quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

QUOTIDIANOS


Contaram-me amigos, um saudoso médico de Leiria exercia a sua prática filantrópica nos anos 60 e 70 de formas diversas, sempre desprendido dos bens materiais. Na altura oferecia mil escudos/mês (hoje 5€), era então uma excelente ajuda, a um conjunto variável de pessoas necessitadas. Se este ou aquele melhorava o seu estatuto ao ponto de já não lhe ser tão essencial um tal apoio, o dinheiro passava para outrem mais necessitado. Todos em redor admiravam a sua bondade. Certo dia uma senhora recebeu a notícia do termo do seu benefício com um «ladrão, ladrão, aqui a roubar o povo!».
Montalban escreveu em «Galindez» mais ou menos isto, «se uma pessoa te disser, eu cá digo tudo na cara seja de quem for, foge dela, não tarda nada morde-te». Citei-o num dos meus livros e um dia alguém me disse «não concordo consigo nem um pouquinho, eu sou exactamente assim». Fugi mesmo e nunca me arrependi.

Pois é Manuel, dá-se-lhes a mão e logo tomam o pé, seja pela casa emprestada, o terem melhores contactos, uma posição confortável nos estágios, oportunidades de valorização impossíveis noutros empregos, ou até no associativismo. Quantas vezes o aprendiz, mesmo se versado nalguma coisa, cospe na mão do mestre ao achar-se já ungido pela sabedoria universal! Paul Harris inconformou-se um dia, pouco antes de morrer, «há os que servem e quantos passam o tempo a trepar pelas costas dos primeiros».
Soube do espanto dum credenciado especialista, experiente no voluntariado em situações de crise, ao género do que ora ocorre no paupérrimo Haiti, outrora casino ianque. Disponibilizou-se para servir numa dada emergência. Estranhamente, achou, a sua área não contava no perfil dum apoio oficial. Nem tinha concluído uma das frases de apresentação e já ouvia, «sabe, sou perito internacional e vou-lhe explicar…».
Claro, quantas vezes um gesto nobre tem por contrapartida a ingratidão, a bofetada ignóbil, a sobranceria, a arrogância do vencedor!?
Nesta altura o Manuel, meio sisudo meio sorriso, sentenciava um «já não tenho idade nem paciência para mudar, mesmo que continue a levar na tromba». A mesquinhez dessa gente empobrece tudo aquilo em que toca, ao de leve que seja. Mesmo se os alvos dos seus gestos brilharem algum tempo e eles tiverem os minutos de glória de Andy Wharol.
Se ainda tivesse saúde Manuel continuaria a postura de serviço, alheio ao fel dos ingratos e à ignorância de certos «sábios». Saudar-nos-ia exactamente como os homens bons da Fundação dos Rotarianos de São Paulo, «Encha o coração de esperança!». Desejaria a todos, como os meus amigos Raul Meireles e Maria Inês, «Prosperidade no Ano Novo». Obrigado por ele.
Henrique Pinto
Janeiro 2010
FOTOS: cartões de Bom Ano de Fundação dos Rotarianos de São Paulo e de Raúl Meireles; musseque de Luanda, Angola, apoado por tantos voluntários no Servir


1 comentário:

  1. Caro amigo Henrique Pinto,
    obrigado pela lembrança e pela mensagem.
    Aceite meus votos de que este ano novo traga grandes desafios para que possamos celebrar grandes vitórias.
    Com saúde, sucesso e sorte
    forte abraço do Paulo Chedid
    (São Paulo, Brasil)

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