1. A Nova Era
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Claro que esta distinção entre os lados direito e esquerdo do cérebro usada por Daniel H. Pink apenas pode ser entendida como esquemática, ou em sentido metafórico, porquanto nada tem de científico. Se assim não fosse, Greg Mello, Prémio Nobel da Medicina descendente de Açorianos da Ilha de São Miguel, e o casal Ana e António Damásio, três dos cientistas mundiais que mais têm estudado a localização das funções de relação no cérebro, teorias dos níveis de elaboração emocional e conceptual, estariam agora a dar-se beliscões neles próprios, para terem a certeza de estarem vivos.
É um esquema que, a meu ver, permite tirar duas conclusões muito importantes, infelizmente a apontarem para sentidos civilizacionais opostos. 
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Ora o papel da literacia como acção, de que fui gostosamente incumbido de vos falar, almeja exactamente o esbater de diferenças e a confluência desses caminhos diversos.
Assim, como a primeira das minhas conclusões à luz de Pink, «a nossa Era assistiu ao reinado dos “especialistas do conhecimento”, dos profissionais cheios de títulos que geriam a informação e exibiam o seu saber. Porém, a conjuntura estará a mudar. A combinação de determinados factores – o crescimento das necessidades imateriais, resultante do conforto atingido no plano material, a transferência de empregos de colarinho branco para o estrangeiro, provocada pela globalização, e o desaparecimento de certas formas de trabalho, em virtude de novas e poderosas tecnologias –, está a fazer-nos entrar noutra Era». Deste modo «os novos tempos caracterizam-se por dois conceitos base. Em primeiro lugar uma nova forma de pensar e de encarar a vida que valoriza atributos e se caracterizaria por High touch», um conceito criado por John Naisbitt no seu livro Megatrends (1982). Traduz a capacidade para sentir empatia pelos outros, entender as subtilezas da interacção entre as pessoas, saber encontrar a satisfação de viver de que precisamos dentro de nós próprios, e de ajudar os outros a fazê-lo, e, ainda, ser capaz de perseguir um sentido para a vida para além da rotina diária. Em segundo lugar o conceito High Concept, a capacidade de criar beleza artística e emocional, detectar padrões e oportunidades, elaborar uma narrativa satisfatória e combinar ideias desconexas num mesmo objecto.
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A Índia tem neste momento um bilião de habitantes, quase 1/7 da população mundial. Cerca de 15% dos indianos constituem parte da vasta classe média que tem acesso à riqueza e ao conhecimento, ao desenvolvimento tecnológico mais apurado, que possui os quadros mais qualificados. São portanto 150 milhões de seres humanos. Um número que é superior à soma dos mesmos sectores no conjunto Estados Unidos, França e Alemanha.
Dá, obviamente, para assustar! Que acontece á grande maioria dos indianos fora desta classe média pensante e criadora? Pura e simplesmente fica para trás, sobretudo no que se refere à tal «Nova Era», porquanto a pobreza e a iliteracia os minam sem contemplações.
Claro, já tenho assistido a palestras de supostos bem pensantes, mesmo em Rotary, a ameaçarem dar um murro na mesa para apelarem à consciencialização, mostram meia dúzia de quadros aterradores com crianças famintas, mães de seios esquálidos, ruas pejadas de esterco, e com tal postura se consideram de consciência aliviada e curriculum mais prenhe. Vão rapidamente tratar de si mesmos!
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2. Fundamentos da Literacia moderna
Que entendemos afinal por Literacia? Em «Novas análises de Literacia em Portugal, Comparações Diacrónicas e Internacionais», de Maria do Carmo Gomes e colaboradores (1999), define-se Literacia como a capacidade de processamento, na vida diária (social, profissional e pessoal), de informação escrita de uso corrente contida em materiais impressos válidos (textos, documentos, gráficos). Permite, designadamente, a análise da capacidade efectiva de utilização na vida quotidiana das competências de leitura, escrita e cálculo, e o remeter para um contínuo de competências que se traduzem em níveis de literacia com graus de dificuldade distintos.
A literacia é assim um largo chapéu-de-chuva a cobrir e incluir os muitos alfabetos da civilização, o das primeiras letras, o de conduzir veículos, o ético, o tecnológico, o sexual, etc.).
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Richard Hattwik, coordenador mundial para a Literacia de RI, escalpeliza-a do seguinte modo:
1 - Literacia básica (a alfabetização do ler, escrever e contar);
2 - Literacia funcional, ou o conhecimento e capacidades necessárias para um adulto ser bem sucedido como trabalhador, cidadão, pai e ser humano;
3 - Literacia de carácter, o conhecimento e as capacidades requeridas por um adulto para se comportar eticamente em todos os aspectos da vida e adoptar o ponto de vista de Rotary para uma vida com significado, no Dar de Si Antes de Pensar em Si. Este tipo de Literacia, a que voltaremos adiante, afigura-se-nos como de capital importância para o emergir de gerações socialmente mais preparadas, com maior sentido de justiça, de responsabilidade, de interesse pelos seus concidadãos, de ética.
