sábado, 13 de fevereiro de 2010

O FADO (1)

O Barão Charles de Montesquieu (1689 – 1755), iluminista, admirador da Constituição inglesa, descreveu a separação de poderes no Estado em executivo, judicial e legislativo, no livro O espírito das leis. Viria assim a influenciar os redactores da Constituição americana. Todavia, esta ideia da separação dos poderes, hoje uma das pedras angulares da gestão do poder democrático, remonta mesmo a Aristóteles.

Portugal é uma democracia sólida mas corroída pela elevada iliteracia da sua massa humana. Apesar de tudo há uma relativa justiça no exercício democrático mais significativo, o do voto, mesmo se a legislação eleitoral no país está de há muito conceptualmente ultrapassada. Não sei explicar o porquê de neste mar iliterato prosperar o boato, a calúnia e o desrespeito em doses tão substantivas. E parece-me que dentro dos partidos políticos ou fora deles – inclino-me mais para este lado – existem «nichos» de desinformação e descrédito, sempre prontos a quando lhes convém lançarem na sociedade portuguesa mais uma bomba de tudo conspurcar.
No próprio dia em que foi eleito o actual presidente do sindicato dos magistrados do ministério público, quem sabe se em defesa do que chama «cultura judiciária comum», indignado com a situação política na justiça, com «alegadas pressões», clama por uma audiência com o presidente da República. Sabendo-se que as grandes derivas da justiça giram em volta do desempenho dos corpos corporativos seus actores, o magistrado sindicalista logo golpeia o princípio basilar de cultura política e civilizacional da separação de poderes.

O Símbolo Perdido, último livro de Dan Brown, é provavelmente o menos maniqueísta da sua obra de escriba com sucesso de vendas e o de menor suspense (só depois da página 300 se vislumbra alguma emoção), sem deixar de ficcionar um mundo de conspiração permanente com raízes de antanho. Mas se bem atentarmos, a facilidade com que todos os dias se fazem parangonas com o conteúdo de documentos confidencialíssimos ou de escutas telefónicas para todos os gostos – supostamente «ilegítimas» para culpabilizar Pinto da Costa e «justíssimas» para que Sócrates vá bebendo a cicuta gota a gota -, numa constante afronta ao mais «intimo» da Justiça, quase damos por nós a pensar na «modéstia» inventiva de Dan Brown. A nossa realidade supera-a, qualquer que seja a credibilidade que mereçam os produtos de tais fugas de informação e por mais grotescos e pueris que sejam os enredos que as enformam. Ao lê-los até os indigitados presumíveis corruptos se nos afiguram incompetentes.

A grande capacidade de manobra política da imprensa está em primeiro lugar, habitualmente, na força económica dos grupos proprietários e dos seus jogos de cintura na grande banca. Todavia, nos dias de hoje hostilizam-se publicamente os jornalistas em vez da elegância subtil do trato, mesmo que eventualmente tomada por hipócrita. É um erro de palmatória. Alguns deles são francamente incultos ou reagem inevitavelmente como corpo. Chegam a estar em postos de responsabilidade nos órgãos de informação, quem sabe se por isso mesmo. Outros serão pessoas francamente de mau carácter, como em todos os ofícios. Mas a maioria trabalha no maior respeito pela ética profissional.
Manuel Correia
Fevereiro 2010
Long Beach

FOTOS: a jovem e excelente actriz Sandra Barata Belo representou Amália Rodrigues no filme Amália, a personificação do fado como um destino nacional, mais do que um género musical; Montesquieu, a visão iluminista da separação de poderes do Estado; João Palma, presidente do sindicato dos magistrados do ministério público (foto Correio da Manhã); capa de O Símbolo Perdido, último romance de Dan Brown; capa do Jornal O Sol, de 12/2/2010; o meu distinto colega de liceu José António Saraiva, actual director de O Sol.

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