Nas últimas semanas o mundo foi abalado por catástrofes naturais de efeitos devastadores aos quais a ciência retirou a auréola apocalíptica.
Começou em Janeiro no Haiti, o país mais pobre, no que restava da terra física e socialmente degradada pela incúria de ditaduras sucessivas, pouco abonada para além das suas praias. À construção velha e débil faltavam quaisquer defesas. Há seis anos, quando em missão humanitária, o aeroporto não funcionava por falta de energia eléctrica e os esgotos corriam a céu aberto pelas ruas de Port-au-Prince.
A chuva por demais anómala – um fenómeno recorrente mas de grau tal apenas a cada cem anos –, destruiu Funchal e Ribeira Brava e outras localidades da Madeira com inusitada violência. O arquipélago tem tido um nível de vida paralelo ao das nações prósperas – mesmo se 85% da população depende duma ou doutra forma do governo -, muito por força da capacidade de liderança e no atrair financiamentos de Alberto João Jardim. Mas quem recorde o Funchal de há 40 anos não pode tapar os olhos aos erros incontáveis deste crescimento. As imensas qualidades de Marcelo Rebelo de Sousa para falar veemente e convicto de tudo o que sabe e do que não sabe, levaram-no ao ápodo de «ambientalistas» sobre quem ousou referir-se a este crescer sem regras. Alguém como Filipe Duarte Santos, um cientista mundialmente considerado, merece tanto desdém? Com igual impudor Francisco Louçã agitou a bandeira do «as casas já lá estavam há muito tempo». Algumas seriam seculares, é verdade, mas a maioria dos edifícios sobranceiros à curva das ribeiras é recente. Substituir o empedrado das vias por alcatrão e ceifar o arvoredo, umas e outro a alcandorarem-se até ao topo, foi um erro a não olvidar, como a União Europeia ora avisa em sede de apoio à reconstrução.
Veio depois o Chile. O sismo foi semelhante ao de Lisboa em 1755 na intensidade (entre 8,8 e 9,1 na escala de Richter), réplicas e alcance dos maremotos. Num país razoavelmente desenvolvido (com o grosso das edificações em gaiola), registaram-se pouco mais de mil baixas. No Portugal e Espanha de então morreram cerca de 55000 pessoas e no Haiti acima de 100000. Duzentos anos separam estas duas ocorrências. Em qualquer dos casos é a mesma arquitectura de materiais pobres, como igual é a nojeira e a improdutividade. Da pobreza (em Lisboa) se dizia «ser mais evidente do que em qualquer outra capital da Europa e a violência endémica (Edward Paice). A natureza não perdoa.
Henrique Pinto
Publicado no Jornal Região de Leiria em 19 de Março de 2009
FOTOS: cidade do Funchal, Madeira, antes do «dilúvio»»; Filipe Duarte Santos, professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa; Alberto João Jardim, presidente do governo da Região Autónoma da Madeira (caricatura KAOS); Michelle Bachelet Sworm, presidente do Chile à altura do último terramoto; Marcelo Rebelo de Sousa, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, ainda comentador de TV e diseur «do que sabe e não sabe»; desenho de Lisboa, aquando do terramoto de 1755, inserto no livro sobre o evento de Jeremy Paice.
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