O Que Faz a Grandeza
Já na fase serôdia da vida, saradas as feridas sociais infligidas pela prática da filosofia política alemã dos anos 30 – 40, Winston Churchil, ao contrário do que defendera no período de paz antecedente, diz-nos mais ou menos assim, «aquilo que faz a grandeza, nomeadamente a nobreza, a dignidade, a firmeza e uma espécie de coragem jovial, continua, ao longo dos séculos, a ser, no essencial a mesma coisa». E, é Hannah Arendt quem no-lo recorda, o grande estadista não ignorava, seguramente, as
tendências ou correntes subterrâneas, características da época em que cada um vive. Também Nietzsche via que «não só toda a ética cristã, mas também todas as éticas platónicas, se serviam de pesos e medidas que não tinham origem neste mundo mas em qualquer coisa para além dele». Um «qualquer coisa» firme e perene, tanto a poder tratar-se «do céu das ideias por cima da sombria caverna dos assuntos estritamente humanos», como «do além verdadeiramente transcendente».
Este sentido dos ingredientes da grandeza do Homem e da ética, quais princípios intemporais, atravessa afinal todo o pensamento de Rotary desde Paul Harris. Acontece tanto no objectivo maximalista da Paz e Compreensão Mundial a norteá-lo, e que ora celebramos, estando permanentemente em agenda, como na Prova Quádrupla de Herbert Taylor, síntese generosa e conseguida de todas as formulações do conceito ética desde Aristóteles.
Renascimento Flamejante
No pós grande guerra, pelo dealbar da década de 50 do século anterior, o acordo Rotário franco-alemão recriou o conceito de CIP, Comissão Interpaíses, vindo dos anos 30 e interrompido na prática pelo conflito, fomentando o irmanamento de Rotary Clubes no estreitar de relações interpessoais de grande escala e qualidade entre os membros do movimento.
As CIP foram uma bandeira importantíssima na Europa, e particularmente em Portugal, até aos anos 80, e depois definharam. No entanto, a alteração geopolítica do final da década de 80, com a ascensão dos ideais democráticos, na asserção herdada de Eduard Bernstein, pelo esfriar dos mitos igualitaristas, com o ritmo pendular dos radicalismos religiosos das maiores confissões, aliados ao expansionismo bélico em função das especulações económicas, desde o Iraque e o Sudão à Serra Leoa e ao Irão, as CIP, qual Fénix, renasceram flamejantes, mundo fora. O espírito que presidira à sua génese foi actualizado pela realidade onde mais necessário era.
Do Conselho da Europa a Zurique
Duas grandes iniciativas afectas à Paz, por parte das CIP, têm ocupado lugar de destaque no seu executivo, agora mundial, desde o Encontro de Março passado no Conselho da Europa, em Estrasburgo, passando pelo da Convenção de RI em Montreal, até ao de Zurique, em Dezembro último, patrocinado pelo presidente de Rotary International, Ray Klingensmith. Trata-se, a um tempo, da iniciativa «Paz no Mediterrâneo», estimulada pelo ex director Örsçelik Balkan (com o empurrão do Rotary Club de Milão através do Rotário Gianni Jandolo), inspirado no líder da sua Turquia Natal, Mustafa Kemal Atatürk. Este mítico dirigente conduziu a sua estratégia de relacionamento com o exterior e as suas políticas na base do conhecido epigrama «Paz em casa, Paz no mundo». A um outro tempo o ROTA, ou Programa «Reach Out to Africa», promovido pelo PPRI Wilfred Wilkinson, tendente a alargar a rede de Rotary em África e a canalizar recursos. Vamos concentrar-nos na primeira destas novas ideias sem esquecer a segunda.
Berço de Muitas Civilizações
Paul Harris disse-nos, «o caminho para a Guerra é uma Estrada bem pavimentada, o caminho para a paz é ainda um carreiro selvagem». O nosso mundo está em luta contínua para encontrar soluções pacíficas e duradouras para as tensões globais.
A região mediterrânica, berço de muitas civilizações, de diferentes culturas, é uma das partes mais sensíveis do nosso mundo. Tem fervido em todas as formas de disputas e conflitos através da história. Por isso mesmo rejubilo com a aparente facilidade da emancipação do martirizado sul do Sudão por vitória no referendo recente.
Nesta área existem 16 países, praticam-se três religiões com diferentes fés e falam-se 8 línguas, num perfil de culturas bem diversas. É sempre fácil para as pessoas erguerem as barreiras do preconceito e até do ódio contra outras pessoas com as quais não têm comunicação.
