domingo, 29 de junho de 2014

CLAUDIO ABBADO E QUIM BARREIROS

A tolerância no sentido mais vulgar é prática que não me seduz. Posso cumprimentar toda a gente com a maior franqueza. Mas conviver com ladrões, de carteiras ou de ideias, velhacos, parasitas, más-línguas, chulos ou chicos-espertos, deixo isso para quem gosta.
Conheci autarcas, professores que não os meus, diretores e ex-diretores disto e daquilo, que jogavam a sua afirmação no social impondo-se no
contrariar quem trabalhava honradamente e com sucesso. Comigo em ação não sei se alguém se poderá gabar de o ter conseguido. Deixei esse universo de empenhos e nada me custa a crer que outros prossigam nesse desejo mínimo de tudo fazer com pouco esforço. Basta-lhes denegrir o construído. Desmontar o relógio é fácil, no remontá-lo é que está o busílis.
Não é necessariamente bom líder quem muito perora sobre liderança. Quando a maquinaria e a eletrónica não imperavam era possível a um bom sapateiro fazer maus sapatos. Pois há sempre momentos menos bons em todos os percursos. Mas se o tal artífice repetisse a cena duas, três vezes, o 
logro estaria entre quem o considerou como «bom». Só a pressa em querer fazer melhor, por inveja normalmente, leva tais artesãos pelos caminhos da facilidade e do banal, conservador. Não se pode ser clone de Cláudio Abbado e de Quim Barreiros ao mesmo tempo.
Henrique Pinto
Junho 2014

