quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

EMBRIAGUÊS ERÓTICA

Explicava-me um dia uma colega psiquiatra a razão de muitos divórcios serôdios e pacíficos numa forma bem enviesada. Segundo ela os homens viviam esse período como «embriaguez erótica», no sentido usado por Roth em O Teatro de Sabbath, «buscam em cada corpo jovem a satisfação dos últimos anos de vida sexual ativa». Talvez haja alguma verdade nisso. Mas não será toda, de longe!
A libertação do princípio da culpa judaico-cristã (e mesmo muçulmana), própria das sociedades cosmopolitas, uma vascularização sensivelmente límpida, sem depósitos ateromatosos, apanágio duma alimentação mais saudável, a menos visível degradação física e psicológica das pessoas idosas, sobretudo urbanas, um erotismo como nunca visto nas relações do quotidiano (descurando talvez as alusões a Pompeia ou a Sodoma e Gomorra), as ajudas técnicas inerentes ao desenvolvimento farmacológico, podem levar a uma vida profícua no que ao sexo respeita, aproximada ou coincidente com uma longeva idade cronológica.

O ritmo circular da nossa vida física e intelectual alarga notavelmente o seu diâmetro a cada ano desta civilização se num ambiente favorável. Já o ritmo das 24 horas, dia após dia, o circadiano, é francamente de amplitude menos elástica. Nada é igual em alguém no minuto seguinte. Até um alimento comum é menos termogénico à noite que o é pela manhã. Daí o trabalho por turnos, vulgar nos dias de hoje, ser praticamente uma violência em todas as circunstâncias, e bem notório quando os intervalos entre as noites em atividade baixam aquém das 48 horas.
As modas são efémeras, costuma dizer-se. No entanto, há tendências de sempre apenas metamorfoseadas pela moda. Dos egípcios ao tempo dos faraós até aos aztecas, aos brincos femininos dos últimos séculos, ou piercings em lugares do corpo inimagináveis até recentemente, de jovens de hoje, as pessoas mudaram o seu aspeto exterior em jeito invasivo.  
Perguntava uma amiga, «Senhor Professor Doutor Henrique Pinto, fiquei interessadíssima nesta sua página. Li todos os artigos que o Senhor Doutor escreveu. Ao observar esta menina fisicamente perfeita (quase tudo fabricado), gostaria de perguntar ao senhor o que pensa dos implantes e "tratamentos" corporais do género. Agradeço desde já a sua atenção». Tratava-se da foto duma atleta esbelta a adornar o texto.
Pois como digo, nada tenho contra os implantes cirúrgicos. Sejam válvulas cardíacas ou mamas. Cada vez há mais homens e mulheres que os fazem. É um processo que tem evoluído ao longo da história da Humanidade de par com a estética e a cirurgia e adaptando-se à ética vigente. As potencialidades da medicina moderna permitem serem quase seguros do ponto de vista imunológico, infecioso e anatómico. Na perspetiva erótica os implantes mamários ou glúteos femininos funcionam mais ou menos bem quando as cirurgias foram bem feitas. Na ótica do sexual são, em muitos casos, um desastre absoluto.
Não obstante, um corpo como o questionado, não se constrói de implantes ou só de implantes. Faz-se com muito exercício físico – no caso tratava-se duma praticante frequente de atividades fitness -, ombros largos, ventre escorreito, e também com uma dieta adequada e sem preocupações de emagrecer com pressa. Aliás, fitness sem dieta e dieta sem exercício físico são emparelhamentos não funcionais. E fitness com os suplementos proteicos normalmente prescritos nos ginásios e lugares afins (quando muito toleráveis em alta competição e nunca a retalho), em verdade também não conduz a lugar algum de bom.
Há hábitos ou modas modificadores do ritmo da vida deletérios em grau superior aos tais procedimentos intrusivos. O envelhecimento ativo, incluindo as vertentes eróticas e sexuais, pode enriquecer advogados, mas, normalmente, nada têm de anómalo ou, quando muito, possui um peso ínfimo na génese comportamental citada.
Dezembro 2014