O fenómeno é mais amplo. A maior parte das pessoas na terra está, de forma que parece predeterminada, contra outras pessoas, por percepções originadas em:
- Conflitos económicos, históricos e sociais
- Movimentações religiosas politizadas
- Disputas políticas radicais que dividem as comunidades em campos opostos
- Ideologias que fecham as portas à comunicação internacional e à compreensão mundial
Produzir Comida Para a População do Mundo
O propósito da iniciativa «Paz no Mediterrâneo» é construir pontes entre as comunidades à volta do Mediterrâneo e facilitar a prevalência de dominadores comuns, com a finalidade de melhorar as condições de vida das pessoas na Região, num ambiente pacífico.
Acredito que as CIP podem desempenhar um papel «major» no desenvolver desta iniciativa de paz.
Vivemos num mundo de contradições. Por um lado a ciência e a tecnologia expandiram os seus alvos, agressivamente, para bem longe do nosso planeta. Durante o século passado o progresso nestas áreas do saber foi superior ao conseguido até aí na história da humanidade. Por outro lado, 800 milhões de pessoas no nosso planeta terra são analfabetas. Com a iliteracia funcional esta cifra sobe para dois biliões.
Enquanto uma vasta população aprecia viver na era presente, massas humanas imensas vivem 100, 200 ou até mais anos atrás. Enquanto a era da informação e comunicação continua o seu progresso espantosamente rápido, esta grande falha do conhecimento e informação crescerá ainda mais. Disputas perigosas entre pessoas do conhecimento e pessoas da ignorância levantar-se-ão, seguramente.
Uma outra controvérsia do nosso globo é o modo como tratamos os temas ecológicos ameaçadores. O ambiente no nosso planeta terra está a ficar fora de controlo. A erosão expande-se. O aquecimento global é agora alarmante.
Os nossos mares, incluindo o Mediterrâneo e outras fontes aquíferas, estão poluídos. Os aquíferos existentes tornam-se insuficientes à medida que a população aumenta. Um bilião de pessoas não tem acesso a água potável.
Com a tecnologia existente podemos produzir a comida necessária para alimentar a população inteira da terra. Contudo, um bilião de pessoas está a morrer de fome no mundo, ao ritmo de uma pessoa a cada três segundos e meio. Cerca de 30,000 crianças abaixo dos cinco anos morrerão hoje!
Ondas de Natureza e Força Imprevisíveis
E a panóplia de grandes problemas prossegue, parecendo interminável. Este quadro assimétrico pode crescer ainda mais sob os efeitos da crise económica que tem posto todo o mundo em brasa, sobretudo os países de baixo rendimento.
A cimeira do Banco Mundial e do FMI na Turquia, na qual RI teve assento, mostrou que os efeitos desta crise nas condições de vida das pessoas continuarão por um tempo consideravelmente longo, em ondas de natureza e força imprevisíveis. O desemprego continuará alto, o desinvestimento estrutural será continuado, e a escassez alimentar aumentará.
O Novo Paradigma
Quando na década de 70 se construiu um novo paradigma tecnológico, organizado em torno da tecnologia de informação, para o bem e para o mal foi um segmento específico da sociedade, em interacção com a economia global e com a geopolítica mundial, a concretizar um novo estilo de produção, de comunicação, de gestão e de viver. E no entanto, segundo Manuel Castells, a ênfase na interactividade, na formação de redes e na busca de novas descobertas, mesmo quando não faziam muito sentido comercial, não combinavam com a tradição cautelosa do mundo avançado.
Rotary International tem essa mesma rede internacional, centenária, de longos braços – os Clubes e os Rotários –, tecida através do mundo. E tem também o arrojo e as ferramentas estruturais e intelectuais para poder suscitar um novo paradigma.
Para nos mobilizarmos entre estas questões de molde a facilitar a paz na Região Mediterrânica, e depois direccionar as nossas práticas para um modelo que podemos implementar noutras regiões do globo, está a criar-se uma nova organização em Rotary, a exemplo da ainda recente «Reach Out to Africa», de nome «Mediterranean Peace Initiative, condicionada a 4 objectivos.
O primeiro objectivo desta organização será fazer pontes entre as comunidades na Região Mediterrânica e facilitar a compreensão comum, pela reconciliação quanto a percepções e juízos errados.