quarta-feira, 25 de junho de 2014

O CASO TUSKEGEE, ABORDAGEM ÉTICA

Introdução 
A análise do ponto de vista ético da Caso Tuskegee, conhecido em 1972, escândalo sobre um estudo absurdo, nos EUA até então secreto, afigura-se fascinante. Esta história tenebrosa envolveu 400 pessoas de raça negra portadoras de sífilis, que deixaram de ser tratadas com o objetivo de ser observada «a evolução natural da doença». E isto apesar de já haver tratamentos eficazes para a sífilis desde 1943, com a descoberta da Penicilina. Impõe-se-me ao expô-la que faça o meu próprio enquadramento teórico da tríade ética, moral e deontologia, e uma breve resenha histórico-concetual.
Ética e Moral 
As ideias Ética e Moral na linguagem comum aparecem muitas vezes fundidas. Todavia, no contexto filosófico, estes conceitos ganham significados diferentes. Os termos possuem origem etimológica bem distinta. A ética (vinda do termo grego «ethos», que significa «modo de ser» ou «caráter»), aparece associada ao estudo fundamentado dos valores morais que orientam o comportamento humano em sociedade. A moral (com origem na palavra latina «morales», a significar «respeitante aos costumes»), engloba os costumes, regras, tabus e convenções estabelecidas por cada sociedade. Ética é assim um conjunto de conhecimentos extraídos da investigação do comportamento humano no intuito de explicar as regras morais de forma racional, enquadradas nas asserções científicas e teóricas. Pode dizer-se ser uma reflexão sobre a moral. Esta é o acervo de normas aplicadas no quotidiano e usadas continuadamente por cada cidadão. Essas normas ou regras orientam cada indivíduo, norteando as suas ações e os seus julgamentos sobre o que é moral ou imoral, certo ou errado, bom ou mau.
No sentido prático, no senso comum, a finalidade da ética e da moral é bem semelhante. São ambas responsáveis pela construção das bases que vão guiar a conduta do homem, determinando o seu caráter, altruísmo e virtudes, e por ensinar a melhor forma de agir e de se comportar em sociedade.
Também é verdade que, diferindo concetualmente da moral, como vimos, a ética não deixou de sofrer influências morais, designadamente bíblicas, como por exemplo de Os dez mandamentos, ou o Decálogo, de Moisés, do Antigo Testamento.
As abordagens à ética, desde A Ética a Nicómaco, de Aristóteles, centrada nos princípios básicos da Justiça (legal ou igualitária, distributiva) e da amizade, têm-se enriquecido ao longo dos tempos, com os notáveis contributos de Stuart Mill e Kant e de vários outros pensadores já do século passado.
Sendo que o primeiro destes (1724-1804) assentava as suas opções nos princípios do dever de respeitar a Lei moral (categórico) e na Boa vontade de cumprir o Dever moral, Mill (1806-1873) apontava para o «Greatest happiness Principle» (o grande princípio da felicidade). Em 1803 o inglês Tomas Percival apresentou um Código de Ética Médica que teve imenso sucesso. É com base nesse texto que a Associação Médica Americana apresenta quarenta anos mais tarde as suas bases éticas para o exercício da clínica. Aqui, os fundamentos da ética médica (e mais tarde da Bioética), assentam sobre quatro pilares: autonomia; beneficência; não maleficência e Privacidade.
Quanto à Autonomia reconhece-se aos doentes o  deverem ter capacidade e o estarem cientes para aceitarem os procedimentos e atitudes médicas. O princípio da Beneficência defende o agir em benefício dos outros, o não causar o mal do doente ou a obrigação de maximizar-lhe os benefícios possíveis. A Não Maleficência, o princípio do não ferir alguém através do «modus operandi» da profissão médica ou a obrigação de não infligir dano intencional, aquando do tratamento, foi por demais tratada por Hipócrates (cerca de 430 anos ac). É esse o sentido da célebre citação Primum non nocere (o princípio do não ferir) que lhe é atribuída. No seu livro Epidemia diz claramente «Pratique duas coisas ao lidar com as doenças; auxilie ou não prejudique o paciente»
O Juramento de Hipócrates, hoje universalmente institucionalizado para na habilitação prática da generalidade dos médicos, insere obrigações de Não Maleficência e Beneficência. Quanto ao Princípio da Privacidade dele se infere o imperativo da limitação do acesso à informação respeitante a uma dada pessoa, do acesso à pessoa e à sua intimidade. São comummente admitidas exceções como por exemplo  nas Doenças de Internamento Compulsivo, nos maus tratos em crianças e adolescentes, no abuso de cônjuges ou idosos ou quanto a ferimentos, nomeadamente por armas de fogo.
Prova Quádrupla
Uma das declarações relacionadas com a ética profissional mais conhecida mundialmente é a Prova Quádrupla de Rotary International. A prova foi criada pelo rotário Herbert J. Taylor em 1932, quando assumiu a direção de uma empresa de Chicago, a Club Aluminium Company, com o objetivo de salva-la da falência. Ele escreveu um código de ética para ser obedecido por todos os empregados da empresa. As perguntas da Prova Quádrupla devem ser do conhecimento hodierno de todos os membros da organização, e por eles obedecidas.  Mas é compreensivelmente extensível a toda a prática dos homens, et pour cause, no âmbito da saúde.  
Vejamos. Daquilo que nós pensamos, dizemos ou fazemos: É a Verdade?; É Justo para todos os interessados? Criará Boa Vontade e Melhores Amizades? Será Benéfico para todos os interessados?
