Foi um privilégio indizível. Não o esquecerei até ao último
dos meus dias de pessoa consciente. Ter integrado a equipa alargada do
presidente de Rotary International Carl-Wilhelm Stenhammer, quase não tem
dimensão comparável mesmo em toda uma vida. Dizem alguns tal pertença ter
ocorrido por ele ser meu amigo. Bem, é meu amigo. Não obstante, o convite
foi-me feito depois de me ouvir discursar numa manhã chuvosa em Zurique. E não
me conhecia de parte alguma. Nem ele sabia ainda ir ser presidente. Mordam-se,
pois claro! Seu avô foi um compositor tão importante como Jean Sibelius, seu
contemporâneo e nado no mesmo torrão natal. E no entanto, no auge da era da
comunicação, quantas pessoas sabem disto? Muito poucas, podem crer-me.
Incluindo as que parecem já tudo saber.
Quando preparava a ação como presidente Carl disse-me ir
alargar a abertura de Clubes de Rotary na China e em Cuba. Falei-lhe na
reintegração de Macau na administração chinesa, e na situação de Hong Kong, uma
e outra áreas já com vários clubes. No caso chinês bastaria dizer-se ampliar o
número destas organizações locais de serviço ao Outro. Quanto a Cuba,
poder-se-ia sondar o discreto ressurgimento do grande Rotary Club de Havana, anterior
a 1959. Disso foi encarregue um grande amigo meu e de Portugal, um famoso
advogado sul- americano. Assim veio a acontecer, com evidente sucesso, mas só
no concernente ao oriente.
De forma peculiar o presidente George W. Bush logo tratou de
pôr fim à cooperação com Cuba no que respeita a medicamentos e material médico
(é generalizada a convicção de o embargo ser total, ideia errada), como medida
dissuasora. Uma tal privação resultou num incomensurável sofrimento agravado para
a ilha caribenha, só ressarcido no início do mandato do atual presidente
norte-americano. E no entanto Bush fora orador convidado, com Vicente Fox, o
presidente mexicano, para a abertura da Convenção de Santo António do Texas.
Não tenho o mais ínfimo rebuço ao dizer tê-lo aplaudido então. Depois disso,
bom, se ele não teve em conta o respeito devido pelas Nações Unidas, iria
retrair-se perante tão modesto compromisso solidário de Rotary, mesmo partindo
da entidade solidária não pública de âmbito mundial mais grandiosa? Quantas
pessoas conhecerão este episódio em toda a extensão? Muito poucas, podem
crer-me.
O anúncio feito ontem em Havana e Washington, em simultâneo,
por Raul Castro e Barack Obama, quanto ao relacionamento entre os seus países e
o fim do embargo, já era esperado. Não terá sido despicienda a discreta intermediação
de Francisco I, membro do Rotary Club de Buenos Aires até ao debutar do seu
pontificado. Aquando veraneante na ilha pela última vez falava-se com prudência
dessa possibilidade nos meios menos ortodoxos. A boa vontade e a cooperação
entre as nações corporizam um princípio intemporal de Rotary. Lobrigo-o nesta
decisão soberana. Aplaudo-a com efusão como a quase generalidade dos sul-americanos.
Mau grado Guantánamo estar em território da ilha, o equivalente à detenção
preventiva entre nós, neste Portugal empobrecido, e como tal ser muito
questionável, tão simbólico anúncio público representaria sempre para mim o desfraldar
da bandeira do humanismo e do respeito por todos os homens a drapejar
democracia adentro. Mesmo se fora de menor alcance. Este é um passo em frente
da Humanidade. Muito embora os marielitos
não deixem por isso de hostilizar os gringos.
Há coincidências felizes. «Ich bin ein berliner», «Eu sou um
berlinense», disse Kennedy ao discursar em 1963 frente ao Muro, em Berlim. «Todos
somos americanos», um remate auspicioso de Obama enquanto repicavam todos os
sinos das igrejas cubanas.
Dezembro 2014
Henrique Pinto
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