Henrique Pinto

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

GUTERRES SERÁ SECRETÁRIO GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS

Quem disse ser praticamente impossível a António Guterres ser o próximo Secretário-geral das Nações Unidas? Políticos europeus, pois claro, e alguns jornalistas como ainda fazedores de opinião em Portugal, não podia deixar de ser. Pois, ao invés, eu creio ser essa uma possibilidade muito concreta.
Há sempre um grande cinismo por parte de políticos e dos gabinetes comunitários, a espelharem conjuntos de interesses. Um bom exemplo é o de Yves Horent, representante do gabinete da Comissão de Ajuda Humanitária, da EU. Admitia em Junho último que, tanto António Guterres, atualmente Alto Comissário das NU para os Refugiados, como Louis Michel, Comissário Europeu para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária, acreditavam ser Khurshid Mehmood Kasuri, o ministro dos negócios estrangeiros do Paquistão, o próximo Secretário Geral. Atente-se bem na subtileza da declaração, toda repleta de grande sentido de putativos consensos subterrâneos, dispersante da passarada miúda.
Não tendo acesso direto a tais corredores da intriga internacional temos os nossos amigos bem colocados nalgumas dessas varandas onde se fuma sem que os interesses forçosamente se esfumem. A próxima eleição deverá contemplar um candidato da zona de influência do leste europeu. Cabe-lhe por direito. É por demais conhecida a imensa interatividade do presente em hostilidades de praticamente todos os países desta área. Que capacidade negocial conseguiria hoje ou dentro de alguns meses um secretário geral russo, ucraniano, uzbeque, etc. ?
A alternativa estará no espaço europeu. Os últimos eleitos partiram sempre de dentro do aparelho. Guterres é um comissário das NU com origem na Europa, homem da engrenagem, de low profile, ideal para não assustar, fez um excelente currículo, mormente ao granjear apoios sólidos para a causa a cuja defesa preside, é cidadão dum país dependente, fator nunca desprezível. Moderado, excelente negociador, vem arregimentando mais e mais apoios substantivos. Bem pode Durão Barroso espernear nos maples de Davos. O cargo antecedente queimou-o. David Cameron também envia a Guterres umas farpas envenenadas, em brasa. Os europeus em geral ser-lhe-ão sempre pouco corteses, dado o tom político e o antieuropeísmo. Isso, a meu ver, só favorecerá o homem do sistema, António Guterres.
Dezembro 2014

Henrique Pinto

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

BEM PREGA FREI TOMÁS!

Não é tempo de ir à bruxa. Urge confiarmo-nos à medicina baseada em provas. Infelizmente o país está na mão de multinacionais das dietas em franchising, drenantes, detox diets e suplementos, inutilidades perigosas. Para maior confusão, boa parte das farmácias comercializa tais produtos. Nunca em Portugal houve algum controlo deste mercado. Uma minoria de pessoas a exercer o papel de nutricionistas nestes estabelecimentos fá-lo-á por formação. Mesmo se a lição da Faculdade nada tiver a ver com tal exercício. Até alinham farmacêuticos. Aceita cargo semelhante – impingir «medicamentos» deletérios ou inúteis -, quem manda ou tem perto o desemprego. Remuneram-nos tais empresas e por regra o cliente não paga «consulta» ou gasta uma ninharia. Só tem de comprar a droga.

À gente qualificada envergonhará fruir concorrência desta natureza. Quem superentende não a terá? País empobrecido é refém de tudo. Quando a justiça se redime no circo e à ética se eximem seus naturais paladinos que haverá a esperar em termos de boas práticas?
Safámo-nos por ora da Legionella, a terceira epidemia em extensão na história da doença. Pena é competir a um dos ora ministros mais competentes tutelar o ambiente. Porquanto terá de dizer-se, fosse cumprida a regulamentação de vigilância e tal surto jamais assumiria estas proporções. Sei o que me desgastou mandar encerrar um edifício da Segurança Social por «doença» semelhante nos seus efeitos! Competirá a uma Justiça apoucada equacionar quanto vale uma vida, o quão importante é para a «economia» não incomodar os produtores de veneno, omnipresentes, de hospitais a hotéis e grandes repartições públicas e privadas.
Não tenho dúvidas quanto à honorabilidade dos Bastonários de Farmacêuticos e de Nutricionistas (e dietistas!). Face a seus discursos de intenções não deixarão de questionar esta praxis, tão nociva para o bem estar dos portugueses como a legionelose. O princípio mor da sua tutela é o da ética. São entidades credíveis para obstarem ao logro nacional. O ministro referido já pôs no terreno, célere e eficazmente, algumas medidas potencialmente dissuasoras. Se estes Bastonários, no a si respeitante o fizerem também, a Saúde agradecer-lhes-á.
Henrique Pinto, Professor Doutor
Nutrição Clínica
Jornal Distrito Online
Edição de Janeiro 2015





