Numa fase intensa da vida,
era novo e fazia muita clínica, um dos meus utentes, o senhor Labaredas,
aparecia-me com os dedos grandes do pé ou os tornozelos verdadeiramente em
brasa. As dores fortíssimas davam-lhe jus ao apelido. Logo entrava dizendo – assemelhava-se
a Álvaro Malta quando fazia «propaganda» médica, cantarolava uma ária mal
aflorava à porta do médico -, «foram mais umas perdizesinhas, senhor doutor».
Bem podia eu reiterar-lhe ser melhor evitar a carne de caça, vísceras, peixes
gordos ou azuis e marisco. Pouco lhe importava manter ou não um regime com
leite e derivados, ovos, cereais, massas alimentares, verduras e hortaliça. Não
controlado o desejo o mais ambicionado era sempre o óbvio, aliviar as dores.
Henrique Pinto com Marion Bunch, de Atlanta, uma das líderes mundiais contra a SIDA, ora condecorada na Casa Branca
Na altura o processo
alimentar não era ainda condicionado pelos média ou empórios industriais, ao
contrário de hoje. Rareavam os profissionais mal informados a desaconselharem
isto ou aquilo com base em supostos artigos científicos.
Todavia, quantas são as
pessoas desesperadas com o glúten ou a lactose, por exemplo? São muitas. Aos
portadores de doença celíaca (intolerância ao glúten) é-lhes recomendado evitar
alimentos com glúten, desde farinhas de trigo, centeio, aveia e cevada, cereais
do pequeno-almoço (exceto arroz e milho), pão, biscoitos, bolaria, massas
alimentares e bolachas. Entretanto deve saber-se, é necessário recorrer ao
clínico ao verificarem-se, na criança ou no adulto, diarreias frequentes com
fezes moles e volumosas, alterações da barriga (distendida e saliente),
irritabilidade, perda progressiva do peso, anemia, baixa do
rendimento escolar, paragem do crescimento, ausência ou perturbações da menstruação
e, no adulto, baixa de fertilidade ou mesmo esterilidade. O drama pode atingir a paranoia ao atentar-se na provável
presença de glúten numa imensidão de alimentos, desde maioneses, salada de
tomate, enchidos e presunto, peixe congelado, espargos de lata, certos cafés
instantâneos, algumas verduras congeladas, a marcas de açúcar ou medicamentos. Mas
a frequência do fenómeno é baixa.
O exercício físico deve acompanhar um regime alimentar saudável
Situação idêntica é a da suposta
intolerância à lactose, doença provocada pela falta da enzima lactase,
transformadora do leite. Se na doença celíaca o glúten deve ser abolido da
dieta, aqui nada de mal ocorre se a quantidade de leite ingerida for pequena.
Também os queijos, curados ou frescos, e o iogurte são bem tolerados.
Então porquê o cisma
contra carnes vermelhas, sardinhas assadas (não há restrição científica alguma
contra o consumo razoável destes produtos), leite, alimentos com glúten (a moda
nos EUA), fruta e água, e por aí adiante, tanto por receio do cancro, como pelo
pavor de engordar? Para lá da iliteracia alimentar subsistem interesses piores
que o Cabo das Tormentas.
Henrique Pinto,
Professor Doutor
Médico graduado em
Nutrição Clínica
In Diário de Leiria
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