O Bispo fazia a prédica da janela da matriz antes da saída da procissão. Acolhia-o um silêncio de reverência. Não era difícil imaginar pelo ar tão terreno do discurso que defendia os padres da região de quaisquer críticas mais contundentes, a palavra de tão ilustre prelado é normalmente de consolo espiritual.
Havia moiro na costa. Não que se soubesse de assédio às mulheres bonitas e jovens, quase todas estudantes do superior. As citações maledicentes dirigiam-se mais para a quebra inopinada dos costumes, as «festas» populares teriam o seu cunho exclusivo, incluindo as «sopas» do Espírito Santo, funerais com acompanhamento só se o cura estivesse para aí virado, coisas cedo nem pensar que o sono faz falta. E até uma pequena história de laivos trágicos e hilariantes saltava das bocas. Ao ser baptizado um nascituro quase sufocara, foi premente levá-lo ao hospital tal o rio que sobre ele desabou em plena unção, de padre mais desastrado ninguém se lembrava.
Lia o jornal no avião e a notícia espicaçou-me, um funcionário camarário levanta centenas de milhar duma conta municipal e nem o banco, normalmente tão exigente em depósitos de cêntimos, nem a autarquia, se lembram das duas assinaturas de segurança.
Estava ainda longe de saber, um ano volvido, que o mesmo cura remodelou a casa paroquial, jacuzzi e outras mordomias não faltaram. O pecúlio recolhido pelos paroquianos a pensar na festa do padroeiro deu para pagar aos pedreiros e fornecedores de obra tão pouco espiritual. Quanto à festa logo se vê.
Bispo e autarca devem estar a pensar que nestas coisas o povo é mesmo soberano, e se há queixas é bom que sejam consideradas como objecto de estudo. Cautela e caldos de galinha, lembra o povo…
Henrique Pinto
Julho 2010
FOTOS: procissão; um curso recomendado ao chico-espertismo nacional, de qualquer índole; aos monges do Tibete não lembraria o Jacuzzi...
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