 1750 a este ícone Rotário tão nobre. A França, iniciadora do processo com o Acordo franco – alemão de 1938, tem uma tradição importante neste campo que não pode nem deve abrandar. O chairman do conselho executivo das CIP em RI, meu bom amigo Serge Gouteyron, diz-nos tratar-se do «programa mais antigo de Rotary para promover a paz». Chama-lhe «garantia de avanço dos valores humanistas civilizacionais».
Este programa/movimento teve em 2008 um inusitado e fortíssimo incremento. Na Europa Ocidental e Central, África, Médio Oriente, Israel, Continente Americano, Austrália, Ásia, China, Índia e Rússia, foram criadas Comissões desta natureza, correspondendo aos desejos dos Rotários e dos seus clubes em estreitarem laços de amizade entre países, e, sem disso se darem conta, contrariando mesmo alguma lógica neocolonialista das políticas de certos Estados, contribuírem para minorar as ameaças contra a paz, conforme afirmou no Instituto Rotário de Atenas, de Novembro último, a Directora de RI, minha querida colega e amiga Catherine Noyer Riveau.
Uma directiva do Board de RI de 2007 recomenda o irmanar de novos clubes, o desenvolvimento duma rede internacional de clubes padrinhos e o fortalecimento de intercâmbios amigáveis entre os países, o desencadear de acções de interesse público mundial e o multiplicar de acções de ajuda específicas dos grupos profissionais.
É útil reflectir alguns testemunhos de destaque na Conferência de Cannes sobre o tema A Paz é Possível, promovida igualmente por Wilkinson um mês antes da de Windsor e dedicada exactamente ao papel das CIP neste vultuoso propósito.
Bruno van Megen, presidente da CIP Alemanha-Nigéria, salientou: «os resultados obtidos pela CIP na Nigéria foram tremendos, sobretudo quanto ao comprometimento do governo do país e dos líderes tradicionais, esposas, etc., em planeamento familiar, sobre o perigo do HIV/SIDA e no que respeita às necessidades em cuidados de saúde de qualidade».
O coordenador nacional das CIP em Itália, Gianni Jandolo, falou-nos de CIP e reconciliação. «O rotarismo de Itália e Chipre vence onde os políticos falham. Fruímos um processo de longo alcance com a reconciliação Rotária em Chipre. Durante anos foram desenvolvidas relações multipolares e contribuiu-se para a criação de dois clubes no norte da ilha, que são agora parte da família de Rotary».
Para Rona Ozgur, presidente da CIP Turquia-Itália, o papel desta organização no processo de alfabetização CLE, Concentrated Language Encounter, ou Método Farol, foi assaz notável. Diz ela que «nas horas que se seguiram ao sismo de 1993 em Kocachi e Istambul, recebemos muitos telefonemas de todo o mundo e um apoio tremendo dos nossos amigos em Itália e no resto da Europa. Desde então, e com a ajuda da CIP, estamos a levar a cabo projectos para reduzir a literacia entre as mulheres turcas». Este programa turco, tal como em Los Angeles no ano passado, é apresentado agora por minha proposta na Convenção Rotária de Birmingham, como um Trabalho Rotário Modelo.
Os ex bolseiros de Rotary em Paz e Resolução de Conflitos também estiveram muito activos em Cannes. Eis as dúvidas de Arnoldas Pranckevǐcius, da Lituânia: «Qual é a nossa visão do futuro do planeta? Um mundo onde as leis internacionais prevaleçam? Um mundo definido pelo desenvolvimento sustentável ou um mundo onde as civilizações colidam? Estes são os desafios que Rotary pode encontrar». Já a vossa conterrânea Helene Carvallo é mais assertiva. «Eu escrevi o meu paper sobre direitos das mulheres em Direito Internacional e na Sharia, o principal corpo da Lei Islâmica religiosa. Direitos Humanos é a questão que eu quero trabalhar quando me juntar a uma firma de Nova Iorque especializada na protecção das mulheres e minorias».
Seja qual for a peça da imensa panóplia instrumental de Rotary International, utilizada de acordo com o contexto, para pugnar pela paz, ela mergulha nesse caldo aromático e vaporoso que é a cultura, porventura mais eficaz ainda enquanto fermento que a célebre e divertida poção mágica dos heróis da Banda desenhada, Asterix e Obelix.