sábado, 27 de dezembro de 2014

PREVENIR OS DERROTISMOS

Hoje a concorrência no mundo do capitalismo é mais feroz. Cresce a incerteza sobre a continuidade da retenção de patentes para obrigar os países de menos recursos a consumirem até ao osso a tecnologia já ultrapassada. Ainda está fresca a memória dos A7 Corsair para a Força Aérea ou dos sucedâneos do CD. Está a acontecer agora nos EUA com o bloqueio burocrático à comercialização do gaz de xisto, a descoberta fabulosa que pode substituir o petróleo e isolar o país como o menos dependente de energia externa. Há muito carro ainda para vender…
 A conversa em torno do que fazer depois do fim do crude é antiga. O número de desesperados poderá aumentar desmesuradamente entre muitos dos atuais países maiores produtores, como os do médio oriente, Indonésia, Nigéria, Venezuela, Angola, Rússia, etc. O descalabro financeiro mais próximo é precisamente o do país de Putin. A baixa do preço do ouro negro fê-lo desde logo reaproximar-se da EU. A população vai sofrer na pele…
É bem admissível, para além de quaisquer concupiscências ou ingenuidades sobre um rumo para a felicidade, nada de bom poder advir no imediato do novo paradigma energético. Ele explodirá mais cedo ou mais tarde.
Levará tempo até a nova EDP chinesa sofrer as consequências do blow up tecnológico. Muito embora não lhe sejam cobradas pelo Estado as rendas anunciadas, e celebradas com foguetório televisivo, pese o doloroso aumento para as famílias de 3% no preço da eletricidade, releve-se ou não a pressão exercida para travar o aproveitamento eólico, sabe-se, do ponto de vista chinês ou português, não haver bem que sempre dure.
Dia a dia, apesar de tudo, veem-se mais geradores eólicos a cobrirem os montes como musgo nos presépios. Diz-se já abertamente, a dezena de barragens que a empresa nos logrou impingir, uma ferida acrescentada a tantas já existentes no património natural, poderá, afinal, para nada servir.
As alternativas a este capitalismo duro toldado em matizes neoliberais não serão fáceis de palpar. Mas à mente das lideranças sensatas, dos humanistas, das pessoas de bem não egocêntricas, tal dificuldade não deve ser encarada com derrotismo antecipado antes de ser estruturada no tempo a segura possibilidade existente de a ultrapassar.
Dezembro 2014

Henrique Pinto

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

ESTAR NOUTRO LADO

Estive sempre doutro lado. Em 1957 andava na escola primária em Santana, no concelho de Sesimbra. Era meu mestre, recordo-me amiúde com saudade e emoção dos seus ensinamentos, o professor Amável, felizmente vivo para nosso gáudio e sua satisfação por ver o Benfica na frente. Mas não se julgue que me livrei dumas bofetadas em segunda-feira a seguir a derrota do clube da sua estima. Não o lamento.
Acho graça. Olhe-se bem na foto dessa altura, veja-se quantos eram os meus companheiros descalços. Sapatos eram um luxo. Lamentos só quando se tem de ouvir, iletrados ou fanáticos, a exultarem com a fartura e o espírito de tempos como esses.
Uns quinze anos depois em Coimbra, certa noite, fomos observar (de vez em quando é preciso ver para crer) a manifestação que os estudantes ultras da direita celebravam lá para o Penedo da Meditação. Foi só chegar e dar meia volta. Perto de Celas o carro levou com uma saraivada de pedras, estilhaçaram-se os vidros. Foi um desconsolo tão injusto.
Inspirei-me nos valores da cultura em toda a vida consciente. A Embaixada da Hungria, como a da China, Estados Unidos, Eslovénia, Itália, e várias outras, conferiram sempre muita importância ao trabalho cultural que dirigi, mormente em Leiria, e convidavam-me para as suas festas, invariavelmente muito pragmáticas em termos de conhecerem o feito e seus intérpretes. Numa dessas noites, antes ainda de terminada a receção magiar, a viagem até Leiria não era a fervurinha de hoje, saímos. 
Vinham também rua abaixo a apanhar o carro o deputado comunista António Filipe, e o social-democrata Mota Amaral. Aquele pessoal do Alto de Alcântara, em Lisboa, bradava das janelas, furioso e indignado, coisas como «fascistas, estão a comer à custa do povo!». Sente-se a dor mesmo só na lembrança.
Pode agora alguém orgulhar-se da sua Obra ímpar, mesmo quando o número de pobres no país mais antigo da Europa, a pátria das Descobertas, rasa um quarto dos residentes. Está no pleno direito à sua opinião. As pessoas educadas com visão menos «otimista» não lhe atiram pedras nem insultos. Lamentam terem de ouvir semelhante voto de Ano Novo. É mais rica e genuína, em conteúdo e forma, a mensagem daquela mulher muçulmana pegando na mão do menino vestido de Pai Natal.
Em Roma não basta ser romano, é preciso parece-lo. Eu prossigo na sina de me sentir bem em lugar diferente. E os meus amigos estão em qualquer partido. Ora quando assim acontece logo ganha caminho a desconfiança no «gajo».
Dezembro 2014
Henrique Pinto




quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

PRIVILÉGIOS DUM SONHADOR EM FACE DUMA VIRAGEM HISTÓRICA

Foi um privilégio indizível. Não o esquecerei até ao último dos meus dias de pessoa consciente. Ter integrado a equipa alargada do presidente de Rotary International Carl-Wilhelm Stenhammer, quase não tem dimensão comparável mesmo em toda uma vida. Dizem alguns tal pertença ter ocorrido por ele ser meu amigo. Bem, é meu amigo. Não obstante, o convite foi-me feito depois de me ouvir discursar numa manhã chuvosa em Zurique. E não me conhecia de parte alguma. Nem ele sabia ainda ir ser presidente. Mordam-se, pois claro! Seu avô foi um compositor tão importante como Jean Sibelius, seu contemporâneo e nado no mesmo torrão natal. E no entanto, no auge da era da comunicação, quantas pessoas sabem disto? Muito poucas, podem crer-me. Incluindo as que parecem já tudo saber.
Quando preparava a ação como presidente Carl disse-me ir alargar a abertura de Clubes de Rotary na China e em Cuba. Falei-lhe na reintegração de Macau na administração chinesa, e na situação de Hong Kong, uma e outra áreas já com vários clubes. No caso chinês bastaria dizer-se ampliar o número destas organizações locais de serviço ao Outro. Quanto a Cuba, poder-se-ia sondar o discreto ressurgimento do grande Rotary Club de Havana, anterior a 1959. Disso foi encarregue um grande amigo meu e de Portugal, um famoso advogado sul- americano. Assim veio a acontecer, com evidente sucesso, mas só no concernente ao oriente.
De forma peculiar o presidente George W. Bush logo tratou de pôr fim à cooperação com Cuba no que respeita a medicamentos e material médico (é generalizada a convicção de o embargo ser total, ideia errada), como medida dissuasora. Uma tal privação resultou num incomensurável sofrimento agravado para a ilha caribenha, só ressarcido no início do mandato do atual presidente norte-americano. E no entanto Bush fora orador convidado, com Vicente Fox, o presidente mexicano, para a abertura da Convenção de Santo António do Texas. Não tenho o mais ínfimo rebuço ao dizer tê-lo aplaudido então. Depois disso, bom, se ele não teve em conta o respeito devido pelas Nações Unidas, iria retrair-se perante tão modesto compromisso solidário de Rotary, mesmo partindo da entidade solidária não pública de âmbito mundial mais grandiosa? Quantas pessoas conhecerão este episódio em toda a extensão? Muito poucas, podem crer-me.
O anúncio feito ontem em Havana e Washington, em simultâneo, por Raul Castro e Barack Obama, quanto ao relacionamento entre os seus países e o fim do embargo, já era esperado. Não terá sido despicienda a discreta intermediação de Francisco I, membro do Rotary Club de Buenos Aires até ao debutar do seu pontificado. Aquando veraneante na ilha pela última vez falava-se com prudência dessa possibilidade nos meios menos ortodoxos. A boa vontade e a cooperação entre as nações corporizam um princípio intemporal de Rotary. Lobrigo-o nesta decisão soberana. Aplaudo-a com efusão como a quase generalidade dos sul-americanos. Mau grado Guantánamo estar em território da ilha, o equivalente à detenção preventiva entre nós, neste Portugal empobrecido, e como tal ser muito questionável, tão simbólico anúncio público representaria sempre para mim o desfraldar da bandeira do humanismo e do respeito por todos os homens a drapejar democracia adentro. Mesmo se fora de menor alcance. Este é um passo em frente da Humanidade. Muito embora os marielitos não deixem por isso de hostilizar os gringos.
Há coincidências felizes. «Ich bin ein berliner», «Eu sou um berlinense», disse Kennedy ao discursar em 1963 frente ao Muro, em Berlim. «Todos somos americanos», um remate auspicioso de Obama enquanto repicavam todos os sinos das igrejas cubanas.
Dezembro 2014