O segundo objectivo será mobilizar os Rotários para parcerias com os voluntários de outras organizações das sociedades civis e dos Estados da Região, tendo em vista projectos conjuntos dirigidos às necessidades das comunidades.
O terceiro objectivo será facilitar a comunicação e melhor compreensão entre os líderes de opinião pública da Região, à medida que trabalhem juntos.
O quarto objectivo será encorajar e envolver a juventude e a família de Rotary nesta iniciativa de paz, a estender pontes de compreensão a segmentos das comunidades de escala cada vez maior, através dos valores de Rotary.
Plataforma dos Problemas Humanitários
Para pôr no terreno o materializar destes 4 objectivos propôs-se um plano de acção em 3 fases, aberto à discussão e a modificações.
Numa primeira fase as CIP criarão consciência para a iniciativa, estabelecendo o ambiente intelectual necessário para ela se nutrir. Para este propósito o Executivo Mundial das CIP promoverá a criação ambiciosa de CIP na Região. A Coordenação Nacional das CIP em Portugal já está a fazê-lo, Dado haver 16 países na área podemos aumentar o número de CIP existente no Mediterrâneo acima de 140 em pouco tempo. É uma meta importante e tangível.
Numa segunda fase estabelecer-se-ão Comissões Nacionais da «Iniciativa Paz no Mediterrâneo» onde exista Rotary, cada uma, porventura, com cerca de 30 Rotários e com membros honorários convidados entre os líderes de opinião pública e autoridades públicas, dotadas de órgãos de gestão, que poderão reunir-se pelo menos uma vez por ano.
Numa terceira fase, as Comissões funcionais começarão a actuar, organizando actividades bilaterais e multilaterais. Este processo mergulhará os Rotários com outras sociedades civis, o Estado e agentes públicos da Região Mediterrânica, numa plataforma dos problemas humanitários, sociais e económicos das suas comunidades.
Aparentemente, as CIP poderão ser o fornecedor de energia e a componente «major» desta iniciativa em acção. Dentro do amplo espectro desta iniciativa, seremos capazes de accionar outras actividades de Rotary Internacional, como toda a espécie de Programas de Intercâmbio, Companheiros Rotários para a Paz e Programas da Rotary Foundation.
Para Além dos Limites do Possível
O Encontro do Conselho Executivo das CIP no Conselho da Europa ficará assim como uma etapa marcante da vida de Rotary, no processo incansável de catalisar os mecanismos favorecedores da paz numa base «homem a homem».
O autor de ficção científica Arthur C. Clark disse, «o único modo de descobrir os limites do possível é ir para além deles, até ao impossível». Poderemos não ver os resultados das nossas boas iniciativas até ao fim das nossas vidas. Mas as próximas gerações beneficiarão dos resultados de tais esforços. Deixamo-los agora como sementes, quais prendas para nossos filhos e netos.
Já É Realidade
As nossas capacidades como Rotários e o nosso compromisso com o Dar de Si Antes de Pensar em Si, obrigam-nos a gerar e facilitar resoluções para conflitos no género humano, mesmo se alguma solução possa parecer quase impossível ao primeiro olhar. A Erradicação da Polio do mundo parecia-nos uma
missão irrealizável quando a começámos há quase vinte seis anos. Mas agora, num processo à beira do fim, é já a realidade. A paz sê-lo-á também.
Henrique Pinto
Conferência no Rotary Club de Coimbra
13 de Janeiro de 2011
FOTOS: Daniela e Henrique Pinto; Hannah Arendt; Zurique; Winston Churchil; Örsçelik Balkan com «Paz no Mediterrâneo» no Conselho da Europa; Ray Klingensmith; Serge Guteyron discursando em Montreal, com Carlos Ravizza, Uwe Richardson e Tony Polsterer; Eduardo Caetano, Henrique Pinto, Wilfrid Wilkinson e Artur Silva em Istanbul; manifestação de palestinianos; Rotary no Haiti, descarregamento de Shelterboxes; mulheres da Turquia asiática; Henrique Pinto com Örsçelik Balkan e Juan Alejandro no Conselho da Europa; fome em África; Mustafa Kemal Atatürk; Henrique Pinto enquanto Aide de Dong Kurn Lee; Henrique Pinto no Parlamento Europeu; Örsçelik Balkan, Tony Polsterer e Serve Guteyron; Robert Scott, coordenador mundial da Luta contra a Polio; mulheres islâmicas; os quatro fundadores de Rotary, Loeher, Schiele, Shorey e Paul Harris
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