sexta-feira, 15 de agosto de 2014

CREPÚSCULO DOS DEUSES

Aquando do passamento de Eusébio alguém se lembrou de avocar no seu preito os versos de Camões em Os Lusíadas: «E aqueles que por obras valerosas 
Se vão da lei da Morte libertando, 
Cantando espalharei por toda parte, 
Se a tanto me ajudar o engenho e arte».
Qualquer das duas personalidades falecidas nos últimos dias, e por quem eu nutria grande admiração, quase afeto, Emídio Rangel e Robin Williams, há muito se tinham liberto desse colete, quase Rio Lethes, dessa lei que as memórias de hoje podem superar, pela tecnologia, mais facilmente que no passado.
Rangel era um indivíduo com quem apreciava conversar. Como muitos dos homens ligados à comunicação social, vindos de Angola – onde a sociedade era mais aberta antes de Abril de 74 –, foi um construtor de coisas diferentes e motivadoras e um cultor da fala. Mas terá sido, seguramente, um desbravador de originalidades (SIC e derivados e TSF são disso bons exemplos). Robin Williams foi um ator diferente de todos os outros. Tenho para mim que só alguém muito inteligente e sensível pode assumir plenamente o estatuto de ator. Ele era-o sobremaneira. A sua incrível versatilidade na representação e o ar expedito com que construiu personagens dificílimas, por junto com toda a fragilidade enquanto corpo e alma, vestido por uma proverbial docilidade, emprestaram ao seu todo uma singularidade inesquecível.
Um e outro merecem ser muito tempo evocados (cantados, diria o poeta), como exemplos de vidas.
Henrique Pinto
Agosto 2014



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