Todavia, os diferentes componentes da Literacia (com os consequentes projectos de serviço que se podem desenvolver em seu torno em Rotary, são relevantes para qualquer das Quatro Avenidas de Serviço no nosso movimento.
4 - A Literacia ocupacional ou profissional, providencia à juventude e aos adultos ferramentas para o comportamento ético, um emprego significante para o próprio e a visão de Rotary do significado do trabalho («Dar de Si Antes de Pensar em Si» e «Mais Aproveita Quem Melhor Serve»);
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3. A dimensão da iliteracia
As tarefas da Literacia ao nível do mundo, como seguramente na maioria das nossas ruas, tem uma dimensão informe, hercúlea. A iliteracia está no cerne dos problemas mais sérios da Humanidade, e, com particular acuidade, da mortalidade infantil. Como a pobreza (ainda que em maior ou menor grau), faz-se sentir por todo o lado.
Na Conferência Regional da UNESCO sobre Desafios da Literacia na Europa, que decorreu em Baku, no Azerbaijão, há dois anos, viu-se que o maior desafio dos europeus neste domínio é a elevada proporção de pessoas sem as necessárias aptidões de literacia requeridas para a participação social e económica plena. De acordo com a Comissão Europeia, cerca de 72 milhões de trabalhadores europeus, à volta dum terço da força de trabalho no continente, têm baixas aptidões. Um estudo da OCDE de 2006 estima que 6% dos jovens europeus com 15 anos de idade dos países da União Europeia, tem séria dificuldade em compreender o significado dum texto curto. E bem assim, uma alta percentagem de adultos europeus em geral não logra descodificar notícias com maior elaboração. Oitenta por cento dos jovens internados na Prisão Escola de Leiria, por exemplo, não sabe ler ou escrever.
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4. A linguagem do futuro
Basta um ligeiro aumento dos níveis de literacia e existem logo implicações no minorar da descriminação social e económica.
Mas um menino da Serra Leoa ou da Somália que saiba ler e escrever é um empecilho à tirania.
Em 2007 o Eng. Roberto Carneiro, conselheiro de governos e organizações várias em 41 países, numa Conferência em Leiria – muito antes do eclodir desta crise financeira mundial, donde, além do mais, sobressaiu um imenso desrespeito ético -, abordando estas matérias, fazia valer os seguintes valores quantitativos: se queremos que em 2020 Portugal esteja ao nível da Dinamarca como ela está (à altura da conferência), então temos de qualificar, dar competências (Literacia funcional, de carácter e vocacional, sobretudo) a cerca de 2,5 milhões de cidadãos, pelo menos até 2015; mas se quisermos ter em 2020 o nível de desenvolvimento que esse país terá então, a nossa capacidade de conferir mais competências terá de atingir 5 milhões de cidadãos no mesmo prazo.
Estamos francamente longe disso. É um desígnio muito exigente para qualquer país. A sociedade civil organizada pode e deve contribuir para minorar este esforço. Rotary pode dar a sua ajuda.
Mas há nichos de sucesso nesta área no nosso país. Quando a ANQ, Agência Nacional para a Qualificação, diz que até ao final deste ano se terão qualificado cerca de um milhão de trabalhadores, nomeadamente através de programas como Novas Oportunidades. Dado que tenho tido oportunidade de apreciar o elevadíssimo empenho dos formandos, plenos de entusiasmo e paixão, em grande escala, surge a oportunidade para um sorriso de esperança para lá do renascer da economia.
5. Cinco Mentalidades para o Futuro
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Entre as mensagens deste livro uma recai directamente na Literacia para a Compreensão Mundial e para a Ética. Eis um breve resumo sobre alguns pensamentos que têm em vista elucidar como tudo isto reporta para o trabalho de Rotary no campo da Literacia básica:
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Essas Cinco Mentes ou Capacidades ou Literacias identificadas por Gardner são pois:
1. A Mente Disciplinada – Primado dum modo distinto de cognição que caracteriza uma disciplina escolar específica, ofício ou profissão.
2. A Mente Sintetizadora – «Pega em informação de fontes díspares, compreende e avalia a informação objectivamente, e junta-a em modos que fazem sentido para o sintetizador e também para outras pessoas». A síntese ganha por isso mesmo franco terreno à análise.
3. A Mente Criadora - «Leva por diante novas ideias, coloca questões não familiares, maquina novas formas de pensamento, chega a respostas inesperadas».
4. A Mente Espectral - «Toma nota e acolhe bem as diferenças entre…indivíduos e entre grupos humanos, tenta compreender estes “outros”, e procura trabalhar efectivamente com eles».
