Um arquiteto
grego residente em Lisboa questionava-se na noite após as eleições, «radical o
Syrisa? Sim, quando tinha 3%, mas com 36%...». Mas a imensa imprensa
generalista, voluntariamente ou não servidora dos interesses da grande banca,
da política neoliberal e da usura alemã, não consegue olhar assim para o
terreno nem discernir qualquer sentido de dinâmica e de alternativa à política
económica vigente. Tal como em 1938-40, este alheamento só servirá para adiar o
problema. Os verdadeiros radicalismos avolumar-se-ão. A nova Grécia pode augurar
uma política nova, no que é um study case.
Atentemos na cogitação de Sousa Tavares da qual transcrevo um excerto:
(…) «Se a Europa – isto é, a Alemanha
– forçar o Governo de Tsipras a capitular, muita gente ficará feliz com o
desfecho. Mas são inconscientes: estarão apenas a
antecipar o fim da Europa. A
capitulação e humilhação da Grécia detonará, entre muitos povos da Europa, uma
onda de ódio antialemão e de frustração com Bruxelas que será terra fértil para
extremismos e radicalismos bem mais perigosos e incontroláveis. O desespero
nunca foi bom conselheiro. A chancelarina Merkel devia meditar na célebre frase
de Kennedy: “os que tornam impossível a revolução pacífica tornam inevitável a
revolução violenta”.
Não, isto não é uma história de
criancinhas, como quer esperançosamente pensar Passos Coelho. Isto é política a
sério, política dura, feita de escolhas difíceis, de opções que vão marcar os
tempos. Coisas que os dirigentes europeus atuais já esqueceram. Mas, quer eles
queiram acreditar quer não, nada vai ficar na mesma. É impossível».
Miguel Sousa Tavares,
Com «Se nós não somos a Grécia é porque somos
parvos» In Expresso de 31/1/2015
Desde a ação
dos ingleses na queda do império otomano (ficou famosa a saga de Lawrence da
Arábia, transformada em filme), os territórios do Levante (Transjordânia e
Palestina) e da Mesopotâmia (Síria e Iraque) não mais tiveram paz. Ao invés da
primeira grande guerra, foram as ambiguidades de Chamberlain em 1938-40 que
favoreceram a liberdade com que Hitler se rearmou, não evitando a guerra que
arrastou consequências imprevisíveis cujos efeitos perduram. A criação do
Estado de Israel, inevitável mas envolta nas ambiguidades posteriores à segunda
grande guerra, e a mais que imprópria invasão da península arábica, décadas depois,
pela dinastia Bush e aliados ingleses, acabariam por soprar continuadamente o
braseiro regional. Hoje toda a problemática da área estendida da Síria ao Mar Vermelho
é maior que a expressa por um tabuleiro de xadrez (144 posições), tantos são os
problemas e pontos de vista. Uma breve peregrinação pelo vale de Becka, como o
feito pela Clara, desvenda essa paleta de cores políticas tingidas pelo choro e
sangue de milhões de inocentes, e desconhecida para muitos:
(…) Faris costuma apontar os sírios a
dedo, diz que têm “uma cara distinta, nada parecida com a libanesa”. Traços,
duros, escuros. Os sírios são semitas, mas os olhos afundados são resultado da
guerra e não da raça. Respondo-lhe que aquilo é racismo. Faris olha para longe,
para o sol pálido e o mar batido pelo vento invernoso, encolhe os ombros, está
zangado: “Racismo? Vivemos com guerras, invasões, temos uma Green Line guardada
por tanques no meio de cidade, temos armas em casa, toda a gente tem família
assassinada, temos os piores vizinhos do mundo, Israel e a Síria,
temos o
Hezbollah a mandar em nós, temos os palestinianos que ninguém quis, temos os
extremistas, temos os terroristas, fomos destruídos várias vezes, e você, que
vem de um país perfeito, Portugal, acha que somos racistas? Quando ninguém nos
ajuda e os sírios nos tiram os salários, os empregos? Eu acho que somos muito
normais, dada a nossa História. Olhe em volta, isto não é um restaurante
normal, com o melhor peixe do mundo, de um país normal? Se os outros fossem
como nós…» (…)
Clara Ferreira Alves,
Com «Allahu akbar!» In Expresso, 31/1/2015
Em boa
verdade vale a pena reler Churchill, um génio previdente e conservador. Há uns
anos, quando em Paris, via que artigo de quem se prezasse transcrevia frases de
Santo Agostinho. Hoje é o primeiro ministro inglês, perdedor das eleições
depois de ganhara guerra, a inspirar e iluminar as preocupações de quem estuda
a envolvência política e social. Confesso que me deslumbro sempre ao relê-lo.
Fevereiro 2015
Henrique Pinto
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