Os dez princípios das Nações Unidas, consubstanciados em várias convenções como A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais (1998), a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente (1992) e a Convenção da ONU contra a Corrupção (2009), introduziram normas éticas respeitantes aos direitos do homem e da criança, ao mundo do trabalho, ao meio ambiente e no combate à corrupção.
O acelerado desenvolvimento científico e tecnológico tem-se confrontado com ausência de políticas públicas eficazes, a deterioração dos serviços de saúde, relações de trabalho inadequadas e deficiências do ensino médico. E cada vez mais é necessário, tanto nas práticas de saúde, da prevenção ao tratamento, como na investigação, essencial ao progresso destas, buscar nos princípios intemporais da ética e nas suas visões mais recentes, a inspiração para boas práticas e resultados que tenham em conta o domínio alargado dos Direitos do Homem.
É assim que, no concernente à investigação em saúde, e ao direito a um tratamento justo e equitativo dirigido ao investigado, em todos os instantes, deve consubstanciar-se na prática toda a trajetória concetual da ética, a saber: Dignidade; Privacidade; Beneficência; Justiça; Legalidade; Não maleficência; Cientificidade; Autonomia; Verdade; Boa vontade
Deontologia
Deontologia é um conceito que integra a filosofia moral contemporânea, significando ciência do dever e da obrigação. Trata-se, pois, dum tratado dos deveres e da moral. É um vasto campo teórico e prático, pragmático mesmo, sobre as escolhas dos indivíduos, ou o que é moralmente necessário e útil para orientar o que realmente deve ser feito.
O termo Deontologia foi criado no ano de 1834 pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, para falar sobre o ramo da ética em que o objeto de estudo é o fundamento do dever e das normas. Com o decorrer do tempo a generalidade das profissões liberais adotou esta «Teoria do Dever», conjunto de princípios e regras de conduta ou deveres de uma determinada profissão, ou seja, a assunção que cada profissão dever ter a sua deontologia própria para regular o seu exercício, e de acordo com o Código de Ética de sua categoria, ou seja o seu próprio Código Deontológico.
Já Kant dera o seu contributo para a Deontologia, uma vez que a dividiu em dois conceitos: razão prática e liberdade. Para este pensador, agir por dever é a maneira de dar à ação o seu valor moral; e por sua vez, a perfeição moral só pode ser atingida por uma livre vontade.
Mesmo que o Código de Nuremberga, em 1948, tratasse já das investigações biomédicas em seres humanos, foi nos anos 60 que se tomou consciência do fato dessas mesmas investigações
biomédicas colocarem uma nova e imensa quantidade de problemas. Obstáculos que deveriam ser observados adequadamente à luz da ética em qualquer sociedade democrática.
Em 1972 André Hellegers cria o Instituto Kennedy de Bioética, na Universidade Georgetown, em Washington, EUA, tornando-se esta a primeira instituição acadêmica a recorrer à nova terminologia.
Perante o escândalo Tuskegee o Congresso Americano criou a «Comissão Nacional para Proteção dos Seres Humanos no Campo das Ciências Biomédicas e do Comportamento». Em 1978, essa mesma Comissão publicou o «Informe Belmont», estabelecendo diretrizes para a proteção dos seres humanos sujeitos de experimentações em Biomedicina, baseadas em três princípios essenciais da ética: autonomia, beneficência e justiça.
O escândalo Tuskegee 
Na segunda década e nos anos 20 do século passado a sífilis era endémica em vastas regiões dos EUA. Ao tratamento muito longo, à base de bismuto e mercúrio, exigindo pelo menos umas 20 consultas por ano quando o cidadão vulgar tinha dificuldade em pagar cinco dólares que fossem apenas por uma, atribuíam-se efeitos tóxicos e baixos índices de cura. Ainda muito antes do crash económico de 1929 o governo dos EUA, sem um serviço de saúde estruturado e já aliviado da pressão das necessidades de recursos humanos saudáveis para a guerra na Europa, retira todos os fundos federais para o tratamento das doenças venéreas. O governo, confrontado com a endemia persistente e a carestia de meios financeiros, na sequência do crash, recorreu anos mais tarde ao mecenato da Fundação Rosenwald para acorrer ao tratamento dos doentes com sífilis. Mas este mesmo fundo viria anos depois a retirar-se deste apoio alegando razões económicas idênticas.
É então que os médicos Talaferro e Vondelehr decidem continuar a acompanhar a evolução dos homens que não tinham sido tratados para a sífilis, mas sem tratamento, em regime que, se não observados os princípios da ética médica conhecidos à altura, consubstanciava grave ofensa a tais princípios.
Eugenismo
É premente realçar que por estes anos do caso Tuskegee o eugenismo era pensamento dominante entre a classe médica, desde os EUA a Inglaterra e à Alemanha, aqui ganhando contornos sinistros e também mais divulgados. Na verdade, desde finais do século XIX até ao estertor da segunda guerra mundial, este ideário teve uma posição intelectual  hegemónica, com versões diversas, abrangendo praticamente a totalidade do espectro político. O eugenismo é a doutrina que defende uma melhoria qualitativa, biológica, «natural», da população. Os mecanismos podem ser «positivos», pelo fomento da reprodução dos «mais aptos», ou negativos, pela incapacitação dos «menos aptos» para se reproduzirem. Os seus antecedentes são, em geral, todas as especulações pseudocientíficas da desigualdade humana, que justificam as pessoas conforme o que convenha ao conjunto social ou ao Estado.