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Na verdade, tenhamos consciência, quando às vezes se ouve desdenhar da importância do trabalho de Rotary em Literacia, não se vê um raciocínio e um conhecimento mínimo para o fazer, quanto mais com esta consistência.
Vejamos: aos cinco anos de idade as linhas de inclusão ou exclusão, amor ou ódio, estão desenhadas; muitos Clubes Rotários já patrocinam projectos de leitura que têm como alvo o grupo dos 0 aos 5 anos de idade. Um desses é a Biblioteca da Imaginação, da Associação Dollywood, fundada pela actriz Dolly Parton, a trabalhar em parceria com Rotary International. Mesmo se apenas disponível em inglês, tem sido escolhido com uma ênfase especial pelo executivo de RI por boas razões.
Muitos desses Projectos Rotários, por exemplo, procuram assegurar-se de que os livros lidos às crianças alimentam a Compreensão Mundial.
A mensagem de Howard Gardner é ainda particularmente assertiva no referente a projectos de Literacia do Carácter: desenvolver uma mente ética é a principal tarefa na adolescência (este é um aspecto importante da Literacia do carácter); o conceito duma mente ética abrange os valores encontrados na Prova Quádrupla de Rotary, o objectivo de Rotary e das suas duas consignas oficiais.
6. A literacia para a Ética
Os projectos de clubes e distritos que ensinem aos adolescentes como usá-la claramente, ajustam-se aqui. Todos os Rotários e seus líderes devem voltar a tomar consciência deste facto.
As crianças podem aprender a Prova Quádrupla mesmo antes de terem a idade suficiente para saber como usá-la em modos adultos. Portanto, os projectos de clube que exponham crianças pré-adolescentes à Prova Quádrupla são um caminho importante no preparar as crianças para a sua experiência adolescente de aprender. É nosso propósito fazê-lo saber a todos.
Os projectos que possam envolver a Prova Quádrupla têm a maior prioridade porque este é um instrumento de literacia único em Rotary. Os Rotários têm a responsabilidade social de partilhá-lo com o resto do mundo. Essa partilha começa por fazer as crianças, juventude e adultos tomarem conhecimento dela. O que pode ser feito até ao manusearmos as nossas cópias individuais da Prova e ao colocarem-se etiquetas da Prova em livros e outros géneros doados, em posters e faixas a colocar em escolas e outros lugares públicos.
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7. CIP, Comissões Inter – Países, uma nova dimensão para a Literacia
A Literacia em qualquer das suas variantes (um projecto pode servir várias Avenidas) e graus, é pois um campo gigantesco de responsabilidade no Servir para todos os Rotary Clubes do mundo.
As novas CIP, Comissões Inter – Países de RI, propõem-se agregar os clubes de contacto em países diferentes e/ou associarem-se entre si em projectos amplos. É uma modalidade muito assertiva de trabalho em rede de dimensão considerável. Como tudo na vida, nascerá pequena, vai crescendo. Imaginemos então este envolvimento transnacional em torno dum projecto amplo de literacia internacional! Se podemos transformar cada Escola numa Estrela da galáxia do conhecimento, da criatividade, da «Nova Era»!
Muito obrigado.
Henrique Pinto
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30 de Março de 2010
FOTOS: Daniel H. Pink em Leiria; A Nova Inteligência, penúltimo livro de Daniel H. Pink, o homem que escreveu os discursos de Al Gore; o gurú da gestão John Naisbitt, dos anos oitenta; Megatrends, livro de Naisbitt; Craig Greg Mello, pouco depois de receber o prémio Nobel da medicina; o médico português investigador e escritor António Damásio; livro O Século do Bem Estar, de Henrique Pinto; Richard Hattwick, coordenador mundial para a literacia, de Rotary International; edifício sede da UNESCO em Paris; Durão Barroso, presidente da União Europeia; Eng. Roberto Carneiro, ex ministro da educação;cidade de Copenhaga, capital da Dinamarca, um dos Estados Europeus de melhor qualidade de vida; Carlos Fiolhais, professor da Faculdade de Ciências de Coimbra, a literacia da ciência ao alcance de todos; Howard Gardner, o psicólogo de educação mundialmente famoso; Five Minds for the Future, o best seller de Gardner; o saudoso presidente de RI Herbert Taylor no seu escritório mostra a Prova Quádrupla, de que é autor; o presidente de RI John Kenny com John Blount; o ícone sucesso na aprendizagem, uma estrada para o futuro; o simbolo da International Reading Association, instituição parceira de RI para a Literacia; a actriz Dolly Parton, fundadora da Fundação Dollywood e da Biblioteca da Imaginação, instituição parceira de RI para a Literacia; Serge Gouteyron, presidente do Conselho Executivo Mundial das CIP, Comissões Inter - Países de RI, falando em Março passado no Conselho da Europa, em Estrasburgo;
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