Henrique Pinto

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

CABALAS NATALÍCIAS

Saio exausto da minha consulta na Figueira da Foz.
E vejo o Natal continuar pífio nas iluminações alusivas em Leiria. O Castelo listado com uma espécie de código de barras em luz é deprimente. Apesar de tudo, este cenário de gosto incerto é comum ao país. Há até elementos semelhantes na maioria das nossas cidades, como as árvores altas transformadas em embrulhos feéricos e encimadas pela estrela. Quem nos diz não se tratar duma forçada normalização do paupérrimo, num período onde a comunicação nos corrompe tanto nos alertas quanto a putativas cabalas, como na profusão de expiações de tamanha incerteza, mesmo se legítimas?
No debutar da década anterior democratas americanos dos sete costados diziam-me em São Francisco terem a experiência pessoal de, escrevendo «presidente» ou palavras conexas num e mail, este lhes aparecia devolvido. Todavia, tanto o filme «Inimigo Público» (Enemy of the State), do saudoso Tony Scott, com Will Smith, quanto o livro
«Fortaleza Digital», de Dan Brown, um e outro de 1998, eram já exuberantes no tratamento deste voyeurismo universal, onde os estados tudo controlam, mercê da emergência das tecnologias digitais. Há hoje a convicção de o grosso desta informação ser absolutamente consistente, e por tal já não se poder apelidá-la de cabalas.
Disse amiúde há longo tempo e repito-o, não ponho as mãos no fogo por ninguém. E não tenho muita fé na separação de poderes tal como é exercida por aí. Mas ao contrário da imprensa falada e escrita, a começar pela «mais respeitada», e como tal portadora do dever de fazer jus à maior lisura, não passo por cima do direito à 
presunção de inocência. A justificativa para a violenta contaminação judicial por todos presenciada em pouco diferirá, no mínimo, de manifesta falta de convicção. Chamar-lhe «poder» efetivo da justiça não passa, isso sim, duma cabala.  
Henrique Pinto

Dezembro 2014 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

INSUBMISSO AO ATINGIR OS NOVENTA

Há dez anos estive na FIL no jantar do seu octogésimo aniversário. Conheci-o no estrangeiro há décadas, a filha Isabel – de parabéns pelo segundo lugar conquistado este ano pelo Colégio Moderno no ranking nacional das escolas –, foi minha colega de Faculdade, damo-nos bem. À Dra. Maria de Jesus, sua esposa – não esqueço a memorável intervenção no Congresso da Oposição Democrática em Aveiro, 
educadíssima mas vibrante, à qual a polícia de choque de Marcelo Caetano deu uma resposta impiedosa -, liga-me uma amizade vincada. Juntos calcorreámos musseques de Luanda, com Vítor Ramalho, procurando hipóteses de ajuda para debelar a pobreza e miséria extremas. Juntos falámos na Assembleia da República para todos os deputados sobre as necessidades para o apoio a África.
Concorde-se ou não com Mário Soares ele é uma personalidade singular da vida do Portugal contemporâneo. Tenho por ele uma grande estima. Resistiu sempre à baixeza de quantos o quiseram humilhar e vilipendiar. Foi invariavelmente duma coragem à prova de bala. É um homem culto, zelador dos princípios da social-democracia/socialismo democrático, seguramente imparável até morrer. Faz domingo noventa anos. Bastante lúcido, como Adriano Moreira, um homem a passar incólume pela história. E tal como meus saudosos pais ao passaram pela sua idade, um estádio de não submissão de todo raro, está pouco dócil quanto ao que toma por injustiça. Fala sobre isso como o sente dizendo a «verdade de muitos».
Devemos-lhe todos muitíssimo pela sua bravura, inteligência e empenho, mesmo quantos ora não toleram o estilo, o espírito livre ou a solidez do seu apego à democracia. Vale a pena ler a este respeito o último escrito de Henrique Monteiro no semanário Expresso. É absolutamente notável e insuspeito. Parabéns Dr. Mário Soares.
Henrique Pinto