A violação de todos os princípios éticos, deontológicos e morais
Ao não serem informados os doentes que se estava então a proceder a um estudo e não ao tratamento da enfermidade, para além da fraude, eventualmente passível de ser catalogada como ação dolosa, punham-se em causa os princípios éticos da Autonomia, da Dignidade, da Verdade, da Justiça, da Legalidade, da Beneficência e da Utilidade, além de estar longe de se criarem Boas vontades.
As populações alvo eram francamente débeis do ponto de vista económico e de literacia, aceitavam o suposto tratamento em troca dum prato de comida mais que tentador. Para que a adesão dos investigados fosse ainda mais favorável, o administrador do projeto Tuskegee, Motin, terá mesmo concordado com a sua continuidade na condição de ele integrar profissionais negros (à altura ainda imperava a segregação racial, inclusivamente com Faculdades por raça). O fim último desta condição exigida seria reforçar as possibilidades de empatia com os sujeitos estudados, onde preponderavam os negros. Uma dessas profissionais terá mesmo conseguido uma adesão das famílias, até 1952, para serem feitas quase 100% das autópsias.
Atente-se que nesta altura, não apenas existia tratamento para a sífilis, desde 1945, como já eram conhecidos, pela imprensa e pelo impacto a todos os níveis dos Julgamentos de Nuremberga (de novembro de 1945 a outubro de 1946) sobre o nazismo e as atrocidades da experimentação médica forçada nos campos de extermínio. Também os EUA, recuperados financeiramente da crise de 1929, materializavam em 1948 o Plano Marshall de ajuda financeira à recuperação da Europa no pós- guerra. Nada justificava financeiramente uma situação penosa como a deste «estudo».
E mais, mesmo sem estarem ainda instituídas Comissões de ética para a investigação médica (embora o assunto fosse já alvo de artigos científicos), que pudessem autorizar ou vetar o «estudo», foi possível saber-se que logo nas primeiras intervenções invasivas o grosso dos doentes se recusou a aceitá-las (foi feita apenas uma punção lombar em 20 anos), o que deveria ter sido suficiente, sem descontextualizar o conhecimento, para, ética e cientificamente, impedir a prossecução do «estudo».
É fácil concluir que os sujeitos «observados», para mais pessoas vulneráveis, foram submetidos a danos seguramente previstos, logo evitáveis. Em 1947 todos os sujeitos de experimentação «continuavam sem receber tratamento por decisão formal do grupo de pesquisadores». É de crer que estes mesmos sujeitos não tenham recebido a mais ínfima informação sobre os riscos e eventuais benefícios neste processo.
Estão pois em causa outros tantos princípios da ética, designadamente o da Cientificidade (ausência de qualquer prática de rigor, inutilidade absoluta do «estudo», com resultados muito duvidosos do “follow up” e admissíveis falsas conclusões), da Não maleficência (existem «feridas» de vária natureza, física e espiritual), da Dignidade (o ultraje do prato de comida e do funeral pago), da Justiça, da Utilidade e da verdade (inclusive com o recurso à falsa empatia para garantir pelo embuste o “compliance” com um estudo fraudulento), e tanto mais quanto a doença era passível de cura em boa parte desse período e os serviços de saúde pública americanos dispunham de unidades próprias para tratamento desde o final dos anos vinte.
Investigação baseada na evidência e na ética
A partir do momento em que qualquer investigação inclua o ser humano como «objeto» de estudo, seja um ensaio clínico ou um estudo de natureza epidemiológica, ela carece de ser previamente exposta ao Parecer das Comissões de Ética específicas. Há passos fundamentais a serem observados neste caminho, designadamente:
- Uma declaração quanto ao tipo de estudo a empreender
- Uma explicação dos propósitos da pesquisa, mormente quanto à duração esperada da participação do sujeito na mesma
- Uma descrição exaustiva de riscos e constrangimentos razoavelmente previsíveis
- Uma descrição dos benefícios para os sujeitos de previsibilidade dentro do razoável.
- Uma declaração quanto ao anonimato e confidencialidade e dando conta de a participação ser absolutamente voluntária.
Juntando conhecimentos adquiridos da informática aplicada à medicina e da investigação epidemiológica, a medicina baseada na evidência tem como objetivo major o doente. Assim, na análise do conhecimento emergente, previamente ao seu uso terapêutico, à medicina baseada na evidências importam os ensaios clínicos, aleatórios, com o recurso a grupos de casos de controlo e a amostras de tamanho adequado, estatisticamente de comprovada validade interna e externa. Tal como tem de ser clara a validade clínica. As variáveis de «outcome» têm de ser isentas de qualquer ambiguidade. Quando os ensaios clínicos apresentam conclusões não coerentes, à medicina baseada na evidência impõe-se  o socorrer-se da revisão sistemática, a metanálise, que é tratada com as técnicas próprias da estatística. O recurso a tais instrumentos de investigação confere maior objetividade, caráter deontológico e ética à utilização na clínica dos tratamentos estudados. É uma norma incontornável das sociedades pós-modernas.
Henrique Pinto

