Nos idos de setenta, em Coimbra, enquanto estudante
universitário,
cantei no Coral dos Estudantes de Letras, o CELUC
como era conhecido, e, nos últimos anos, fui seu
diretor. Era um
nicho de excelência musical e foi à época, também, um
pólo criador
de dinâmicas culturais, reconhecido, nomeadamente, na
obra do estudioso da história da música Mário Vieira
de
Carvalho1.
Talvez alguém tenha falado ao Dr. António Moreira de
Figueiredo, colega médico no Hospital D. Manuel Aguiar
em
Leiria, depois um grande amigo, de algum sucesso ganho
nesse
empenho estudantil. Tantas vezes me convidou para
sessões de
teatro no Orfeão de Leiria acabei convencido a
substituí-lo na sua
cátedra, a presidência dessa associação. Se em Janeiro
de 1983 eu
pensasse que ia dar não sei quantas voltas ao país e
aos mundos,
e estaria ainda nesta cidade trinta anos depois,
voluntário na instituição
cujo encargo ele me legou, mas que de tal diverge tão
visivelmente em todas as dimensões, exceto na qualidade
das
pessoas, eu, provavelmente, não acreditaria.
Hoje, o Orfeão de Leiria Conservatório de Artes é um
importante
centro musical e de ensino artístico, dinamizador
cultural,
alimento de cidadania, numa escala que transcende a
região, o
país. E repetidamente me interroguei sobre se a
prática do efémero
e o ensino do lúdico neste «laboratório» podiam ter a
importância que muita gente, na rua e nos governos,
nos encontros
sociais, lhe vinha atribuindo.
Nestes anos mudou o contexto socioeconómico e político
do
mundo. A globalização económica, política e cultural
tocou a maior
parte dos países. Mesmo quando se atravessa a África
das fogueiras
para aquecer o jantar, cedo se descobre o gerador
elétrico que alimenta
o transmissor via satélite, e aos domingos os golos do
Chelsea e do Real Madrid ecoam pela folhagem das
florestas densas,
sabendo-se que outros bens escasseiam ou não existem.
E esta
abolição de fronteiras entre os pontos de vista, o
desinteresse pelo
eventualmente mais profundo, a banalização da
superficialidade,
mas, sobretudo a assunção das diferenças, é um mundo
novo que
ainda coexiste com a modernidade tardia. Fazemos
coisas absolutamente
diferentes ainda que a raiz seja a mesma.
Então o resultado deste hobby vale o quê para lá das consignas
agradáveis dos jornais, das distinções pelas mais
luzidas
auto ridades do país? No decurso duma graduação na
Univer -
sidade de León, numa curva inesperada do caminho,
aconteceu
ter de pensar em alternativas de apreciação.
E aí
surgiu, definitivamente,
a oportunidade para dar uma tal resposta, graças ao
suporte do querido professor Serafin Abajo Olea. Todo
este projeto
1983-2013 é passível duma apreciação sociológica.
A
história
é um pensamento do passado e não uma rememoração, as
influências determinadas pelas vivências pessoais
podem nem
sempre permitir um distanciamento da linha do tempo
(Henri -
ques, R. P. 2010). Um indivíduo é a um só tempo
avaliador e intérprete.
Mas vale a pena correr-se esse risco.
Este é um processo de educação pela arte e da educação
artística.
É-o também de psicopedagogia terapêutica (Santos, A.
S. 2008).
E milhares de jovens e adultos têm interagido com a
comunidade
em sentido estético, artístico e social. Através dum
Estudo de caso,
metodologia analítica a permitir a validação dos
resultados num
processo de triangulação, com depoimentos e
documentação,
muito usada em tais circunstâncias, procura-se uma
explicação.
Por um lado da ação do OLCA no período em apreço como
possível
contribuinte para o desenvolvimento cultural
local/regional,
enquanto fenómeno cultural pós-moderno, reflexo da
globalização,
na sociedade contemporânea. Por outro se, nesta Obra,
dinamizando-
se a cultura local/regional, com a democratização do
acesso e do consumo a/de produtos culturais, já com a
evidência
científica dos resultados do impacto no funcionamento
cerebral,
tem ou não contribuído para a melhoria do
desenvolvimento intelectual
dos seus utentes. E por fim, cientes de se estar a
lidar com
uma plataforma de excelência, a convicção deste
projeto cultural
ter condições de implantação para se sobrepor à
degradação do
tecido cultural sob a influência da economia
neoliberal vigente.
É um apelo ímpar.
1Mário Vieira de Carvalho (1943) é um
musicólogo português, autor de várias obras
sobre música, com especial incidência nos
seguintes campos de investigação:
Sociologia da Música, Estética Musical,
Ópera, Música Contemporânea, Música e
Literatura, Estudos do século XVIII,
Wagner, Luigi Nono, Música Portuguesa dos
séculos XVIII a XX. Foi secretário de
Estado da Cultura 2005-09. Responsável em
1974-75 por uma série televisiva sobre
música que fez uma edição com o trabalho
do CELUC e Tanto Mar de Chico Buarque da
Holanda (Brasil).
Henrique Pinto
(Extrato de Do Estado Novo ao Pós-modernismo Cultural, Um estudo de caso, Uma história de amor)
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