terça-feira, 16 de outubro de 2012

CONTROLAR POBRES EM RECINTO FECHADO

São conhecidos relatos imensos dando-nos conta de dilemas perturbantes. Seja o de quem atravessa um atoleiro enorme ou o de mareante sofrido em mar agigantado. Será melhor prosseguir na dor bruxuleante, até ao fim, a passar pelo sofrimento conhecido do voltar atrás? Muitos cidadãos como eu arredondarão o gume da ira perante tal alternativa quando aplicada à política portuguesa. Havia formas diferentes, escolheram esta. Quem o fez deverá ser incomodado pelo destino improfícuo escolhido. Agora, talvez nos reste a indignação manifesta para se evitarem os extremos por advir, frutos da acção de quem quis aproveitar o mal para sobre ele erigir um regime de capitalismo selvagem.
Quando Victor Gaspar vem dizer, «o meu propósito é devolver ao país o que gastou na minha educação, que foi muito cara», está demasiado longe de eu lhe reconhecer um altruísmo bendito. Comparando-me consigo, senhor ministro, eu próprio como muitos outros portugueses, em devido tempo, estudámos muito mais em relação a si e continuamos a fazê-lo. Por mim, tenho pago os meus impostos num espaço temporal superior ao seu, para ser possível a outros cidadãos fazerem igualmente os seus estudos. O papel eminentemente assistencialista na educação e na saúde (o contrário de Estado social em todos os cambiantes, onde tais prerrogativas são um direito a conferir deveres), por si atribuído ao Estado, não regulador e sem outros atributos, é uma das características da visão neoliberal da sociedade a embebê-lo, e, exactamente aquela que enforma algumas das estruturas credoras do país, impulsionadoras do, porventura, pior dos caminhos a escolher. Temos assim a agradecer-lhe esta declaração. Embora eu duvide seja suficiente para convencer alguns dos defensores inflexíveis do carácter não ideológico da austeridade opressora.
 Entretanto, continua na penumbra, sem ser explicada, uma dolorosa sucessão de incongruências. Pelas minhas contas o actual orçamento de Estado é muito mais gravoso em taxação por relação ao regime de subida da TSU anteriormente apontado, e muito mais ferino por oposição ao sequestro de dois subsídios por ano nos trabalhadores do Estado e pensionistas. Pouco me dirão os economistas de serviço a dizerem o contrário. Então qual a razão para ter dito seguir esta opção por respeito para com as posições do tribunal constitucionalista quanto aos subsídios? O seu discurso terá em vista sensibilizar indigentes mentais ou é a derradeira salvaguarda da teoria sem glória dum acossado? Dizem-nos ser muito respeitado lá fora. Dado o dilema do atoleiro talvez seja melhor deixarmo-nos convencer. Mas as televisões insistem, diariamente, a mostrá-lo batendo nas costas dos colegas europeus para rogar um abraço. E esta imagem de indisfarçável solidão soma-se à angústia da descrença no sucesso da sua política.
Curiosamente, também o senhor cardeal patriarca de Lisboa veio deixar entrevista a exorcizar as manifestações de rua como solução para crises, dizendo-se crente nos bons resultados da política económica vigente. Há manifestações e manifestações, a própria igreja as usou com particular eficácia nos últimos quarenta anos. Todavia, vindas de um intelectual brilhante da igreja portuguesa, mas longe da envergadura cívica de D. Manuel Martins, tais declarações chocam-me ainda mais que as do senhor
ministro das finanças. Quase me pareceu estar receando perder algum do seu espaço! Os pobres controlar-se-ão melhor em recinto fechado!
17 de Outubro de 2012
Henrique Pinto
FOTOS: Henrique Pinto com senhoras amigas em conferência na FNAC; Victor Gaspar; Milton Friedman; D. António Policarpo; Pôr do Sol na Vieira de Leiria
 

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