quarta-feira, 27 de novembro de 2013

1, 2, 3, NEM TUDO SE FAZ DUMA SÓ VEZ

 1. Os tempos que se seguiram ao fim da Berlim dividida têm sido de extraordinárias mudanças sociais e políticas, tanto no melhor como no pior sentido.
Há aspetos da vida que devemos olhar sempre pelo melhor dos ângulos. Na verdade, o modo como as pessoas, e particularmente os jovens, encaram hoje certas facetas do quotidiano, do sexo à arte, da temporalidade das convivências à facilidade e ao aligeirar do que é complicado, à tolerância e sentido de liberdade, à política mesmo que sem ideologia, é absolutamente notável. A globalização da comunicação foi determinante.
Em termos estruturais têm vindo a perder terreno ideias absolutamente essenciais à vida em sociedade, desde o Estado de direito à solidariedade e Responsabilidade Social. O comunismo soçobrou como ideário e praxis mas, nuns países mais que noutros, a chamada «vingança histórica« do liberalismo, envolto nos últimos anos em novas roupagens, e ora a propósito de questões magnas mas até aqui superáveis como as dívidas soberanas, veio para fortalecer o poderio de castas sobre populações ignaras e indefesas, paupérrimas. A xenofobia tornou-se referendária.
2. A própria medicina tradicional, primeiro com a autonomização da medicina dentária, e depois através do emergir de especialidades técnicas onde o domínio da patologia ou da arte passou a ser superior ou competitivo com o do médico – das diversas terapias e métodos investigativos  à psicologia, ganhou uma complementaridade e eficácia relevantíssimas.
Mas é essencialmente na estética (incluindo a cirurgia plástica e a implantologia),  e no exercício físico, que os cidadãos dos países com mais possibilidades evoluíram para um grau de esmero e consumo superior. Poder-se-ia dizer que as primeiras décadas deste século são, eminentemente, as da primazia do aspeto pessoal. E instalou-se também, furtivamente primeiro e hoje de forma massiva, um conjunto de doenças chamadas civilizacionais, resultante dos estilos de vida, onde a má alimentação e o stress distorcem os
corpos e os espíritos, da diabetes ao cancro e à obesidade cronica. Esta primazia da cronicidade bastaria para condenar à partida os novos mentores da política. Porquanto, não sendo apanágio dos pobres, é antes uma onda a cortar a direito, carece dum Estado organizado não minimalista para ser frenada ou reorientada.

3. E uma parafernália de hábitos e produtos tradicionais do oriente invadiu os continentes europeu e americanos. Das massagens terapêuticas à reflexologia, da acupunctura  à estimulação muscular e a outros recursos da naturopatia e osteopatia, criou-se um campo que não tem de ser alternativo,  melhor fora que entrosado com a medicina a que nos habituamos em século e meio. As lojas de compostos nutracêuticos
têm hoje acervos superiores aos das farmácias, muito embora não haja qualquer controlo quanto à toxicidade e eficácia na grande maioria das suas componentes, ao invés das práticas de experimentação clínica e avaliação periódica que os Estados asseguram aos medicamentos.
Todavia, há evidência terapêutica num imenso campo nutracêutico. Da oftalmologia a especialidades que se cruzam no aparelho digestivo, a sua aplicação formal tem sido crescente. Mesmo quando a publicidade dos produtores é enviesada nem sempre é bom um produto apenas por ser natural como nem sempre é
recomendado outro só por ser um medicamento. Infelizmente deverá ser difícil no futuro regulamentar este mercado emergente e  potencialmente muito esperançoso, dada a diluição das responsabilidades do Estado. Os novos tempos ganham no crescimento horizontal, no entrecruzar de perspetivas, e perdem no nivelamento por baixo dos rendimentos individuais da generalidade dos cidadãos e na descrença induzida nos princípios da lei. Passado e futuro sobrepõem-se
Novembro 2013

Henrique Pinto

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