quinta-feira, 28 de novembro de 2013

ERA UMA VEZ...

Nos idos de setenta, em Coimbra, enquanto estudante universitário,
cantei no Coral dos Estudantes de Letras, o CELUC
como era conhecido, e, nos últimos anos, fui seu diretor. Era um
nicho de excelência musical e foi à época, também, um pólo criador
de dinâmicas culturais, reconhecido, nomeadamente, na
obra do estudioso da história da música Mário Vieira de
Carvalho1. Talvez alguém tenha falado ao Dr. António Moreira de
Figueiredo, colega médico no Hospital D. Manuel Aguiar em
Leiria, depois um grande amigo, de algum sucesso ganho nesse
empenho estudantil. Tantas vezes me convidou para sessões de
teatro no Orfeão de Leiria acabei convencido a substituí-lo na sua
cátedra, a presidência dessa associação. Se em Janeiro de 1983 eu
pensasse que ia dar não sei quantas voltas ao país e aos mundos,
e estaria ainda nesta cidade trinta anos depois, voluntário na instituição
cujo encargo ele me legou, mas que de tal diverge tão
visivelmente em todas as dimensões, exceto na qualidade das
pessoas, eu, provavelmente, não acreditaria.
Hoje, o Orfeão de Leiria Conservatório de Artes é um importante
centro musical e de ensino artístico, dinamizador cultural,
alimento de cidadania, numa escala que transcende a região, o
país. E repetidamente me interroguei sobre se a prática do efémero
e o ensino do lúdico neste «laboratório» podiam ter a
importância que muita gente, na rua e nos governos, nos encontros
sociais, lhe vinha atribuindo.
Nestes anos mudou o contexto socioeconómico e político do
mundo. A globalização económica, política e cultural tocou a maior
parte dos países. Mesmo quando se atravessa a África das fogueiras
para aquecer o jantar, cedo se descobre o gerador elétrico que alimenta
o transmissor via satélite, e aos domingos os golos do
Chelsea e do Real Madrid ecoam pela folhagem das florestas densas,
sabendo-se que outros bens escasseiam ou não existem. E esta
abolição de fronteiras entre os pontos de vista, o desinteresse pelo
eventualmente mais profundo, a banalização da superficialidade,
mas, sobretudo a assunção das diferenças, é um mundo novo que
ainda coexiste com a modernidade tardia. Fazemos coisas absolutamente
diferentes ainda que a raiz seja a mesma.
Então o resultado deste hobby vale o quê para lá das consignas
agradáveis dos jornais, das distinções pelas mais luzidas
auto ridades do país? No decurso duma graduação na Univer -
sidade de León, numa curva inesperada do caminho, aconteceu
ter de pensar em alternativas de apreciação. 
E aí surgiu, definitivamente,
a oportunidade para dar uma tal resposta, graças ao
suporte do querido professor Serafin Abajo Olea. Todo este projeto
1983-2013 é passível duma apreciação sociológica.
A história
é um pensamento do passado e não uma rememoração, as
influências determinadas pelas vivências pessoais podem nem
sempre permitir um distanciamento da linha do tempo (Henri -
ques, R. P. 2010). Um indivíduo é a um só tempo avaliador e intérprete.
Mas vale a pena correr-se esse risco.
Este é um processo de educação pela arte e da educação artística.
É-o também de psicopedagogia terapêutica (Santos, A. S. 2008).
E milhares de jovens e adultos têm interagido com a comunidade
em sentido estético, artístico e social. Através dum Estudo de caso,
metodologia analítica a permitir a validação dos resultados num
processo de triangulação, com depoimentos e documentação,
muito usada em tais circunstâncias, procura-se uma explicação.
Por um lado da ação do OLCA no período em apreço como possível
contribuinte para o desenvolvimento cultural local/regional,
enquanto fenómeno cultural pós-moderno, reflexo da globalização,
na sociedade contemporânea. Por outro se, nesta Obra, dinamizando-
se a cultura local/regional, com a democratização do
acesso e do consumo a/de produtos culturais, já com a evidência
científica dos resultados do impacto no funcionamento cerebral,
tem ou não contribuído para a melhoria do desenvolvimento intelectual
dos seus utentes. E por fim, cientes de se estar a lidar com
uma plataforma de excelência, a convicção deste projeto cultural
ter condições de implantação para se sobrepor à degradação do
tecido cultural sob a influência da economia neoliberal vigente.
É um apelo ímpar.
1Mário Vieira de Carvalho (1943) é um musicólogo português, autor de várias obras
sobre música, com especial incidência nos seguintes campos de investigação:
Sociologia da Música, Estética Musical, Ópera, Música Contemporânea, Música e
Literatura, Estudos do século XVIII, Wagner, Luigi Nono, Música Portuguesa dos
séculos XVIII a XX. Foi secretário de Estado da Cultura 2005-09. Responsável em
1974-75 por uma série televisiva sobre música que fez uma edição com o trabalho
do CELUC e Tanto Mar de Chico Buarque da Holanda (Brasil).

Henrique Pinto

(Extrato de Do Estado Novo ao Pós-modernismo Cultural, Um estudo de caso, Uma história de amor)

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