Eis um Vasco Graça Moura de escrita deliciosa, como sempre, e
sensual como poucas. Ele é, como eu disse no infausto dia do seu passamento, um
homem incorporando muitos homens, diversos, fabulosos, menos bons. O que é
ótimo. Porquanto poucos o foram assim.
Ao procurar um certo livro na estante olhei para uma lombada sua,
esquecida. Nunca a lera. Era «Morte no Retrovisor, Ficções e Quase Ficções».
Abençoado momento que tanto consolo espiritual me viria a suscitar nos dias
posteriores a tal achado. Veja-se um pequeno naco dessa prosa linda, irónica e
profunda, que nos mobiliza por inteiro.
«A intensidade erótica dessa relação não os impediu, nem a ela nem
a ele, de manterem uma coleção bastante expressiva de casos paralelos.
Explica-se porque Catherine e Green, ambos cada vez mais católicos, andavam
constantemente atrás de Deus, perseguindo-O pela via do sexo e do remorso.
Tratava-se sempre de um penoso sacrifício em nome da fé ardente que os
flamejava. Pecavam para sentirem remorsos por terem pecado e assim ficarem mais
próximos de Deus. E depois tinham também remorsos de não repetir o pecado.
Sendo assim, bisavam-no e trisavam-no as vezes que fosse preciso e tudo voltava
ao princípio. Tudo isto, quanto mais promíscuo,
mais era sentido como um
sofrimento muitíssimo desagradável. Mas, como bons católicos, nunca pediram a
Deus que os poupasse a tais contrariedades e assim, se podia dizer-se que
talvez não se encontrassem na graça de Deus, era evidente que sempre faziam
amor graças a Ele que, como salta aos olhos, tinha mais em que pensar».
Junho 2014
Henrique Pinto
Sem comentários:
Enviar um comentário