quinta-feira, 12 de junho de 2014

O SEXO E O ESPÍRITO

Eis um Vasco Graça Moura de escrita deliciosa, como sempre, e sensual como poucas. Ele é, como eu disse no infausto dia do seu passamento, um homem incorporando muitos homens, diversos, fabulosos, menos bons. O que é ótimo. Porquanto poucos o foram assim.
Ao procurar um certo livro na estante olhei para uma lombada sua, esquecida. Nunca a lera. Era «Morte no Retrovisor, Ficções e Quase Ficções». Abençoado momento que tanto consolo espiritual me viria a suscitar nos dias posteriores a tal achado. Veja-se um pequeno naco dessa prosa linda, irónica e profunda, que nos mobiliza por inteiro.
«A intensidade erótica dessa relação não os impediu, nem a ela nem a ele, de manterem uma coleção bastante expressiva de casos paralelos. Explica-se porque Catherine e Green, ambos cada vez mais católicos, andavam constantemente atrás de Deus, perseguindo-O pela via do sexo e do remorso. Tratava-se sempre de um penoso sacrifício em nome da fé ardente que os flamejava. Pecavam para sentirem remorsos por terem pecado e assim ficarem mais próximos de Deus. E depois tinham também remorsos de não repetir o pecado. Sendo assim, bisavam-no e trisavam-no as vezes que fosse preciso e tudo voltava ao princípio. Tudo isto, quanto mais promíscuo, 
mais era sentido como um sofrimento muitíssimo desagradável. Mas, como bons católicos, nunca pediram a Deus que os poupasse a tais contrariedades e assim, se podia dizer-se que talvez não se encontrassem na graça de Deus, era evidente que sempre faziam amor graças a Ele que, como salta aos olhos, tinha mais em que pensar».
Junho 2014
Henrique Pinto

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