A identidade cultural contemporâneaConceber uma

O reler Savater, que cito, e a importância da relação Rotary/cultura e alguns dos seus múltiplos fautores, faz-me rogar por um pouco mais da vossa atenção.
Na história das letras universais aparecem de vez em quando os criadores dum novo estilo literário, os impulsionadores dum outro gosto ou duma poética distinta, que depois tem numerosos seguidores e ainda cultivadores que superam o iniciador. Mas muito mais insólito é que alguém invente um novo tipo de homem de letras. Baudelaire talvez tenha criado a patente de um certo tipo de poeta, extravagante, boémio e maldito. A obra-mestra de Voltaire foi a invenção do intelectual moderno, de meias com Inácio de Loyola, um ofício que tem algo de agitador, bastante do profeta e não pouco do director espiritual, polémico, mundano, oportunista nos detalhes mas fiel aos princípios, educador acima de tudo. Esta criatura suspeita mas venerada atingiu o auge do seu prestígio há pouco mais de cem anos, com o caso Dreyfus e o J’accuse de Émile Zola. Manteve depois o seu apogeu por três quartos do século XX, apoiando-se em figuras como Romain Rolland, Bertrand Russel e Sartre. O desenvolvimento da imprensa, a generalização do correio e os investimentos de capital privado em empresas editoriais durante o século XVIII, tiveram muito a ver com a invenção voltairiana. É lógico que as novas auto estradas da informação propiciem o aparecimento do seu sucessor. Estamos à espera do Voltaire do Fax, do E mail e do CD-ROM… Em qualquer caso, a figura do intelectual tal como até agora o conhecemos – Savater é aqui assaz pragmático -, teve uma importância crucial no forjar do melhor da identidade cultural contemporânea. Mas acima de tudo, com o seu estímulo «vamos, agora tu…atreve-te!», «fiai-vos no vosso próprio raciocínio, substituí sempre pelo concreto, pelo definido, as afirmações indecisas ou gerais!», a empurrar-nos para a opinião correcta sem nos dar a solução, adversário firme dos obstáculos à verdade, Voltaire é ainda uma inesgotável fonte de inspiração para os Rotários no Servir.

Conceber uma visão do futuro

É ainda curioso constatar quando aqui ou ali se ouve um Rotário citar, por desconhecimento, a dita «obrigatoriedade» dos pagamentos à Rotary Foundation, quando afinal esta organização suporte de RI – propiciadora da obra planetária do movimento -, apenas vive das contribuições voluntárias dos Rotários, todas elas importantes.
Com o seu Plano da Visão de Futuro – a cuja participação experimental dos clubes e distritos agora apela -, ambos têm maiores possibilidades de realizar uma variedade de projectos humanitários e educacionais, local ou internacionalmente. Por isso vos reitero o incentivo dessa adesão, só por si um passo em frente na nossa estrutura planetária.
Uma dose forte desse esforço em prol dum mundo mais são por parte da Fundação Rotária está exactamente na porfia pela Erradicação da Poliomielite, o objectivo do Programa PolioPlus.
É, seguramente, um dos maiores sucessos da humanidade.
A meio de 2008, o esforço intensificado confirmou a factibilidade técnica da erradicação da poliomielite através da interrupção da transmissão do vírus endémico tipo 1 da pólio, em Uttar Pradesh, na Índia, onde tal nunca tinha sido conseguido – o vírus selvagem tipo II já não é observável desde 1999 -, dissipando-se assim as dúvidas dos mais cépticos. Os desafios que restam à erradicação da doença são meramente operacionais: assegurar que toda a criança é vacinada nas áreas infectadas da Nigéria, Paquistão e Afeganistão. O sucesso desta obra está agora na rápida erradicação da pólio nestas quatro áreas do globo.
Mas a Obra não está ainda terminada. Para bem de todas as crianças do mundo temos o dever de a terminar.
A Força Tarefa de RI e seus parceiros para advogar a erradicação da pólio, teve como resultado até à data mais de US$4,1 biliões em apoios específicos dos governos.
À altura em que o mundo for certificado como livre da pólio as contribuições dos Rotários terão excedido US$1,2 biliões.
Desde 1988, começo da Iniciativa Global da Pólio, 5 milhões de pessoas, que de outro modo teriam ficado paralíticas, continuarão a andar porque foram imunizadas. Como resultado deste esforço de RI e da sua Fundação e o dos nossos parceiros, mais de 2 biliões de crianças receberam vacina oral da pólio (com o complemento de Vitamina A). Como parte do esforço global de erradicação, só em 2007 foram vacinadas mais de 400 milhões de crianças em 27 países. Desde esse ano os membros da Iniciativa Global da Pólio desenvolveram esforços extraordinários, desde um diálogo sustentado com chefes de estado e governos e a aplicação em larga escala de novas ferramentas (a nova vacina oral da pólio, monovalente, protege as crianças 2 vezes mais depressa que a sua antecessora), até ao desenho de novas tácticas para este desafio único, em cada um dos 4 países endémicos. Uma criança pode agora ser protegida contra a pólio por apenas 60 cêntimos do dólar.
Estar activo em Rotary é ter orgulho nesta Obra. É estar no universo tangível da Felicidade. Muitos pensam que a felicidade só é possível depois de se alcançar algo, mas a verdade é que protelar a felicidade é uma forma de ser infeliz. Vamos pois Realizar os sonhos em Rotary.

