O filme «Jogo Limpo», de Doug Liman, interpretado por Sean Penn, um actor cada vez mais brilhante, e Naomi Watts, não tem o carácter especulativo das obras de Oliver Stone nem a militância documentarista de Michael Moore. Mas é um excelente exercício de análise da era George W. Bush como presidente dos EUA.
Em pouco mais dum mês chegam-nos duas películas a tocarem as contingências deste período rubro da história americana, o da ruptura do império a levar meio mundo por arrasto.
«Inside Job» do académico Charles Ferguson desmonta com enorme rigor a década da suprema facilidade, a «desgraça» da economia nas mãos dos novos yuppies, formados nas escolas de negócios, inspirados na desregulamentação, o Deus ex machina da filosofia económica de Milton Friedman, que levou ao rebentar da bolha americana e à contaminação daí advinda. «Jogo Limpo», ou «Fair Game» no original, desnuda a fragilidade das justificações de Bush e Blair (sempre referido como o “dossier” inglês) para a invasão punitiva do Iraque. No enredo, o estatuto de agente da CIA de Valerie Plame foi revelado por funcionários da Casa Branca, alegadamente para desacreditar o seu marido, ex
embaixador e pessoa de crédito, depois de este ter escrito um artigo em 2003, no New York Times, a dizer da informação manipulada sobre armas de destruição maciça, forjada pela administração Bush, incluindo o decantado falso urânio enriquecido do Niger, para justificar a invasão do Iraque.
Se Fernando Ulrich tiver razão quando alega que os bancos portugueses BPI e BCP não chegaram à fusão para se poder sustentar a posição do dirigente Armando Vara, um político desacreditado e, todavia, suposto eixo de manobrismo político, porquê admirarmo-nos com a violência e hipocrisia semelhantes atribuídas às personagens ocultas deste filme!?
Pessoas honestas que passaram pela nossa administração pública, com responsabilidades fundadas na ciência e no conhecimento, recordam nas cicatrizes do ego a dor do casal Watts/Penn, banido em favor duma «verdade» oficial de aplicação egoísta aos interesses de muito poucos, enxertados em «blocos centrais» de defesa mútua de estatutos. Alguns acharão a diferença entre Bush e Brejnev mera questão de contexto, escala e ambientes. Muitos continuarão a pugnar por mecanismos eleitorais mais representativos e na eleição de líderes moralmente mais consistentes. De fábrica de sonhos a catalisador de análises sociológicas e históricas, o cinema mantém a magia de sempre.
Henrique Pinto
Dezembro 2010
FOTOS: Naomi Watts e Sean Penn em Jogo Limpo; Tony Blair e George W. Bush; Milton Friedman; cartaz de Jogo Limpo; o realizador Doug Liman
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