Junho 2014

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O PAÍS QUE AÍ VEM

Caros Amigos: 
Talvez para colocarem a ilustração,  omitiram a parte final do ponto 2. do meu artigo no Expresso de hoje (imperdível, claro...),  ficando assim sem perceber qual é a «outra manifestação  assustadora». 
Envio o texto completo, gostaria que o lessem. Se não o que ficarão a pensar da minha cabeça?... 
1. O flagelo do «partido»  único das «ciências» da educação que domina o ensino  praticamente desde o 25 de Abril, não vitimou apenas os alunos, enganando-os sobre  a função da escola e a vida,   embotando inteligências e vontades. Atingiu também os professores,  instrumentos e vítimas,  bode expiatório  dos resultados escolares anos e anos  a piorar. E  contagiou  os pais, frequentemente barreira  à mudança na educação. Uma  manifestação expressiva  da situação a que esse  flagelo, facilitista e infantilizador, conduziu  é  a   choradeira de muitas  mães por causa do suposto   stress dos meninos com os  exames. Exames de caca, registe-se. 
Muito pelo contrário, o que tem faltado é um  mínimo de  exigência, de exames a valer. Exames que no estado a que o ensino chegou são instrumento incontornável de regulação e construção da escola, que é natural e desejável  induzirem nos alunos e nos professores empenho e preocupação, e mesmo um saudável stress. Professores que  é urgente libertar, isso sim, de um outro stress, esse bem nocivo, o da burocracia cretina com que foram sendo asfixiados. Burocracia que este Ministro ainda não... implodiu.
E o regime de exames imperativo na nossa escola é, evidentemente, diferente do praticado nas escolas  responsabilizadoras  de sociedades como o Japão, Finlândia ou Macau, com professores  formados a sério e motivados e famílias com outras características culturais. É esta evidência que o especialista da OCDE que recentemente se referiu aos exames em Portugal devia perceber, não esquecendo a sábia asserção de Marx quanto à necessidade da analise concreta da situação concreta. São generalizações  dessas que contribuem para
 perpetuar as desigualdades entre os países, impondo aos mais atrasados um queimar de etapas que só agrava a situação de partida. O que se passou na educação em Portugal é prova disso.  Só depois das mudanças introduzidas  por Justino e reforçadas por Sócrates se terá manifestado progresso nos resultados dos alunos portugueses  nas provas comparativas internacionais. Progressos verificados  só depois dessas mudanças, num dos testes  com alunos apenas com quatro anos de escolaridade. Depois de em todos os anos anteriores os resultados terem sempre piorado. Bastaram, aliás,  uns examezinhos para se perceber que os resultados estão a  melhorar. Por isso  a agitação  da FENPROF, das associações de professores de Matemática e de Português, de associações de pais, que pais? 
2. Mas há  outra manifestação  assustadora dessa mundivisão  pós-moderna (com que a nossa velha cultura tão bem se dá) de que a educação que temos tido  foi ponta de lança e modelo. Manifestação  que os média tem reportado com silêncio crítico, como se não se tratasse da obscenidade que na verdade é. Situação  de que a exigência e os  exames,  se persistissem,  seriam  factor de cura.
Alguns títulos do Expresso:
"Em 2013, pelo menos 5 mil crianças e jovens tiveram pela primeira vez acompanhamento por depressão. Consultas subiram 30%"; "Mil embalagens de antidepressivos e ansiolíticos receitados no ano passado a adolescentes entre os 12 e os 19 anos"; "Bebés também ficam deprimidos. Na Estefânia foram atendidos 20 em 2013"; "É urgente aumentar camas de internamento".
Para quê as campanhas do Dr. Francisco George? Prevenção da toxicodependência, para quê? Não está, afinal,  em curso uma  sementeira para o consumo de todas as drogas? 
Nos anos que aí vêm que  País irá ser o nosso?
Guilherme Valente
Editor Gradiva
Junho 2014
PS. Estou de acordo, na generalidade, com o dito aqui pelo meu amigo Guilherme Valente, conhecedor profundo dos temas de ensino. Mas tenho de lhe lembrar, até porque não preciso de bajular nenhuma das pessoas que vou referir, que o Dr. Francisco George (que me sucedeu em Brazaville na Organização Mundial de Saúde), é um qualificado homem de ciência, e, seguramente o melhor Diretor Geral de Saúde em Portugal desde sempre, de par com o mui saudoso amigo Professor Arnaldo Sampaio (pai do Dr. Jorge Sampaio), e nada tem a ver com esse tipo de «campanhas» que refere como noticiadas pelo Expresso (também o leio desde o primeiro número)
Henrique Pinto

