terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A BELA UCRÂNIA

Ao ver a devoção dos jovens de S. Petersburgo, todos na casa dos vinte, na visita à Dasha de Estaline em Sochi, no Mar Negro, fez-se-me um click. Aquilo era veneração. Só a Rússia tem genuína vocação imperial. Se Ivan (o terrível) teve tanta dificuldade em unir o território dos Urais ao Pacífico, e se os russos brancos só foram vencidos por esmagados nas lutas depois de 1917 – e mesmo como tal as nacionalidades persistiram séculos e o anticomunismo por décadas, no íntimo das pessoas – também a ambição de Estaline (como a de Hitler) não foi direta para o lixo, perdura. 

Uma Alemanha que elegeu Merkel e concitou os países seus vizinhos para uma prática nacionalista e agiota, dificilmente levará a Europa para qualquer contenção diplomática firme em relação a Putin. Os rublos poderão superar os Euros e os Dólares chineses dos americanos na bela Ucrânia. Esperemos que se chegue a bom caminho mas as dúvidas cavalgam as certezas.
Henrique Pinto
Fevereiro 2014

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SESIMBRA É PEIXE

Sesimbra é terra de meus pais, é a minha terra. O conjunto construído pelos ascendentes e colaterais dos ramos genealógicos de meus progenitores, que ali jazem no cemitério da vila, constitui porventura a maior família de Sesimbra.
Conhecida como burgo há pelo menos cinco mil anos, ali desembarcaram e ficaram muitos dos cruzados nórdicos – e logo os cabelos ruivos e olhos azuis ainda hoje bem dispersos e lindos, ou as aiolas dos pescadores – e, nas décadas áureas dos descobrimentos portugueses, muitos foram os navios ali construídos. A prática da construção naval permaneceu viva até ao final dos anos sessenta do século passado.

Quando a «boa» gestão dos primeiros dinheiros europeus começou a produzir efeitos os pescadores receberam dinheiro para abater os seus barcos de madeira – e como se esfumam rápido as notas assim ganhas – tal foi meio caminho andado para desfalecer uma e outra arte de séculos, o advento de tempos árduos. 
Mesmo assim a gastronomia continua essa longeva tradição, a qualidade mais e mais apurada, e daí a consigna publicitária bem apanhada «Sesimbra é Peixe».
Fiz ali a instrução primária. Aos meus professores, Amável e Elisabete, tenho-os bem vivos na minha estima. Acho que quase tudo o que me disseram e ensinaram me é útil ainda hoje, médico, mestre e doutorado. Coisa que hoje seria inimaginável.
Voltei a correr a sacra profissão laica do Senhor das Chagas, a mais singular das devoções que conheço. Há um descomprometimento cúmplice, os homens do mar - que só se lembram de Santa Bárbara quando troveja - têm-lhe um respeito gigantesco, incluindo os que nunca transpuseram os umbrais duma igreja.
Meus pais estão ali sepultos em lugares donde se avista o mar azul a perder-se no horizonte, e visito-os com muita regularidade. Sinto-me como se estivesse em Delfos meditando a olhar o mar das Oliveiras. Provavelmente há lutos mais rápidos, limpinhos, tradição nalguns países, mas aí a saudade é sempre mais volátil. Ora a saudade consola e é saudável frequentá-la
16 de Fevereiro 2014
Henrique Pinto


domingo, 16 de fevereiro de 2014

TEIXEIRA LEITE E JORGE MARTINS

O meu amigo Quiné disse-me certa vez, ao acompanharmos o féretro dum amigo, «sabemos que estamos enraizados aqui quando nos damos conta do número de vezes que já subimos esta estrada». Agora, de súbito, há uma plêiade de amigos que se vai embora para sempre. Muito antes de eu entrar para o Rotary Club de Leiria (e já passaram mais de trinta anos), e de lá privar com um bom amigo como o Eng. Teixeira Leite, já o vira, amiúde, fazendo o vaivém da sua caminhada com os seus amigos no Jardim Luís de Camões.

Amigo da boa piada, sereno, modesto, caloroso com os próximos, deixa-me muita saudade. O Orfeão de Leiria deve-lhe o que foi um dos melhores apoios financeiros, o dos CTT/TLP, transitado depois e por muitos anos para a PT, permitindo-nos ir mais longe do que seria possível num contexto de deve e haver.
O convívio com o Jorge Martins devo-o à estreita relação de amizade que ele tinha com o saudoso José Ribeiro Vieira e aos frequentadíssimos encontros de amigos que este promovia na sua casa das Cortes. Foi uma cumplicidade de anos reforçada quando presidiu ao Sport Operário Marinhense e depois no Rotary da Marinha Grande.