Dezembro 2014


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

EU PU-LO EM TRIBUNAL

Ao que me consta as Escolas do Ensino Artístico em Portugal estão hoje «em luto». 
O Estado não tem capacidade para proporcionar o Ensino Artístico na Escola Pública (os conservatórios públicos têm apenas 5% dos alunos). Esse esforço é realizado pelo ensino privado. Mas não o Ensino privado do grande capital (a esse o atual governo tem apoiado sobremaneira, basta ver-se o ranking das Escolas publicado na última semana). Às Escolas e Conservatórios de Música privados com quem tem Acordos o Estado está em dívida desde o final do ano letivo passado. Desde que se passou parte do ensino (inclui o profissional também), em termos de financiamento, do Ministério da Educação para o POPH, um financiamento comunitário em extinção, a agonia começou. Foram-se safando os que melhor negociavam.
Quando o senhor ministro diz que resolveu todos os problemas educacionais deste ano letivo sabe perfeitamente estar longe da verdade. Quanto ao Ensino onde se fomenta a sensibilidade estética e a criatividade o senhor ministro continua a observar as estrelas, quem sabe para ter assunto inspirador duns artigos quando deixar o cargo.

Quando eu tinha responsabilidades nesta matéria pus este ministério da educação em tribunal por confusões semelhantes. Acho que as Associações de classe do país o deveriam fazer também agora. Sabendo-se, é claro, que a Associação que representa o grande dinheiro no ensino privado (e que devia defender também estes seus associados), a única com força, jamais o fará, prefere continuar a negociar bons contratos para os seus grandes clientes. Que país ignorante, Deus meu, que vergonha senhor ministro! 
Henrique Pinto
Dezembro 2014



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

CELEBRAÇÃO SONEGADA

Qualquer dos feriados surripiados numa manobra de pura demagogia neoliberal, nada acrescentou à «riqueza» ou à moralidade do país. Acabe-se, já é tempo, com os hossanas a uma suposta única forma de suster o endividamento, um floreado mais desta cegueira. Afinal, por culpa lusa, por culpa da estranja, por culpa de muitos, a via única veio a desembocar num fiasco. Acabe-se com este espírito mesquinho que abocanhou a social-democracia/socialismo democrático, e, num ímpeto autoritário, nos recusou alguma simbologia e algum ócio.
Esta é uma olhadela global.
Se ao invés do Dia da Restauração da Independência o feriado invalidado tivesse calhado ao 5 de Outubro, não seria menor a contestação, nem maior ou menor o espetro de razões.
Vejamos pois em particular, Filipe II de Espanha, o rei Filipe I de Portugal, teve acesso legítimo à Coroa portuguesa. Tal ficou a dever-se, não apenas à criancice dum rei imberbe, criado pela avó, mas sobretudo ao papel nefasto dos Jesuítas portugueses, sempre sequiosos de poder, no aconselhamento régio ao infeliz monarca, a queimarem soluções. A dinastia espanhola trouxe a esta terra alguma prosperidade. Tal como à Madrid da época, a dos austríacos, como é conhecida. A 1 de Dezembro de 1640 imperou a concretização da aspiração nacionalista e patriótica dum amplo setor nacional, um golpe revolucionário a dar outra alma ao país.
A queda da monarquia em Portugal em 1910 resulta dum movimento um tanto semelhante ao daquela mudança política de quase três séculos antes. Nada tem a ver em extensão e significado com os ganhos sociais e políticos, por exemplo, dum 25 de Abril. Muito embora também tenha posto fim aos efeitos duma ditadura, mas neste caso já moribunda. Exceto nas eleições presidenciais de resto pouco mudou estruturalmente. Havia até grande similitude de pensamento nas elites monárquicas e republicanas. E deu-se mesmo certo retrocesso nalguns aspetos políticos importantes, como o processo eleitoral (António Costa pretende agora, e bem, recentrar as eleições em primárias e círculos uninominais, estes últimos abolidos em 1911), ou o prometido e não concretizado voto feminino.

Portanto, ao contrário do que diz Ribeiro e Castro, o Dia da Restauração é apenas mais uma das datas ilustres e simbólicas do país (como o 5 de Outubro ou o 25 de Abril), cuja celebração foi sonegada pela ignorância e subserviência do neoliberalismo reinante.  
Henrique Pinto
Dezembro 2014