Estava em Paris com a Maria da Graça, em representação do presidente de RI Dong Kurn Lee – Paris, a cidade que tanto inspirou o Carlos Lança – , quando soubemos, de chofre, que ele morrera. Como tinha falado com ele uns dias antes e foi uma conversa de esperança, fiquei transtornado, chocado. Levei tempo a convencer-me que aquele homem lúcido, determinado, sério, confiante e frontal, por mal que estivesse, se deixasse vencer pela negra megera.
Fiquei amigo do Lança e do casal logo que o conheci. Diziam que não era pessoa fácil. Duma coisa estou certo, sempre apreciei sobremaneira a sua amizade e a sua conversa instruída e bonita, lógica e culta, nunca banal, a sua escrita de letra redonda, cursiva, sumarenta, a sua concepção de Rotary como um organismo social vivo, e como tal, exactamente como se dum ser biológico se tratasse, com a premência de ser nutrido em permanência de ideias novas, socialmente importantes e eticamente sustentáveis. Em todos os momentos o vi solidário – em iniciativas, na ajuda a eventos com o fruto da sua arte, na produção de ideias visando a solidariedade dentro de fronteiras e mundo fora, os grandes problemas, dos slums do Porto até à rua cinzenta dum bairro lamacento, numa qualquer curva do planeta.
Duvido que existam em Rotary muitos legados solidários, morais e éticos, com a dimensão e o peso do deixado por Carlos Lança.
Vi-o em várias circunstâncias a ser vítima da sua própria consciência tranquila mas proficiente. Porquanto fazer aquilo que é correcto e para mais quando nos é exigido ao mais alto nível, a dada altura o fez injustamente incompreendido e insensatamente mal tolerado. Nem sempre recebeu dos companheiros de andarilho a compreensão que ele esbanjou em solidariedade nos trilhos do movimento e da vida.
Mas como a Marguerite Yourcenar escreveu, «o tempo é o grande escultor». Mais cedo do que o esperado, Carlos Lança, mesmo quando já ausente, acabou por fazer valer as suas razões – e que bom seria se ele soubesse de todos os desenvolvimentos, internos e externos.
Há dias no Conselho da Europa o presidente do executivo CIP mundial, Serge Gouteyron, enalteceu sobremaneira todos os clubes e Distritos que fizeram com que o movimento CIP tenha hoje carácter mundial, ou seja, cubra os continentes americano, africano, asiático e a Oceânia.
O que Serge Gouteyron não sabia é que não foram os franceses a dar o primeiro passo em relação a África, onde colonizaram um terço do território. A seguir à CIP Portugal Marrocos foi Carlos Lança que esboçou a aproximação à Africa de língua Portuguesa, começando pelos Seminários de Cabo Verde, Angola e do Porto, e depois com a criação das secções portuguesas das CIP com quatro países Africanos.
O que Serge não sabia é que, se se acentuou entretanto o carácter bilateral do relacionamento entre Portugal e o Brasil, e este país tem hoje uma influência determinante na diplomacia Rotária com África – e esperamos que seja um bom parceiro para projectos de alfabetização que possam cobrir alguns milhões de pessoas, através dos métodos CLE e CALS -, o Lança tem também aí um papel determinante.
Quando o PDRI Luís Oliveira – representante do presidente Richard King na sua Conferência de Viana do Castelo –, me convidou para orador no Instituto Rotário de Sergipe, no Brasil, foi o Lança que me lançou o repto para falar do papel da língua portuguesa e da necessidade de os países Rotários do falar luso, dentro e fora da CPLP, em terem um papel activo, forte e sinérgico em Timor e em África.
O texto «A minha Pátria é a Língua Portuguesa», parafraseando Pessoa, que Jonathan Majiyagbé muito apreciou quando presidia à Mesa de Honra do Instituto, escrevemo-lo os dois durante horas, encerrados no hotel fraquinho daquele Estado pobre do Brasil. Grande parte desta cooperação mundial de que tanto se orgulha Serge Gouteyron e muitos de nós começou aí.
Dentro de pouco tempo, estarão formalmente constituídas, de modo protocolar, todas as CIP que criou.
Todos os processos sociais são consumidores de tempo, as casas começam pelos alicerces, ganham estrutura e tornam-se culturalmente habitáveis. Mas essa sabedoria, esse sentido social e cultural da dinâmica, essa presciência do efeito do tempo, o dom da paciência e da ternura mesmo se a impaciência nos assola, tinha-o Carlos Lança bem entranhado no cerne da sua personalidade.
