Um simples acaso, uma
referência de Alice Vieira no FB, atraiu-me para um documentário escorreito e
interessantíssimo na RTP 2 feito por António Pedro Vasconcelos, sobre o
escritor José Rentes de Carvalho. Não li coisa alguma da sua Obra. Quem sabe se
por isso mesmo mais fascinado fiquei com a oralidade fluente e sábia sobre a
espiritualidade portuguesa, esta dramaticidade ímpar ainda prevalente feita de
rústico e ignorância, de esperteza saloia. Uns tontos aparecem sempre quando
menos se espera com as suas propostas desestruturantes, quantas vezes eivadas
de oportunismo. Quase todos se julgam donos de alguém. São enganados mas
mantém-se
fieis. Também nos corpos de polícia uns se têm por superiores a outros.
Acontece o mesmo nas magistraturas. Depois, estas querem ter ascendente sobre
aqueles. E the show must go on,
dir-se-ia em Hollywood. Uns tantos, num
gradiente mais intenso por relação a outros, entendem a preservação do seu
currículo como dependente do espetáculo. Há sempre alguém a fazer-nos crer na
prevenção como resultante de atitudes punitivas ou de práticas descontínuas.
Poucos são aqueles a entendê-la como consequência de exemplo e persistência. Ter-se-á
lobrigado evidência científica nas Operações Páscoa ou Natal como tendo qualquer
papel na redução da sinistralidade rodoviária? Não só não existem quaisquer provas
válidas disso, pelo menos no
referente aos portugueses, como só tal poderia
afirmar exatamente quem não os conhece. E no entanto aí temos homens
seguramente bem intencionados a multar a jusante da ratoeira que há muito
perdura por incompetência do Estado. Quem em seu juízo pode pensar noutra coisa
que não a caça à multa operada de modo furtivo? Os comandos gravam os seus
diretos para as televisões, convencidos. E tais operações renderão às corporações
algum capital político em negociações posteriores.
Um quarto de milhar de 250
doentes com cancro esperam pela libertação de verbas para as respetivas
cirurgias urgentes. Ninguém se incomoda. Num quadro assim, ante o féretro
anunciado, todos os poderes cantam louvaminhas ao serviço público de saúde. Vai
a enterrar o que de melhor o país produziu, num cortejo integrado pelas
camorras urbanas da saúde, última medalha para o liberalismo económico. Exatamente
quando por todo o lado se exaltam as virtudes do feito por aqui (e se recriam
quadros
semelhantes) como uma esperança para o humanismo global. E que fazem os
lusos neste entretanto? Comprazem-se na mentira sobre putativos presidenciais
imbuídos pelo atávico não orgânico, veem no cinismo ridente dum político o ar
benquisto da sua praxis, abominam o povo sempre insurgente desde há muitos
milénios, inconformado, sofredor, humilhado e logo altivo, o admirável povo
grego (evoca-o assim Churchill), como um potencial inimigo, logo desprezível. É
um espírito a preto e branco, teatral, sem nuances.
Henrique Pinto
Abril 2015
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