domingo, 22 de junho de 2014

UM DESÍGNIO DE VIDA

Numa curva da estrada sobre as dunas – a mesma que Raúl Brandão enalteceu nos seus roteiros –, ela lobrigou a mancha azul no horizonte pela brecha aberta dos pinheiros cortados. E suspirou tão fundo e doce, um som de ânsia quase só para delícia dos deuses. Estava à vista do Mar. Se os evolucionistas - mais 
racionalistas que quaisquer bíblicos - defendem a primeira fase dos seres vivos como organismos marinhos depois emancipados já em terra, ela vivera metade da vida na ilha do sonho e de sonhos e também aí se fizera gente. Contei-lhe nesse dia da minha leitura de O Mar, de Fernando Pessoa, num dez de Junho da mais tenra infância no Castelo de Sesimbra, lançado pelo querido professor Amável. Também ganhei de 
meu pai idêntico gosto pelo mar, quase como se uma adição incurável. Faço todas as semanas em passo largo o paredão de Cascais. Todos os domingos rodo no mesmo trilho de Brandão. E não há cidade
alguma, de mar ou rio, planeta fora, onde eu me tenha privado de navegar. Disse isto mesmo a esse grande homem das veredas do mundo, o Gonçalo Cadilhe. Confirmou-me, envergonhado, o quanto a sua adrenalina se exercita pelo deserto e nos oceanos. É com certeza um desígnio de vida.
Junho 2014 
Henrique Pinto

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