(…) Quando Cavaco Silva diz que se candidata em nome do futuro e da esperança, convém parar para pensar no assunto. Nos últimos vinte cinco anos, desde 1986, ele ocupou por quinze anos o cume do poder, apenas tendo de se submeter a um interregno de dez anos esperando que Jorge Sampaio terminasse os seus dois mandatos (…).
Nestes longos quinze anos de poder que já leva, Cavaco Silva passou dez como primeiro-ministro e dispôs de condições únicas e irrepetíveis maiorias absolutas, paz social, dinheiros europeus a perder de vista.
(…) quando saiu disse e escreveu que tinha feito todas as “reformas da década” e do futuro: da justiça, da educação, do fisco, da saúde, do financiamento da segurança social, da habitação, das Forças Armadas, das empresas públicas, da flexibilização do mercado
de trabalho e das finanças públicas. Palavra de honra que é verdade: ele garantiu que tinha feito tudo isto. E como sabemos, nada disso estava e está feito – e por isso é que chegámos à beira do precipício.
Nestes cinco anos que leva de mandato presidencial, Cavaco Silva recebeu um país com problemas sérios e entrega ao julgamento dos eleitores um país à beira da falência e não apenas financeira: também económica, social, educacional, jurisdicional, moral.
(…) Invoca a sua autoridade de professor de Finanças para dominar bem esses assuntos, mas de que serviu ao país, nestes cinco anos, o seu doutoramento acerca das consequências da dívida pública?(…) O seu grande trunfo eleitoral são, pois, os auto-elogios que tão generosamente dedicou a si próprio. Nada mais: não teve uma palavra sobre o país, sobre os tempos que se
vivem, sobre o que terá de ser feito e o que não pode continuar a fazer-se. (…)
Miguel Sousa Tavares
CONTAS FURADAS
(…)Tanto se esforçou por associar a sua recandidatura ao acordo para a viabilização do Orçamento, escolhendo a data a preceito, como explicou Marcelo Rebelo de Sousa e, afinal, saíram-lhe as contas furadas. Cavaco Silva é o primeiro Presidente que se declara candidato e, no dia seguinte, tem de convocar o Conselho de Estado para responder a uma ameaça de crise política. Não se pode dizer que seja o melhor começo.
A crise favorece-o porque, nos tempos de incerteza que aí estão, os eleitores tendem a agarrar-se ao que já conhecem. Por isso se percebe muito bem que invoque o trunfo da experiência. Mas nada está garantido. Muito menos quando o Presidente-candidato faz campanha contra si próprio em pleno discurso de apresentação. É o que acontece quando pergunta onde estaríamos hoje sem os seus apelos e alertas. Sabendo-se que
dificilmente poderíamos estar pior, esta é a fórmula mais eficaz para tornar claro o rotundo fracasso de tais alertas. (…)
Fernando Madrinha
GERAÇÃO CAVAQUISTA
(…) Quando Cavaco chegou ao governo de Sá Carneiro eu tinha 11 anos. Quando chegou a primeiro-ministro eu tinha 16. E durante dez anos, coincidindo com os primeiros anos da minha vida independente, vi uma das maiores oportunidades do século passar ao lado deste país. Rios de dinheiro desperdiçados e um modelo de desenvolvimento de pernas para o ar. Um país de patos bravos, esquemas, cursos, fantasmas, Oliveira e Costas, Dias Loureiro, Duarte Lima. E um primeiro-ministro que às perguntas difíceis respondia com bolo-rei na boca e à contestação com bastonadas.
Quando Cavaco saiu eu já tinha 26. No seu egoísmo estrutural, enterrou o seu partido por causa de um tabu. Perdeu as presidenciais porque o país ainda se lembrava do mar de escândalos em que se afogava o seu governo em fim de mandato. Quando finalmente foi eleito eu tinha 36. Foram cinco anos de um estadista pequeno, entre a paranóia das escutas que nunca existiram e a ausência nas cerimónias fúnebres do único Nobel da Literatura português. (…)
Daniel Oliveira
UM PAÍS PORREIRO
(…) Aqui chegados, ao modelo falhado, devíamos estar a arregaçar as mangas e a cavar um novo trilho, com gente nova. Certo? Errado. Cavaco Silva, que foi o maior responsável desse modelo falhado, recandidata-se como se nunca tivesse estado lá e confessa-se “triste” com a nossa crise; e o homem que o PSD arranja para a mesa das negociações com o PS, sobre este documento mítico que dá pelo nome de Orçamento, é o mesmo que conhecemos do tempo de Cavaco primeiro-ministro. Ou seja, um dos responsáveis. Entre Catroga e Teixeira dos Santos, descubra as diferenças. (…)
Clara Ferreira Alves
O PRESIDENTE ESTÁ TRISTE
«Sinto tristeza com a situação que vivemos» - esta frase do Presidente da República foi a manchete do Expresso na semana passada. Um homem triste é um chamariz para as mulheres, e mais de metade da população é do sexo feminino.
(…) a pessoa habitua-se à tristeza e depois já nada a espanta, nada a revolta, nada nela se move a não ser a embriagante obediência a essa tristeza, capaz até de a imunizar contra os problemas do mundo. (…)
Inês Pedrosa
FOTOS: Cavaco Silva, doutoramento em Iorque; Miguel Sousa Tavares; Cavaco Silva caricaturado por Gon; caricatura de Cavaco Silva; Fernando Madrinha; Cavaco Silva caricaturado por Nelson Santos; Cavaco Silva com Dias Loureiro; Daniel Oliveira; Cavaco Silva tomando posse como ministro das finanças no governo de Sá Carneiro; Clara Ferreira Alves; Cavaco Silva caricaturado por HenryCartoon em Carturing; Inês Pedrosa; Cavaco Silva em Esgares (publicação inglesa); Cavaco Silva caricaturado por Quino em Forum Tuga
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