Kalidás Barreto é uma figura lendária da resistência à Ditadura. De origem indiana, que nunca renegou, filho de um escritor e poeta conhecido, de uma velha família goesa, foi um activo militante sindicalista e um socialista confesso.
Quando do problema da unicidade sindical e, depois, da criação da UGT, consequência do assalto comunista aos sindicatos, durante o PREC, Kalidás Barreto ficou fiel à Intersindical, como muitos militantes católicos (Manuel Lopes, por exemplo) e alguns socialistas, como um dos fundadores do PS, o médico Fernando Loureiro. Foi uma divergência, mais política do que sindical e mais táctica do que estratégica, que então tivemos mas que não afectou as nossas relações de amizade nem de camaradagem.
Com o tempo, os conflitos ideológicos datados, como era o caso, esbatem-se e o que, fundamentalmente, interessa é a linha de rumo e a fidelidade aos ideais. E quer quanto a uma quer a outra nunca tive dúvidas quanto às opções de base de Kalidás Barreto.
Foi deputado por Leiria do Partido Socialista. Um bom deputado. O livro que agora publica traça, publicamente, a memória que os combates parlamentares nos deixaram, nesses tempos em que estávamos a construir, com desinteresse pessoal e assinalável firmeza política, a Democracia em Portugal.
A época é hoje outra mas as nossas opções de fundo não variaram. A política e o sindicalismo põem-se em parâmetros diferentes – somos membros de pleno direito da União Europeia – mas a nossa trincheira de combate é a mesma, ao lado dos mais desfavorecidos, da justiça social, do pleno emprego, de um modelo social progressista, solidário e na rejeição frontal do neo-liberalismo, desumano e injusto.
Na visita de Estado que fiz à Índia entendi convidar Kalidás Barreto. Sei que foi uma das alegrias que tive a possibilidade de lhe proporcionar. Estou contente, por isso. Kalidás Barreto merece! Pelo seu humanismo socialista, pelo seu espírito de justiça e pelo desinteresse pessoal com que sempre serviu os seus ideais.
Bem haja, por isso!»
Mário Soares
NOTA: Este é o prefácio escrito por Mário Soares para o livro de Kálidas Barreto, Os Deputados de Leiria na Assembleia Constituinte, 1975-76, que se apresenta daqui a dois dias no Arquivo Distrital de Leiria. É um privilégio muito grande para mim ver reunidos assim, numa assentada, dois amigos tão queridos. Parabéns a ambos.
Logo nos alvores do 25 de Abril Kálidas aparece num programa da televisão. Ainda hoje, no seu retiro de Castanheira de Pêra, ele perscruta e antecipa o futuro, como vigia sentado no penhasco a olhar permanentemente para além do mar.
Henrique Pinto
Fevereiro 2010
FOTOS: Capa do livro de Kálidas Barreto Os Deputados de Leiria na Assembleia Constituinte, 1975 -1976; o autor Kálidas Barreto; Mário Soares prefaciou o livro; sala do Plenário da Assembleia da República; o mar nos Açores, «sentado no penhasco a olhar permanentemente para além do mar».