quarta-feira, 10 de agosto de 2016

O ATRASO

Adalberto Campos Fernandes
Roubada a casa ponham-se trancas à porta! Este será o sentido de muitas opiniões ouvidas nos media, umas demagógicas outras com seriedade. Ouvi o relato na primeira pessoa de dois doutorados sobre Fogo posto e fiquei muito impressionado. A sabedoria a bem de todos é um bem a preservar a todo o custo. Todavia, a manha e a mentira para manter ou voltar ao poder, não deixando de augurar catástrofes a todas as decisões do opositor, é um péssimo e mau exemplo em que o país jamais deveria voltar a incorrer.

Todavia, este quadro mental explica o atraso significativo com que continuamos a deparar no país.
Fogo, matas, incendiários, leis duras, falta de meios, desolação eis os termos que encorpam o discurso do presente.
Devíamos antes falar de discursos do discurso e de atrasos do atraso. Pois se mudarmos de matéria, talvez com exceção do Euro futebolístico (e mesmo assim…), arriscamos encontrar um espetro semelhante.
Já o meu professor de Química Fisiológica, meu conterrâneo Gomes da Costa, gostava de usar a expressão «açúcar, o carvão animal». E diziam que era maluco. O professor Gonçalves Ferreira, o pai da Nutrição Clínica em Portugal, usava a mesma expressão. O Ciclo de Krebs, paradigma da bioquímica, atesta à exuberância o papel dos Hidratos de Carbono (HC) como o motor do nosso corpo. Ora tal representação do metabolismo não sofreu qualquer modificação quanto a tal asserção por parte de qualquer investigador qualificado no planeta.
O mais frequente é ver quem recomende a abolição total dos HC como nutrientes. Isto é um frequentíssimo e redondo disparate.
Nos tempos mais próximos ganhou foros de grande negócio a venda de produtos nutrientes confecionados com base nesta treta. A última suposta novidade a tal respeito está a invadir o país. Chama-se Dieta dos Três Passos (D3). Esta, além de restritiva em absoluto (à Tallon!), faz até gala num suposto paradigma, falso, o das gorduras como fornecedor de energia de eleição para o organismo humano. Não existe coisa alguma no mundo de provável suporte científico duma tal asserção. Ah, claro, aquelas coisas que lemos na Internet! E as oportunidades de negócio.
Tomei conhecimento de haver por aí quem se intitule fazer Nutrição Clínica, a 7 Euros por consulta, imagine-se, e desviar a consulta para aquela D3 e a consequente venda dos produtos inerentes? É um pouco o sucedido com Herbalife, dos negócios mais chorudos do mundo, entre outros do género. Como é possível haver a desfaçatez de trabalhar com base em pressupostos tão diametralmente opostos? E em boa dose são pessoas licenciadas por Escolas superiores em Portugal.
Meus queridos amigos Diretor Geral da Saúde Francisco George, Subdiretora Geral Graça Freitas, e Ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, estou cansado de falar sobre isto e até me tenho coibido de o fazer. Mas se queremos os portugueses saudáveis temos de meter a mão nesta massa. O universo de embustes sobre Nutrição em Portugal quase supera o da orbita solar. Os prejuízos financeiros em tratamentos e medicação inútil devem andar de par com os dos fogos.
Que ganha o país com a improfícua exigência de recibo com número das finanças aos vendedores de Bolas de Berlim nas praias do Algarve? Alguém imagina o efeito do lobby hoteleiro sobre as autoridades? Quem acredita na eficácia para a receita fiscal das exigências burocráticas e persecutórias, por banda do aparelho oficial do turismo, sobre as nazarenas que alugam «chambres»? É nisto que ocupam tempo e saber.
Confesso, a desproporcionalidade de todas estas situações (incluindo Fogos, D3 e quejandas, sem esquecer os taxistas, os produtores de suínos, os colégios privados e os seus barões, proprietários e dirigentes associativos, os Migueis de Vasconcelos, etc.) deixa-me amargurado de todo.

Henrique Pinto

Graça Freitas

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