Estive sempre doutro lado.
Em 1957 andava na escola primária em Santana, no concelho de Sesimbra. Era meu mestre,
recordo-me amiúde com saudade e emoção dos seus ensinamentos, o professor Amável,
felizmente vivo para nosso gáudio e sua satisfação por ver o Benfica na frente.
Mas não se julgue que me livrei dumas bofetadas em segunda-feira a seguir a derrota
do clube da sua estima. Não o lamento.
Acho graça. Olhe-se bem na foto dessa
altura, veja-se quantos eram os meus companheiros descalços. Sapatos eram um
luxo. Lamentos só quando se tem de ouvir, iletrados ou fanáticos, a exultarem com
a fartura e o espírito de tempos como esses.
Uns quinze anos depois em
Coimbra, certa noite, fomos observar (de vez em quando é preciso ver para crer)
a manifestação que os estudantes ultras da direita celebravam lá para o Penedo da
Meditação. Foi só chegar e dar meia volta. Perto de Celas o carro levou com uma
saraivada de pedras, estilhaçaram-se os vidros. Foi um desconsolo tão injusto.
Inspirei-me nos valores da
cultura em toda a vida consciente. A Embaixada da Hungria, como a da China,
Estados Unidos, Eslovénia, Itália, e várias outras, conferiram sempre muita importância
ao trabalho cultural que dirigi, mormente em Leiria, e convidavam-me para as
suas festas, invariavelmente muito pragmáticas em termos de conhecerem o feito
e seus intérpretes. Numa dessas noites, antes ainda de terminada a receção
magiar, a viagem até Leiria não era a fervurinha de hoje, saímos.
Vinham também
rua abaixo a apanhar o carro o deputado comunista António Filipe, e o social-democrata
Mota Amaral. Aquele pessoal do Alto de Alcântara, em Lisboa, bradava das
janelas, furioso e indignado, coisas como «fascistas, estão a comer à custa do
povo!». Sente-se a dor mesmo só na lembrança.
Pode agora alguém
orgulhar-se da sua Obra ímpar, mesmo quando o número de pobres no país mais
antigo da Europa, a pátria das Descobertas, rasa um quarto dos residentes. Está
no pleno direito à sua opinião. As pessoas educadas com visão menos «otimista» não
lhe atiram pedras nem insultos. Lamentam terem de ouvir semelhante voto de Ano
Novo. É mais rica e genuína, em conteúdo e forma, a mensagem daquela mulher
muçulmana pegando na mão do menino vestido de Pai Natal.
Em Roma não basta ser
romano, é preciso parece-lo. Eu prossigo na sina de me sentir bem em lugar
diferente. E os meus amigos estão em
qualquer partido. Ora quando assim acontece logo ganha caminho a desconfiança
no «gajo».
Dezembro 2014
Henrique Pinto
Sem comentários:
Enviar um comentário