No final dos anos setenta, nos tempos de Londres,
jantava no East End em casa dum amigo, jornalista do «The Sun» a trabalhar em
Portugal a 25 de Abril - depois ficou meses -, quando um dos convivas alvitrou,
«estavas no país mais livre do mundo nessa altura». É verdade, sinto-o como tal
ainda hoje, irrepetível e belo, sem ódios, o povo desconhecido a entrar pelo
écran da televisão, ofegante, mal vestido e pobre, democracia representativa
por excelência, mesmo se nos limites da anarquia.
A 21 de Abril de 74, ao fim do dia, cheguei a Coimbra,
escaldavam-me os lábios com a certeza e a mente com a dúvida. Ponderada força e
credibilidade da informação com os companheiros de casa, a perturbação
espiritual manteve-se por mais três dias. Amigo do peito bem informado
dissera-me no Café Brisa, em Cascais, à hora da bica, «é nesta semana pá».
Confirmou o estar por dentro de Abril ainda há uns dias na TV. Durante anos os
setores políticos olharam-me com o maior respeito, «o gajo sabia!». Mas então
como é possível que Marcelo Caetano o ignorasse, já que a sua polícia política
– ossatura dum dos regimes mais opressivos de sempre, prendeu gente na tarde de
26 em Coimbra e fez três mortos em Lisboa -, o desprezou por inteiro? Vê-se na
angústia dos últimos escritos, suas convicções nunca foram as da democracia mas
tinha a noção clara da queda a prazo do regime, o mundo estava contra nós, como
aconteceu.
E se de tão importante que foi esse respirar
livremente, não tardaria a ter constrangimentos, os menores dos quais não terão
sido o enquadramento dos cidadãos por fações não interpenetráveis, como no
filme de ficção Divergentes, marcou de forma perene e indelével a vida da
juventude que tal ar sorveu.
Abril 2014
Henrique Pinto
Texto in Suplemento Diário de Leiria
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