A verdade nem sempre é o
manto diáfano citado por Eça. Nem mesmo a fantasia que este possa cobrir.
«Adão e Silva, Pacheco
Pereira e Francisco Louçã, talvez também Paulo Baldaia e Pedro Marques Lopes,
são, a meu ver, os analistas/comentadores das televisões com maior rigor e
independência. Logo, tenho-os por os melhores. Pensa-se mais informado
e aprende-se com eles. Alguns deles, enquanto líderes ou membros de partidos,
até eram maçadores, o mínimo dizível. Quanto aos restantes, do prolixo Marcelo
ao Dinis do Observador, com tantos de permeio, são malabaristas maiores ou
menores das verdades, da palavra, do incidente, jogam em slalom como Di Maria, às vezes marcam golões, mas pouca instrução e
racionalidade se colhe do seu ofício».
Estas são as palavras dum
comentário que fiz a um post sobre o
voto de Pacheco Pereira.
Pouco me importa o Pacheco
das botas cardadas Porto fora dos anos setenta. Gosto dum analista inteligente,
mesmo se nalguma circunstância possa dele discordar. Há uns anos ele era, com
António Barreto, vedeta dum programa televisivo. Inquirido por um jornal, de
que eu até fora diretor, sobre personagens públicas de maior apreço no momento,
eu indiquei Pacheco Pereira. Quando o artigo saiu a minha resposta era apenas
um comentário marginal sem alusões a ninguém, enquanto o meu colega Cândido
Ferreira, e o meu bom amigo Henrique Neto, agora ambos concorrentes à
presidência da República, tinham uma resposta apologética duma personalidade
socialista, com um comentário milimetricamente semelhante.
Agora, no post em que refiro os comentadores políticos
de TV que tomo por os melhores, um bom amigo meu, companheiro em Rotary,
responde-me com um smiley eufórico e
as palavras seguintes.
«Nada tendencioso
Companheiro, nada tendencioso... receba um abraço».
Respondi-lhe com a mais
terna amizade mais ou menos assim:
«Nunca fui tendencioso meu amigo. Sabe-o muito bem e por isso o diz com
graça. Muitos dos meus doentes, dos meus alunos na universidade, dos meus
colegas médicos e professores, até dos Rotários, conhecem os dissabores que o
meu sentido de rigor me acarretou vida fora. Normalmente mando à fava e viro costas
a quem desse jeito me incomoda. Nunca me viu ou leu a vilipendiar a honra de
alguém, mesmo se das pessoas de quem não gosto. Mesmo se dos ultraliberais que
nos governam e o fazem bem longe da verdade. Aliás, o ultraliberalismo
económico não é apanágio duma única tendência ideológica, afeta tanto o grosso
do Partido Popular Europeu (quase banindo a social democracia), como o grosso
dos partidos socialistas europeus ou os sucedâneos maoistas da China, para não
ir mais além. Os tendenciosos não são necessariamente de esquerda ou direita, E
o seu
contrário também é verdade. Por exemplo, gosto de Marcelo, é meu
conterrâneo adotivo, mora a poucos metros donde vivi até rumar à universidade
de Coimbra, é pessoa da minha idade, seu pai foi provavelmente o ministro mais
aberto e proactivo de Oliveira Salazar, e, metaforicamente, quase podemos dizer
que os alicerces do SNS começaram com ele ao chamar a si colaboradores como os
professores Gonçalves Ferreira (secretário de Estado da saúde), ou Arnaldo
Sampaio (diretor geral de saúde), pai de Jorge Sampaio. Promovi vários
encontros públicos com ele e provavelmente será o nosso próximo Presidente da
República. Toda a gente gosta de o ouvir num momento ou outro. Mas rigoroso e
pedagógico em política, quanto ao dito em televisão, isso está bem arredado do
que penso. Analista rigoroso só se for no seu exercício de professor
catedrático ou na vida privada. Esta
evocação é apenas um exemplo do que existe
em todas as tendências políticas. Aceito gostosamente o seu abraço de amizade,
sabe que muito o prezo, tal como a seu pai, um homem que sendo um ícone da
solidariedade neste país, uma pessoa que também muito estimo, não alinha com tudo
o que luz, nem tão pouco com os nossos pares das almoçaradas e joguinhos de
poder. Temos de nos ver num destes dias se eu ainda andar por cá. Um abração».
Talvez seja azia mesmo, querida Mafalda.
Setembro 2015
Henrique Pinto
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