segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SESIMBRA É PEIXE

Sesimbra é terra de meus pais, é a minha terra. O conjunto construído pelos ascendentes e colaterais dos ramos genealógicos de meus progenitores, que ali jazem no cemitério da vila, constitui porventura a maior família de Sesimbra.
Conhecida como burgo há pelo menos cinco mil anos, ali desembarcaram e ficaram muitos dos cruzados nórdicos – e logo os cabelos ruivos e olhos azuis ainda hoje bem dispersos e lindos, ou as aiolas dos pescadores – e, nas décadas áureas dos descobrimentos portugueses, muitos foram os navios ali construídos. A prática da construção naval permaneceu viva até ao final dos anos sessenta do século passado.

Quando a «boa» gestão dos primeiros dinheiros europeus começou a produzir efeitos os pescadores receberam dinheiro para abater os seus barcos de madeira – e como se esfumam rápido as notas assim ganhas – tal foi meio caminho andado para desfalecer uma e outra arte de séculos, o advento de tempos árduos. 
Mesmo assim a gastronomia continua essa longeva tradição, a qualidade mais e mais apurada, e daí a consigna publicitária bem apanhada «Sesimbra é Peixe».
Fiz ali a instrução primária. Aos meus professores, Amável e Elisabete, tenho-os bem vivos na minha estima. Acho que quase tudo o que me disseram e ensinaram me é útil ainda hoje, médico, mestre e doutorado. Coisa que hoje seria inimaginável.
Voltei a correr a sacra profissão laica do Senhor das Chagas, a mais singular das devoções que conheço. Há um descomprometimento cúmplice, os homens do mar - que só se lembram de Santa Bárbara quando troveja - têm-lhe um respeito gigantesco, incluindo os que nunca transpuseram os umbrais duma igreja.
Meus pais estão ali sepultos em lugares donde se avista o mar azul a perder-se no horizonte, e visito-os com muita regularidade. Sinto-me como se estivesse em Delfos meditando a olhar o mar das Oliveiras. Provavelmente há lutos mais rápidos, limpinhos, tradição nalguns países, mas aí a saudade é sempre mais volátil. Ora a saudade consola e é saudável frequentá-la
16 de Fevereiro 2014
Henrique Pinto


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