domingo, 22 de junho de 2014

UM DESÍGNIO DE VIDA

Numa curva da estrada sobre as dunas – a mesma que Raúl Brandão enalteceu nos seus roteiros –, ela lobrigou a mancha azul no horizonte pela brecha aberta dos pinheiros cortados. E suspirou tão fundo e doce, um som de ânsia quase só para delícia dos deuses. Estava à vista do Mar. Se os evolucionistas - mais 
racionalistas que quaisquer bíblicos - defendem a primeira fase dos seres vivos como organismos marinhos depois emancipados já em terra, ela vivera metade da vida na ilha do sonho e de sonhos e também aí se fizera gente. Contei-lhe nesse dia da minha leitura de O Mar, de Fernando Pessoa, num dez de Junho da mais tenra infância no Castelo de Sesimbra, lançado pelo querido professor Amável. Também ganhei de 
meu pai idêntico gosto pelo mar, quase como se uma adição incurável. Faço todas as semanas em passo largo o paredão de Cascais. Todos os domingos rodo no mesmo trilho de Brandão. E não há cidade
alguma, de mar ou rio, planeta fora, onde eu me tenha privado de navegar. Disse isto mesmo a esse grande homem das veredas do mundo, o Gonçalo Cadilhe. Confirmou-me, envergonhado, o quanto a sua adrenalina se exercita pelo deserto e nos oceanos. É com certeza um desígnio de vida.
Junho 2014 
Henrique Pinto

terça-feira, 17 de junho de 2014

CRISTIANO E COSTA

Cristiano Ronaldo e António Costa encorpam todas as esperanças da maior parte dos portugueses. São ambos pessoas de superior inteligência e têm por demais capacidade para altíssimos voos nos seus ministérios. Todavia, fiquei farto de ver e ouvir na imprensa falada e escrita, durante uma eternidade, «vamos ganhar, temos o melhor do mundo». Dado o menor
impacto da política, Costa ainda não passou por uma tal idolatria tonta. Mas se qualquer destas personalidades é merecedora de grande apreço, o seu esforço é assaz notável como deve ser o reconhecimento público, torna-se bem perigosa a circunstância de as pessoas (e até mesmo a equipa de Cristiano) se demitirem da sua quota parte enquanto cidadãos participativos no coletivo. Tal como por longo tempo se eximiram a abrir a boca, embalados pelo latim dum rapazola versado em ler «contracapas de livros sobre o neoliberalismo». Henrique Monteiro na sua «exuberante» formação política dir-nos-ia já estarmos a usar uma terminologia inadequada. Mas não estamos.
Uma socialista de Leiria dizia há quatro anos, «ai eu votei naquele gordinho, tão giro!». Referia-se a Paulo Rangel. Pois este eurodeputado, um homem também inteligente, não se escusou a dar-nos «um bom exemplo pedagógico» num dos seus últimos debates televisivos. Avançava ele, «como as pessoas sabem eu fiz uma dieta, foi um período de austeridade a que ora se segue uma dieta de manutenção, necessariamente menos rígida». Em 
traços largos não há nada a apontar-lhe quanto ao substrato do emagrecimento. Só que Rangel antes estava demasiado gordo (um erro de comportamento alimentar) e agora está bastante magro, cheguei a pensar se não andava por ali a negra megera (logo, resultado e objetivo estão totalmente errados). Tanto como o próprio processo em si. O exemplo não nos serve. Falta-lhe equilíbrio e sabedoria.
O país precisa de responsáveis conhecedores e sensatos (não dos que não passam sem a professora ao pé), suscetíveis de mobilizarem a dispersão para o conjunto em torno de objetivos razoáveis, com equilíbrio, respeito e equidade, por muito difícil que seja o emergir do atoleiro em que foi sufocada boa parte dos cidadãos e a própria economia.
Junho 2014