Todavia, como em todos os processos de transformação positiva das mentalidades, esta visão High Concept, como escreve Daniel Pink, criadora, narrativa, empática, mobilizadora, a materializar o conceptual, a enfatizar o saber com emoções, não é ainda facilmente perceptível para boa parte do movimento, preso na norma castradora quando primeiro e último recurso e no bonitinho sem imaginação, inconsequente.
Por tudo o que disse e pelo muito que há para dizer, eu sinto-me orgulhoso de poder participar na celebração da memória do amigo querido Carlos Lança. O movimento Rotário Português dificilmente recupera em pleno da orfandade de liderança ética e moral, e da inspiração que tal pressupõe, de três personalidades inesquecíveis como Marcelino Chaves, Fernando de Oliveira e Carlos Lança, que partiram cedo. A Isabel e a Constança, como seguramente todos nós, sentir-se-ão orgulhosas de terem sido a vida anímica e a inspiração de tão nobre génio criador e solidário.
Henrique Pinto
Abril 2010
NOTA: discurso preferido no Encontro para celebrar a memória, dedicado a Carlos Lança, organizado pelo Rotary Club Porto Foz no Palácio das Artes, no Porto
FOTOS: vista da cidade do Porto; Manuel Cordeiro, Paulo Chong e Cecília Sequeira na Abertura da celebração da memória de Carlos Lança; Henrique Pinto e Isabel Babo Lança, parte da mesa onde todos jantámos, e o Carlos estava feliz, na Casa do Arcebispo, em Salzburgo, Áustria, no Instituto de RI;
Carlos Manhiça, Cônsul de Moçambique; M.J. Madureira Pires, Waldemar e Beatriz de Sá e Maria da Assunção Serôdio; Rute Madureira Pires, António Amorim da Costa e Alcino Cardoso; Carlos Lança, Henrique Pinto e Silvia Nagy, em 2002, no Ministério da Saúde, em Luanda, discutindo o sucesso dos 4,5 milhões de crianças vacinadas nesse dia; Abreu Madureira e José António Campos e Matos; Manuel Cordeiro, Paulo Chong, Isabel Babo Lança e Cecília Sequeira, no encerramento da evocação; vitrina com iconografia de Carlos Lança; Manuel Serôdio e Manuela Geraldes (directora da Fundação da Juventude); Manuel Cardona e Bernardino Pereira; Beatriz Sá, Maria Antónia Cordeiro, Helena Cardona e Maria Assunção Serôdio; capa do livro «Carlos Lança, percurso artístico entre 1960 e 1987»; capa do livro «2000 a 1500 - o passado futuro»; alguns desenhos de Carlos Lança
BOM DIA, NAPOLEÃO! REALIDADE VIRTUAL PERMITE QUE AS PESSOAS CONVERSEM COM
O IMPERADOR FRANCÊS
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A 2 de dezembro de 1804, os grandes e bons de Paris reuniram-se na Catedral
de Notre-Dame para testemunhar a coroação de Napoleão Bonaparte e o
nascimen...
Há 3 horas
Acabei de ver o blog. Fantástico.
ResponderEliminarMuito obrigada pelo destaque dado não só à homenagem, mas sobretudo à memória do Carlos Lança, que não podemos deixar esquecer.
No meu texto está à vontade para mexer e não as descobri, com excepção do
nome da escola que é ESMAE - Escola Superior de Música, artes e Espectáculo
e não ESMAI.
Na legenda das fotos há um lapso no nome do José António Nobre, pois quem
está na foto é o Arqtº Abreu Pessegueiro.
Um abraço amigo
Até breve
Cecília
Acabei de ver o blog. Fantástico.
ResponderEliminarMuito obrigada pelo destaque dado não só à homenagem, mas sobretudo à memória do Carlos Lança, que não podemos deixar esquecer.
No meu texto está à vontade para mexer e não as descobri, com excepção do nome da escola que é ESMAE - Escola Superior de Música, artes e Espectáculo
e não ESMAI.
Na legenda das fotos há um lapso no nome do José António Nobre, pois quem está na foto é o Arqtº Abreu Pessegueiro.
Um abraço amigo
Até breve
Cecília
Henrique escreveste hoje?
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