Ao ouvir uma entrevista televisiva à minha amiga Maria Inácia Rezola,
a propósito do seu último livro «25 de Abril, uma revolução», acorreu-me ao
pensamento a frase de Humberto Delgado sobre o ditador Oliveira Salazar,
«obviamente demito-o».
O general era um dos homens mais cultivados do seu tempo, ocupando
cargos e desempenhando funções da maior responsabilidade. Tinha sido um apoiante
ativo do golpe de Estado militar de 1926, que abriu caminho ao Estado Novo do
ditador Salazar, de quem foi um delfim predileto.
Curiosamente, deve-se-lhe o ter
protagonizado a maior esperança democrática para os portugueses 16 anos antes
de 25 de Abril, quando se candidatou à presidência da República em oposição à
situação política então vigente. Pois a população de Cela, aldeia do
concelho de Alcobaça, entendeu prestar-lhe uma importante homenagem
construindo-lhe vultuoso monumento, objeto de romagem quotidiana ainda nos dias
de hoje. Trata-se dum conjunto escultórico em dois blocos, em níveis diferentes
do terreno, separados por perto de cem metros.
Satisfaz-me quando vejo os jovens de hoje a conhecerem o mundo,
mesmo em muitas situações mais críticas de emigração, forçada pelas circunstâncias
envolventes. Fico sempre esperançoso quanto aos possíveis resultados positivos
para o país dessas vivências noutros contextos.
Humberto
Delgado é a tal respeito um dos exemplos mais notáveis. Em 1952 foi nomeado
adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do
comité dos Representantes Militares da NATO. Promovido a general na
sequência da realização do curso de altos comandos, passa a Chefe da Missão
Militar junto da NATO. Quando voltou a Portugal foi nomeado Diretor Geral da
Aeronáutica Civil.
Todavia,
os cinco anos que viveu nos Estados Unidos modificaram substantivamente
a sua forma de encarar a política portuguesa. Convidado por opositores ao
regime de Salazar para se candidatar à Presidência da República, contra o
candidato do regime, Américo Tomaz, aceita, reunindo em torno de si praticamente
toda a oposição ao Estado Novo.
Existe
a convicção generalizada de ter havido manipulação dos votos e daí o fato de ter
perdido as eleições. Viveu a partir desse desfecho escorraçado pelo poder – que
o levou ao exílio – e ostracizado pelos comunistas na diáspora, por quem nunca
se deixou instrumentalizar.
Torna-se a partir daí num herói romântico muito
ativo no fomento ou patrocínio de ações importantes para mudar a política
portuguesa. Por via da coragem que manifestou ao longo da campanha eleitoral e perante
a repressão da polícia política – às mãos de quem foi assassinado -, ficou
conhecido como o «General sem Medo». Lembro-me perfeitamente do profundo
impacto que as ações policiais lograram junto da população descontente. Refiro
muitas vezes este epíteto vigoroso quando saúdo publicamente o seu neto, meu
bom amigo, o compositor Alexandre Delgado.
Maio de 2014
Henrique Pinto
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