quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

EMBRIAGUÊS ERÓTICA

Explicava-me um dia uma colega psiquiatra a razão de muitos divórcios serôdios e pacíficos numa forma bem enviesada. Segundo ela os homens viviam esse período como «embriaguez erótica», no sentido usado por Roth em O Teatro de Sabbath, «buscam em cada corpo jovem a satisfação dos últimos anos de vida sexual ativa». Talvez haja alguma verdade nisso. Mas não será toda, de longe!
A libertação do princípio da culpa judaico-cristã (e mesmo muçulmana), própria das sociedades cosmopolitas, uma vascularização sensivelmente límpida, sem depósitos ateromatosos, apanágio duma alimentação mais saudável, a menos visível degradação física e psicológica das pessoas idosas, sobretudo urbanas, um erotismo como nunca visto nas relações do quotidiano (descurando talvez as alusões a Pompeia ou a Sodoma e Gomorra), as ajudas técnicas inerentes ao desenvolvimento farmacológico, podem levar a uma vida profícua no que ao sexo respeita, aproximada ou coincidente com uma longeva idade cronológica.

O ritmo circular da nossa vida física e intelectual alarga notavelmente o seu diâmetro a cada ano desta civilização se num ambiente favorável. Já o ritmo das 24 horas, dia após dia, o circadiano, é francamente de amplitude menos elástica. Nada é igual em alguém no minuto seguinte. Até um alimento comum é menos termogénico à noite que o é pela manhã. Daí o trabalho por turnos, vulgar nos dias de hoje, ser praticamente uma violência em todas as circunstâncias, e bem notório quando os intervalos entre as noites em atividade baixam aquém das 48 horas.
As modas são efémeras, costuma dizer-se. No entanto, há tendências de sempre apenas metamorfoseadas pela moda. Dos egípcios ao tempo dos faraós até aos aztecas, aos brincos femininos dos últimos séculos, ou piercings em lugares do corpo inimagináveis até recentemente, de jovens de hoje, as pessoas mudaram o seu aspeto exterior em jeito invasivo.  
Perguntava uma amiga, «Senhor Professor Doutor Henrique Pinto, fiquei interessadíssima nesta sua página. Li todos os artigos que o Senhor Doutor escreveu. Ao observar esta menina fisicamente perfeita (quase tudo fabricado), gostaria de perguntar ao senhor o que pensa dos implantes e "tratamentos" corporais do género. Agradeço desde já a sua atenção». Tratava-se da foto duma atleta esbelta a adornar o texto.
Pois como digo, nada tenho contra os implantes cirúrgicos. Sejam válvulas cardíacas ou mamas. Cada vez há mais homens e mulheres que os fazem. É um processo que tem evoluído ao longo da história da Humanidade de par com a estética e a cirurgia e adaptando-se à ética vigente. As potencialidades da medicina moderna permitem serem quase seguros do ponto de vista imunológico, infecioso e anatómico. Na perspetiva erótica os implantes mamários ou glúteos femininos funcionam mais ou menos bem quando as cirurgias foram bem feitas. Na ótica do sexual são, em muitos casos, um desastre absoluto.
Não obstante, um corpo como o questionado, não se constrói de implantes ou só de implantes. Faz-se com muito exercício físico – no caso tratava-se duma praticante frequente de atividades fitness -, ombros largos, ventre escorreito, e também com uma dieta adequada e sem preocupações de emagrecer com pressa. Aliás, fitness sem dieta e dieta sem exercício físico são emparelhamentos não funcionais. E fitness com os suplementos proteicos normalmente prescritos nos ginásios e lugares afins (quando muito toleráveis em alta competição e nunca a retalho), em verdade também não conduz a lugar algum de bom.
Há hábitos ou modas modificadores do ritmo da vida deletérios em grau superior aos tais procedimentos intrusivos. O envelhecimento ativo, incluindo as vertentes eróticas e sexuais, pode enriquecer advogados, mas, normalmente, nada têm de anómalo ou, quando muito, possui um peso ínfimo na génese comportamental citada.
Dezembro 2014

Henrique Pinto

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