Corrupção, eis a palavra «mais usada pelos portugueses em
2014» segundo a reportagem de algumas televisões, acompanhada pela concordância
de breves inquéritos de rua. Veio a saber-se, a origem de tal «caxa» estaria
num inquérito feito pela Porto Editora com base numa lista de palavras previamente
definidas, num questionário fechado. Quanto à validade científica de tal inquérito
nem uma observação foi referida.
Já o tanto se enfatizarem na comunicação social os casos de
corrupção, provada ou não, tem um enviesamento semelhante. Há anos ouvi um conhecido
escritor angolano, dos malquistos pelo regime de Luanda, responder à pergunta
insidiosa dum jornalista português. Dizia ele, «corrupção em Angola? Sim, mas
você conhece África?». Como quem diz, «se julga isto como o máximo, então vá
ver aqui ou ali e depois conta-me». Ora quem acompanhe de perto os noticiários internacionais ou conheça o mundo sabe o que são países intrinsecamente corruptos - onde tal comportamento tem
dois sentidos, da base para o topo e do topo para baixo -, e aqueles onde,
dentro da mediania ocidental, se encontra Portugal. O resto é empolamento de
manchetes.
Ora, só quem não conversa diariamente com pessoas de
pouca instrução, pobres ou não, urbanas e rurais, o grosso da nossa população, pode ignorar não ser corrupção uma palavra vulgarmente utilizada. É um termo eminentemente
urbano. E se pensarmos em «selfie», o segundo lugar da lista da editora citada,
então o universo é bem mais circunscrito. Curiosamente, não aparecem quaisquer alusões a austeridade, algo que feriu parte substantiva do país. Sabe-se há muito, títulos referentes à saúde ou a
sexo, por exemplo, são os mais vendáveis. Como corrupção o será de modo superior a
austeridade. Nem me atrevo a pensar se a orientação do inquérito foi esta ou
não.
Os responsáveis duma empresa de edição tão respeitada, caso
da Porto Editora, com um trabalho de décadas dedicado como nenhuma outra casa à
língua portuguesa, deveriam envergonhar-se por trabalho de tão evidentes vieses.
A quem superintende em informação pública será demasiado pedir um pouco mais de
rigor?
Janeiro 2015
Henrique Pinto
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