De ambos fica-nos a imensa saudade.
Fevereiro 2014 
Henrique Pinto 

sábado, 8 de fevereiro de 2014

NOVA CIDADELA, UMA VEZ E PARA SEMPRE

Morei desde menino no edifício vitoriano onde hoje está alojado o lindíssimo Centro Cultual de Cascais. Separa-o do mar apenas a imponente Cidadela de Cascais, à altura estritamente um aquartelamento militar. Adorava ouvir a ronda das sentinelas com a cantada ordem: «sentinela alerta», a resposta da sentinela seguinte «alerta está!», o ripostar da primeira «passa palavra», e o continuar do ciclo noite inteira. Mas só lá entrei três vezes: quando fui à inspeção militar; quando visitei a nova pousada e agora que tive o gosto de conhecer o Palácio Real.
O conjunto da Cidadela de Cascais, incluindo o Forte de Nossa Senhora da Luz, a Torre de Santo António de Cascais, e toda a parte fortificada que está compreendida entre a Ponta do Salmodo e o Clube Naval de Cascais, é imóvel de interesse público desde 1977. Herança da Torre Tarda de D. João II (1485), ampliada por Filipe I, rei da monumentalidade, as obras que prosseguiram com D. João IV (1681), teve depois várias adaptações. Cedida à Câmara de Cascais, a cidadela foi revitalizada, como a zona envolvente, e abriga agora a excelente Pousada Cascais.
Cascais era uma terreola de pescadores em meados do século XIX. O terramoto de 1755, com o subsequente maremoto, destruíra massivamente toda a zona baixa do lugar até à subida para Alvide e deixou marcas na cidadela altiva e no seu Palácio e Capela (dita de Santo António, patrono dos exércitos).
Por via da doença e do aconselhamento médico o Rei D. Luís vem passar parte do ano no Palácio da Cidadela (normalmente entre Abril e Novembro). Traz com ele a nobreza. É ali inaugurada a eletricidade em Portugal. 


Boa parte dos palacetes da vila (culturalmente continua a recusar-se como cidade) é dessa altura. A burguesia rica acompanhou o soberano e contribuiu para a modernidade da região, a que hoje concentra maior número de estrangeiros residentes no país e que atrai todo o visitante que demanda Lisboa.
A 15 de Outubro de 1879 é inaugurado o Sporting Club de Cascais, a Parada, que concentrava a elite do dinheiro e da intelectualidade, nomeadamente Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins. Ali se realizou ainda o primeiro jogo de futebol em Portugal promovido pelos irmãos Pinto Basto. A ideia peregrina de tal ter ocorrido na cidade do Porto nasce de Tese nada fundamentada.
Casado com D. Maria de Saboia (conhecida por Maria Pia face a uma vida de consolo aos desprotegidos, filha do rei Vitor Manuel I de Itália e cunhada de Napoleão II), depois dum ardoroso romance por correspondência e da esplendorosa chegada a Lisboa pelo Tejo (D. Luís acaba por não mais a procurar no leito, nascidos os filhos, procurando outras mulheres na corte, o grande desgosto da rainha que tanto censurara o pai por idêntico porte), o rei morre nos seus braços em 1889, exatamente na cidadela.
A estátua enorme de D. Carlos está sobranceira à baía e o passeio marítimo, que encima o clube naval, tem o nome de sua mãe D. Maria Pia.
O Palácio Real (onde viveram os presidentes da República até Craveiro Lopes) continua residência presidencial (mesmo se visitada como museu). Esta última restauração incluiu a adaptação de cozinhas modernas e ar condicionado, detalhes de que o visitante nem se apercebe.
O Primeiro monarca estrangeiro a passar ali férias depois da reabertura há pouco mais dum ano foi o atual Príncipe do Mónaco, Alberto. Que coincidência! O filho mais velho de D. Luís, D. Carlos (o último rei a habitar o palácio, era íntimo amigo de Rainier I do Mónaco, bisavô de Alberto). 
Juntos, cada um com os seus três iates, exploraram cientificamente os mares portugueses até aos Açores. Assim nasceu o Museu Oceanográfico de Monte Carlo (a sala de entrada só tem exemplares da fauna marítima portuguesa, incluindo a lula de nove metros apanhada nos Açores, e utensílios da caça à baleia no arquipélago). O Aquário Vasco da Gama criado por D. Carlos nasce também desta parceria régia. A visita de Alberto I é muito importante. Mas é ainda como que o preito simbólico ao monarca íntimo da sua família.
Santo António de Lisboa, dos maiores intelectuais franciscanos europeus da época (nascido em 1191 ou 1195) foi desde sempre adotado pelos militares. Teve uma brilhante carreira militar póstuma. Inúmeras cidades da Espanha, Portugal e Brasil conferiram-lhe títulos militares, condecorações, insígnias e outras honrarias, iniciando-se o curioso ritual quando o regente D. Pedro ordenou em 1668 que ele fosse recrutado e assentasse praça como soldado raso no II Regimento de Infantaria em Lagos, sendo promovido sucessivamente a capitão e coronel. Com o posto de tenente-coronel, sua imagem foi levada pelo XIX Regimento de Infantaria em Cascais à frente dos combates da Guerra Colonial, recebendo depois uma condecoração. A sua imagem está guardada em Mafra.
Há pouco mais de um século, devido aos maus acessos a partir de Lisboa, costumava dizer-se que a «Cascais, uma vez e nunca mais». Este dito prolongou-se por décadas. As orgias homossexuais da Avenida Emídio Navarro (anos 1950-60), mortos aparecidos na praia daí resultantes, ou o jogo azarento do Casino Estoril deram ânimo ao dichote. Apanhava-o nas conversas desde menino. E quando cheguei a Coimbra como estudante 
ainda o ouvi reiteradamente. Exatamente quando Cascais e Estoril tinham já o cosmopolitismo hoje atribuível ao Algarve, ali viviam muitos refugiados judeus fugidos ao terror nazi (a Casa da Laura é exemplo de boa memória a tal respeito), e o «glamour» do Estoril anos 40 estava vivo nas bocas do mundo (Casablanca foi um filme de enorme sucesso). Felizmente extinguiu-se esse agoiro. A vila de Cascais é, desde finais do século XIX, um dos destinos turísticos portugueses mais apreciados por nacionais e estrangeiros, uma vez que o visitante pode desfrutar de um clima ameno, das praias, das paisagens, duma das melhores ofertas culturais nacionais, e da oferta hoteleira e gastronómica variada.
Fevereiro 2014
Henrique Pinto