Maison de la Culture de Nevers, 4 de Abril de 2009
Conferência do Distrito 1750 Bourgogne – Champagne

Hpinto
(Em representação do presidente de RI, Dong Kurn Lee)


AGUARELA LÚGUBRE

O actual governo de Portugal sempre fez questão nas obras estruturantes. Projectos que todas as oposições contestaram, seguramente por razões não muito diferentes entre si.
Em Portugal, num quadro de economia frágil há décadas, o desemprego assumiu cifras informes quando o mundo estalou. Os governos menos neoconservadores e mesmo os que mais fizeram para suster o abalo, foram por isso penalizados nas eleições. O problema do governar à esquerda ou à direita, algo que tresanda ao mofo das quezílias de Argel, agudizou-se também.
Mudados os tempos o executivo faz marcha à ré nos propósitos. E todas as oposições se ergueram contra este recuo. Um tema propício à demagogia faz sempre falta na disputa do voto.
Nenhuma formação política aceita de bom grado mudar o sistema eleitoral corporativista. O que pouco abona a seu favor.
A informação está cada vez mais tablóide. Direcciona-se para um público iliterato.
A última Conferência Regional da UNESCO, que decorreu em Baku, no Azerbaijão, teve por base os Desafios da Literacia na Europa. Viu-se que o maior desafio dos europeus neste domínio é a elevada proporção de pessoas sem as necessárias aptidões de literacia requeridas para a participação social e económica plena. De acordo com a Comissão Europeia, cerca de 72 milhões de trabalhadores europeus, à volta dum terço da força de trabalho no continente, têm baixas aptidões. Um estudo da OCDE de 2006 estima que 6% dos jovens europeus com 15 anos de idade, dos países da União, têm séria dificuldade em compreender o significado dum texto curto. Uma alta percentagem de adultos com escolaridade não consegue descodificar um jornal.
A literacia deve acompanhar a capacidade para aceder, gerir e integrar conhecimento. Deve ser encarada como a fonte do conhecimento no futuro, dum grau mais alto de desenvolvimento, duma força para a liberdade e a democracia, como determinante major do desenvolvimento e do emprego. Basta um ligeiro aumento dos níveis de literacia e existem logo implicações no minorar da descriminação social e económica.
Quando citei estes dados cruéis em França o presidente da Academia das Tecnologias, François Guinot, retorquiu-me que eles eram até bastante optimistas.
Em 1974 introduziram-se no ensino básico modelos de aprendizagem pelo abstracto, que perduraram. Todavia, sabe-se que a criança normal só absorverá esta linguagem conceptual pelos dez anos. Trinta e tal anos depois a mesma inspiração política debilita irremediavelmente uma tentativa, ainda que mal amanhada, de avaliação da docência. O dolo persiste.
Mau grado esta aguarela lúgubre impressiona positivamente o querer dos portugueses que acorrem às urnas.
Hpinto

in Diário de Leiria
10 de Julho 2009