Ando
muitíssimo distraído. Só não me preocupa por aí além dado ter-se a situação como
normal nesta fase de evolução da minha convalescença.
Neste
fim-de-semana li de um fôlego o magnífico livro Em Movimento, Uma Via, de
Oliver Sacks, falecido em 24 de Agosto último. São da sua pena, entre muitos
outros livros e textos, obras como O Homem Que Confundia a Mulher com Um Chapéu,
Despertares (lembremo-nos do belíssimo filme com Robert de Niro e Robin
Williams), Musicofilia ou O Olhar da Mente (todos publicados na Relógio d’Água).
Oliver Saks condecorado pela Rainha Elizabeth
Em finais do
ano passado, aquando estive nos Estados Unidos em trabalho, aproveitei para uma
vez mais visitar alguns dos bons e velhos amigos. Foi assim que estive com
Oliver Sacks, que sabia enfermo. Tencionava convidá-lo novamente a palestrar em
Portugal. Mas o ilustre neurocirurgião, investigador, matemático, músico, escritor
e motoqueiro, declinou em absoluto tal possibilidade. Dizia-me que o seu cancro,
um Melanoma da coroide, tinha metastizado, e que julgava durar até ao Natal de
2015. Desejava completar entretanto uma série de projetos que tinha em mente.
Ao que parece, terá conseguido o seu desiderato.
Oliver Saks com Robin Williams durante a rodagem de Despertares
Em Movimento
é uma autobiografia por onde perpassam todos os avanços significativos do
estudo do cérebro e também da consciência desde o século XIX. A Obra tem um
ritmo mais acelerado no seu último terço, onde Sacks se estuda a si mesmo, porventura
intuindo a megera a rondá-lo. Vejamos um trecho disso mesmo.
«(…) Em
Setembro de 2009, ao fim de três anos de tratamento, a retina do meu olho
direito, fragilizada pela radiação, sofreu uma hemorragia, cegando-o por
completo (…).» «Privado da visão binocular, eu tinha agora muitos e incapacitantes (mas por vezes
arrebatadores!) problemas com que me defrontar – e que investigar. Esta perda
da visão estéreo não representava apenas uma lamentável privação para mim,
enquanto estereófilo apaixonado, mas revelava-se amiúde também perigosa. Sem a
noção de profundidade, os degraus e os lancis dos passeios apareciam-me como
meras linhas no chão, e os objetos distantes pareciam estar no mesmo plano que
os mais próximos. Com a perda do campo visual no meu olho direito tive muitos
acidentes, colidindo com objetos ou pessoas que pareciam surgir de súbito à
minha frente vindos do nada. E eu não estava apenas cego fisicamente, mas
também mentalmente do lado direito.» (…) «Essa negligência unilateral, como os
neurologistas lhe chamam, ocorre normalmente na sequência dum AVC ou de um
tumor na região visual ou parietal do cérebro. Para mim, enquanto neurologista,
estes fenómenos eram particularmente fascinantes, pois forneciam um espantoso
panorama dos modos como o cérebro funciona (ou disfuncional, ou deixa de
funcionar) se o input sensorial é
deficiente ou anormal.» (…)
É assim que o
investigador, homem brilhante no terreno e na teoria, fazedor de milhares de
Estudos de Caso clínicos, de doenças raras, concentra na análise das suas
próprias emoções enquanto doente, a validação das teorias dos feixes de
milhares de neurónios interligados para um único estímulo/resposta, organizados
em “mapas” que interagem continuamente (teorias de Edelman, Nobel da Medicina e
seu amigo).
É um livro
com um universo de leitores muito para além dos médicos interessados pela ciência.
Henrique Pinto
25 de
Outubro 2015
Halterofilismo do duro, paixão de quando rumou à America em 1960
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