Em medicina bem pode dizer-se que a tomada de algo de bom
(medicamento ou alimento) é sempre passível de acarretar algo de mau. Se a
máxima se pudesse generalizar (e não pode) a má política poderia sempre
fazer-nos crer que a fragilidade da situação de muitas famílias (entre nós há
uma imensa parte que não chegou a ser prejudicada) seria uma consequência da
sua boa governança.
Pensei nisto ao visitar a exposição de Paula Rego (em conjunto com
Bartolomeu Cid dos Santos, um exilado como ela, e Eduardo Batarda), na Casa das
Histórias em Cascais. Chamam-lhe «1961, A Ordem e o Caos». Lembro-me bem desse
ano, desses anos antes e depois. Muitos Homens e o País vogavam como náufragos,
perdidos, erráticos, acefalamente mudos, abúlicos e tristemente quedos mesmo se
espiritualmente inquietos. Sentimentos que emanam na obra exposta daqueles
artistas relativa a esse período.
Todavia, a abulia e indiferença dos dias que correm (e que nos
últimos tempos muita gente tem querido atribuir em exclusivo às políticas
europeias quando poucos anos atrás a tal estado aplicaria a causalidade unicamente
à gestão caseira), nada tem a ver com a privação das liberdades. Quem diria
que
a economia ultraliberal dos últimos tempos de Clinton, exacerbada por George W.
Bush, centrada na desregulação do mercado, e depois a ganancia desse escol de
jovens seguidores de Friedeman em Wall Street, intoxicaria tão francamente a
vida, a sociedade, a economia e a política, primeiro dos EUA e logo da Europa
do Estado Social? Quem estaria preparado para assistir ao advento dos novos
nacionalismos, à ascensão da xenofobia em metade da Europa? Será possível
continuarmos a olhar para o lado?
Maio 2014
Henrique Pinto
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