Henrique Pinto

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A IGNORÂNCIA CIÊNTÍFICA DA FIFA


Não costumo falar do que não entendo. Posso tolerar a alguém amigo brincar com os meus escritos, trate-se da gordura ou das natas, mesmo preferindo outra situação. «Brincadeira por brincadeira então acrescente-se algo de útil ao contexto». Sob pena de ser brincadeira inútil e de mau gosto mas, por vezes, muito bem escrita. Sou tolerante para os tiranetes da democracia. Ou melhor, não lhes ligo cartucho. Só faço figas como se a implorar de alguns, «não estraguem pela inércia o bem feito com o esforço dos outros». Não me peçam que respeite quantos descontextualizam pela ignorância e ofendem pela arrogância. Mas como interpretar a diretiva dum organismo mundial como a FIFA (e portanto à partida com responsáveis supostamente credíveis) a proibir aos atletas a ingestão de água no decurso dum jogo de futebol, realizado ao princípio da tarde em ambiente de temperatura e humidade relativa altíssimas? Sem qualquer hesitação considero tal um erro deplorável. A meu ver é mais indesculpável ainda que as asneiras de atletas, árbitros e dirigentes.
O resultado óbvio duma tal ocorrência é a desidratação, caraterizada pela perda de mais de 2% do peso corporal com aumento do stress fisiológico nas respostas da temperatura central do organismo, na frequência cardíaca e no esforço percebido durante o stress do exercício. Além do comprometimento na capacidade aeróbica, tem influência negativa no desempenho cognitivo e mental dos atletas. Até mesmo numa desidratação ligeira pode ficar limitada a capacidade do organismo de transferir calor dos músculos em contração para a superfície da pele onde pode ser dissipado para o ambiente. Nesta situação dir-se-á também que a fadiga muscular resultante pode ser ocasionada pela redução do combustível energético disponível. Não haverá quem centre a sua crítica ao invés de colocar nos outros a culpa pelo seu desencanto naturalíssimo!?
Junho 2014
Henrique Pinto

quinta-feira, 12 de junho de 2014

O SEXO E O ESPÍRITO

Eis um Vasco Graça Moura de escrita deliciosa, como sempre, e sensual como poucas. Ele é, como eu disse no infausto dia do seu passamento, um homem incorporando muitos homens, diversos, fabulosos, menos bons. O que é ótimo. Porquanto poucos o foram assim.
Ao procurar um certo livro na estante olhei para uma lombada sua, esquecida. Nunca a lera. Era «Morte no Retrovisor, Ficções e Quase Ficções». Abençoado momento que tanto consolo espiritual me viria a suscitar nos dias posteriores a tal achado. Veja-se um pequeno naco dessa prosa linda, irónica e profunda, que nos mobiliza por inteiro.
«A intensidade erótica dessa relação não os impediu, nem a ela nem a ele, de manterem uma coleção bastante expressiva de casos paralelos. Explica-se porque Catherine e Green, ambos cada vez mais católicos, andavam constantemente atrás de Deus, perseguindo-O pela via do sexo e do remorso. Tratava-se sempre de um penoso sacrifício em nome da fé ardente que os flamejava. Pecavam para sentirem remorsos por terem pecado e assim ficarem mais próximos de Deus. E depois tinham também remorsos de não repetir o pecado. Sendo assim, bisavam-no e trisavam-no as vezes que fosse preciso e tudo voltava ao princípio. Tudo isto, quanto mais promíscuo, 
mais era sentido como um sofrimento muitíssimo desagradável. Mas, como bons católicos, nunca pediram a Deus que os poupasse a tais contrariedades e assim, se podia dizer-se que talvez não se encontrassem na graça de Deus, era evidente que sempre faziam amor graças a Ele que, como salta aos olhos, tinha mais em que pensar».
Junho 2014
Henrique Pinto