quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

SAÚDE, UM ROSÁRIO DE EMBUSTES

A notícia divulgada ontem sobre ser possível a empresas de informática traçarem perfis psicológicos e ideológicos com base no estudo dos «Gosto» apostos nos posts do Facebook pouco tem de novidade. Todo o conhecimento médico e do funcionamento de mente e corpo é feito por análise estatística, mor das vezes bem mais difícil de interpretar que esta.
Como é possível tal ser autorizado? – é a pergunta de muitos. Porém, este comportamento é corriqueiro a todos os níveis desde há um bom tempo. É um jogo de enganos como qualquer outro.
Se durante a parte maior de sua vida alguém fez da profissão e cargos um empenho na construção dum serviço de saúde universal – apesar do exército multicor de detratores -, e, na altura de se tornar claro que a gestão livresca do reflexo dos recuos da economia, o atingiu com dureza, não pode ignorar essa ferida em órgão de primeira importância para o país e para si próprio. Fica chocado ao ouvir o «mentor» de tal «gestão» dizer sem pudor do Estado Social estar «agora melhor».
Há dezenas de anos, depois da independência na prática clínica, fiz Bancos de urgência em todos os feriados relevantes, como Natal, 15 de Agosto, Ano Novo, e fins de semana, durante anos a fio. Era já difícil conseguir médicos disponíveis em tais dias e, quem necessitava, em princípio de carreira, aceitava entrar no jogo até por ser bem pago. Os hospitais sempre deviam ter podido contratar médicos por ajuste direto para momentos críticos como estes. Obviamente, não é possível consegui-lo pagando a nove Euros por hora, diretamente ou através de empresas de recrutamento – aqui com pessoal de saúde, ali com professores de música ou psicólogos -, absolutamente dispensáveis. 
As pessoas influenciáveis pela voz La Feria no poder deviam pensar um tanto melhor quando se insurgem contra o pagamento um tanto mais justo a quem faz urgências em saúde, seguramente das práticas conhecidas por mais desgastantes, tanto mais se os atores deste filme são pessoas livres de quererem sujeitar-se ou não a tal suplício.
Dir-me-ão ser moralmente condenável o recurso a atestados para fugir a tais jornadas. Sim, concordo. Tanto como saber não estar nesse número marginal de supostos fingidores a explicação para o desacerto. 
Não tenho dados suscetíveis de provar serem evitáveis ou não as mortes devidas ao frio. Aconteceu efetivamente descerem perigosamente as temperaturas e subir a mortalidade em todo o lado onde tal ocorreu. Não se pode provar ser minorável o fator tempo nas mortes ocorridas nas esperas em serviços de urgência. Embora os números nos digam terem havido exageros de pouca sensatez para quem manda. Contudo, julgo ser inteligente prestar-se a devida atenção aos sucessivos alertas, honestíssimos e de interesse nacional, lançados pelos bastonários das carreiras, e particularmente o dos médicos, quanto ao enviesamento dos financiamentos da saúde. Onde o ministro, 
melhor gestor do que os seus colegas e superiores, faz o que lhe é possível.
Veja-se o caso de Leiria. O Centro Hospitalar está entre os cinco melhores prestadores de cuidados no país mas ocupa a 17ª posição na atribuição de recursos humanos especializados. Como ouvi a um reputado conselheiro de Obama há uns meses em Bruxelas, «o dinheiro pode não ser muito mas existe nesses países». Um grupo que incluía Portugal. Mas o objetivo último da política neoliberal é a deliberada destruição por dentro de tudo o que é público. Que lhes importa o Estado Social ou a TAP?
Pois bem, os estudiosos das estatísticas do Facebook escusam de se incomodar a catalogar-me. Sou, em definitivo, contra este rosário de embustes.
Henrique Pinto

Janeiro 2015 

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