Os jovens
Rotaract de Leiria vão organizar uma conferência sobre Rotary e maçonaria. É um
excelente tema. Porquanto em certos meios de conservadorismo mais duro no mau
sentido, há ainda quem de vez em quando nos atire à cara com essa hipotética
miscigenação. Tanto quanto sei nunca tal problema se pôs dentro do movimento
onde a opinião democrática e solidária é a tónica, não havendo destrinça entre
religiões ou entre os crentes de qualquer fé e os agnósticos e ateus. O
movimento é não político, não classista e não religioso. Com certeza que houve
e haverá maçons e membros da Opus Dei na organização, hoje como no passado. Como
existem democratas-cristãos, sociais-democratas, liberais, socialistas e
porventura outros, cristãos de todos os matizes, judeus, muçulmanos, hindus,
budistas…
O culto
ecuménico é uma tradição nos grandes eventos do movimento. O meu amigo Xeique Munir,
Imã da mesquita de Lisboa, já integrou várias destas cerimónias, duas delas
promovidas por mim, em conjunto com bispos e oficiantes de todos os credos
referidos.
Há contudo duas
posições lapidares sobre a matéria que durante anos distorceram a verdade e as
opiniões.
A Sociedade das
Nações, como um estaleiro para a Paz mundial, no sentido que lhe dá Churchill,
existia desde 1922 e antecedeu a criação em 1945 da Organização das Nações
Unidas. A dada altura, a Alemanha de Hitler, reorganizando-se militarmente ao
contrário do consignado no Tratado de Versalhes, abandona a Sociedade das
Nações. Os Rotários viam na sociedade um instrumento de materialização do seu
fim último «A Paz e a Cooperação entre as Nações, entre os Povos».
Numa
conferência promovida por Rotary em 1943 na Londres do black out os participantes reforçam a posição da Conferência de
Ministros da Educação, ocorrida um ano antes na mesma cidade, e abrem caminho à
formação da UNESCO, organização para a educação, ciência e cultura da ONU, tal
como existe hoje.
Aquando do fim
da guerra a delegação do Rotary
International, integrada por quarenta e nove rotários, foi a maior entre todas
as Organizações não-governamentais participantes na Conferência de Fundação das
Nações Unidas, realizada em 1945 em São Francisco.
Portanto, falar de Paz
e de organizações suas propulsoras era assunto de há muito banal em Rotary, e discutia-se abertamente o assunto semana após semana.
Como tal, eram feridas a extirpar pela
calúnia e pela má política, no seio das forças do eixo.
O Papa germanófilo Pio
XII praticamente condenou Rotary International quase que em forma de bula.
O anátema lançado,
tanto por Hitler e Mussolini (mesmo antes de este se ter virado para a Alemanha,
abandonando os defensores da Sociedade das Nações), por dali ter obtido o assentimento
pela anexação da Etiópia (à altura chamada Abissínia), como por Pio XII, apodou
o movimento de maçon.
No livro Hitler's Pope: The Secret History of Pius XII, (Penguin Books), de John Cornwell, o autor
chega a citar uma carta deste Papa endossada a Hitler, que ouso transcrever:
Ao ilustre, Herr Adolf Hitler,
Führer e Chanceler do Reich Alemão!
Aqui, no início de nosso
pontificado, desejamos assegurá-lo de que permanecemos dedicados ao bem-estar
espiritual do povo alemão confiado à sua liderança. Imploramos que o Deus
Todo-Poderoso conceda a eles aquela verdadeira felicidade que advém da religião.
Recordamos com grande prazer
os muitos anos que passamos na Alemanha como Núncio Apostólico, quando fizemos
tudo que estava ao nosso alcance para estabelecer relações harmoniosas entre a
Igreja e o Estado. Agora que as responsabilidades de nossa função pastoral
aumentaram nossas oportunidades, muito mais ardentemente oramos para alcançar
este objetivo.
Que a prosperidade do povo
alemão e seu progresso em cada parte venha, com a ajuda de Deus, fruir!
Neste dia, 6 de março de 1939,
em Roma, na Basílica de São Pedro, no primeiro ano do nosso pontificado.
Papa
Pio XII
Curiosamente, é
sobre o Papa Pio XI que recai, erradamente, o epíteto de pró-alemão. Ora Pio XI
foi até escolhido para arbitrar o diferendo germano-polaco, por ser dos membros
da Cúria mais independentes. Essa fama de «germanófilo» que se lhe colou é absolutamente
injusta. Era um homem cultíssimo, no ideário das luzes, racional, um grande
matemático. Tal ápodo na sua pele deve-se exatamente a uma quase que traição
feita pelas assessorias do Papa que o antecedeu, porquanto, sem o avisarem,
emitiram acordo favorável à posição alemã.
Como muita
gente sabe, no Jubileu de João Paulo II consagrado, entre outros movimentos, a
Rotary International (já Paulo VI esboçara gesto semelhante), o sumo pontífice,
no seu discurso, pôs termo, definitivamente, a tal aleivosia, abençoando os
quase 50000 rotários do mundo presentes na Praça de São Pedro, propositadamente
tendo em vista a cerimónia.
Fevereiro de 2015
Henrique Pinto