A sempre agradável visita a Pombal, importante foco de
desenvolvimento do norte deste distrito – tem o maior índice de equipamentos
culturais per capita -, raramente
deixa de fora o castelo, importante obra dos Templários, ora em reconstrução. Era
Natal e as fogueiras crepitavam pelas ruas. Os velhos solares, degradados (os que não são edifícios públicos), incitam
uma certa nostalgia, e, talvez contraditório, um imensurável bem estar. Desta vez apetece-me citar um trecho do meu último livro
sobre Pombal e a região.
«Leiria, elevada a cidade e a diocese católica em 1545 pelo rei D. João III, sede de concelho, é capital do distrito desde a divisão administrativa do território
em 1835, uma
classificação supraconcelhia que, dada a heterogeneidade interna em termos orográficos, de
mobilização das populações em relação aos polos urbanos e
assimetria no povoamento e
na atividade industrial, pouco diz hoje. Alguns pensadores da geografia humana como também boa parte da massa crítica de Leiria têm preferido situar o concelho do ponto de vista da
organização de território na chamada Alta Estremadura.
Esta situa-se na parte central do distrito de Leiria, na zona de transição entre Alentejo e o Norte do país. Apresenta-se sensivelmente como um «corredor» paralelo ao mar que se liga longitudinalmente a um outro limitado a Norte pelos concelhos de Ansião e Alvaiázere e
onde se situa Ourém, concelho do distrito fronteiro de Santarém. Inclui assim os concelhos de Alcobaça, Batalha, Leiria, Marinha Grande, Nazaré, Ourém, Pombal e Porto de Mós, com cerca de 400000 habitantes (ADLEI, 1995), o norte da região. Boa parte desta região para norte até Coimbra foi coutada dos frades de Santa Cruz de Coimbra, remontando aos tempos da fundação, e daí, de certo modo, bolsas de substantivo conservadorismo que perduram, mesmo
depois da divisão da diocese
de Coimbra e da qual Leiria foi herdeira.
Antes de 1135, data da construção do Castelo de Leiria pelo rei fundador D. Afonso Henriques, a região hoje concelho de Leiria seria seguramente desabitada. A presença militar trouxe-lhe mais habitantes e a função comercial ainda mais. «A segunda metade do século XV
e o século XVI representam de facto uma das épocas mais prósperas na História de Leiria e
da Alta Estremadura. Por volta de 1740 o crescimento demográfico
atingirá um ritmo extraordinário de 130% em relação a 1527 e foi ainda mais significativo no século XIX. Este aumento populacional deve-se
em primeira instância ao aproveitamento agrícola. Neste capítulo releva o protagonismo histórico dos coutos do mosteiro de Alcobaça. Houve sempre uma considerável diferença quantitativa e qualitativa entre o papel exercido neste ponto pelos monges
cistercienses e sobretudo por Alcobaça, e
aquele que outras ordens monásticas desempenharam (Mattoso, J. 1995).
Todavia, fora dos coutos, apareceram indústrias eminentemente locais. Em Leiria tecelões e trabalhadores de metais criaram duas albergarias em
1327. Sabe-se da existência em Leiria da provavelmente mais antiga fábrica de papel em Portugal, no século XV, e uma tipografia que terá sido das mais antigas do país. Já na época moderna lembram-se a fábrica de azulejos e cerâmicas do Juncal (século XVIII) e a fábrica de vidros da Marinha Grande
(1748), desenvolvida por William Stephens, de grande relevo para o desenvolvimento industrial do país. Continuam a surgir novas indústrias de notório interesse económico
nacional, como os cimentos (Maceira), e já nos nossos dias, a fabricação dos plásticos e particularmente a dos moldes, um caso bem singular na inovação tecnológica em Portugal.
Algumas gravuras da primeira década do século
XIX
mostram a cidade de Leiria rodeada pelos campos que a literatura sempre anotou com uma lendária fertilidade. O poeta
Rodrigues Lobo, desde 1605, informa-nos que nasceu «…entre as frescas ribeiras do Lis e Lena, terra favorecida do céu». O arquiteto James Murphy, quando passa em Leiria em 1788, atenua essa impressão,
não pela benignidade da terra mas por desleixo dos homens, quando observa que «o solo é tão produtivo, que com pouco
dispêndio de trabalho dá
abundantemente trigo, uvas e azeitonas. Pois apesar destas vantagens tanto o arado como a enxada são quase desprezados».
O que se passava em Leiria? O esboço feito é o de uma cidade com uma nobreza possuidora
de vastas terras que não cultivava, de uma pequena indústria cuja iniciativa pertencia a estrangeiros – o botânico Heinrich Link só refere um alemão com uma fábrica de
branquear com ácido clorídrico e
a fábrica de vidros do inglês Stephens na Marinha Grande
– e de uma igreja sobretudo interessada em governar-se a ela própria. É uma imagem porventura um pouco injusta. A devastação ocorrida em Portugal aquando das invasões napoleónicas, teve o seu ponto culminante na Estremadura. A região a sul de Coimbra e a norte de Torres Vedras, com o epicentro em Leiria e
num raio de 15 léguas à volta desta cidade, ficou reduzida
literalmente a nada. Naquilo que é hoje o concelho de Leiria todas as casas foram saqueadas e os objetos, os móveis e
as madeiras desapareceram (Estrela, J. 2009).
Segundo José Mattoso não é menos relevante a história religiosa. Como o não é menos relevante a monumentalidade da Alta Estremadura, um
conjunto equivalente difícil de encontrar no país, centros da vida religiosa e cultural da região: «alguns dos mais famosos monumentos portugueses (...), a mais importante casa de uma ordem monástica - o mosteiro de Alcobaça; um
dos mais importantes centros de uma ordem militar – o Castelo de Pombal, fundado pelos Templários (…); o
mais importante monumento gótico – o Convento Dominicano da Batalha; três entre os mais importantes exemplos de arquitetura militar – os castelos de Leiria, Ourém e Porto de Mós; um dos mais velhos santuários marítimos – a Nazaré; o
maior centro atual de peregrinação [católica], o Santuário de Fátima (Mattoso, J. 1995)».
Henrique Pinto
In Do Estado Novo ao Pós-modernismo cultural, Um estudo de caso, Uma história
de amor
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