segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

GRÉCIA E LÍBANO, UMA LIÇÃO DE HISTÓRIA

Um arquiteto grego residente em Lisboa questionava-se na noite após as eleições, «radical o Syrisa? Sim, quando tinha 3%, mas com 36%...». Mas a imensa imprensa generalista, voluntariamente ou não servidora dos interesses da grande banca, da política neoliberal e da usura alemã, não consegue olhar assim para o terreno nem discernir qualquer sentido de dinâmica e de alternativa à política económica vigente. Tal como em 1938-40, este alheamento só servirá para adiar o problema. Os verdadeiros radicalismos avolumar-se-ão. A nova Grécia pode augurar uma política nova, no que é um study case. Atentemos na cogitação de Sousa Tavares da qual transcrevo um excerto:
(…) «Se a Europa – isto é, a Alemanha – forçar o Governo de Tsipras a capitular, muita gente ficará feliz com o desfecho. Mas são inconscientes: estarão apenas a 
antecipar o fim da Europa. A capitulação e humilhação da Grécia detonará, entre muitos povos da Europa, uma onda de ódio antialemão e de frustração com Bruxelas que será terra fértil para extremismos e radicalismos bem mais perigosos e incontroláveis. O desespero nunca foi bom conselheiro. A chancelarina Merkel devia meditar na célebre frase de Kennedy: “os que tornam impossível a revolução pacífica tornam inevitável a revolução violenta”.
Não, isto não é uma história de criancinhas, como quer esperançosamente pensar Passos Coelho. Isto é política a sério, política dura, feita de escolhas difíceis, de opções que vão marcar os tempos. Coisas que os dirigentes europeus atuais já esqueceram. Mas, quer eles queiram acreditar quer não, nada vai ficar na mesma. É impossível».
Miguel Sousa Tavares,
Com «Se nós não somos a Grécia é porque somos parvos» In Expresso de 31/1/2015 
  
Desde a ação dos ingleses na queda do império otomano (ficou famosa a saga de Lawrence da Arábia, transformada em filme), os territórios do Levante (Transjordânia e Palestina) e da Mesopotâmia (Síria e Iraque) não mais tiveram paz. Ao invés da primeira grande guerra, foram as ambiguidades de Chamberlain em 1938-40 que favoreceram a liberdade com que Hitler se rearmou, não evitando a guerra que arrastou consequências imprevisíveis cujos efeitos perduram. A criação do Estado de Israel, inevitável mas envolta nas ambiguidades posteriores à segunda grande guerra, e a mais que imprópria invasão da península arábica, décadas depois, pela dinastia Bush e aliados ingleses, acabariam por soprar continuadamente o braseiro regional. Hoje toda a problemática da área estendida da Síria ao Mar Vermelho é maior que a expressa por um tabuleiro de xadrez (144 posições), tantos são os problemas e pontos de vista. Uma breve peregrinação pelo vale de Becka, como o feito pela Clara, desvenda essa paleta de cores políticas tingidas pelo choro e sangue de milhões de inocentes, e desconhecida para muitos:
(…) Faris costuma apontar os sírios a dedo, diz que têm “uma cara distinta, nada parecida com a libanesa”. Traços, duros, escuros. Os sírios são semitas, mas os olhos afundados são resultado da guerra e não da raça. Respondo-lhe que aquilo é racismo. Faris olha para longe, para o sol pálido e o mar batido pelo vento invernoso, encolhe os ombros, está zangado: “Racismo? Vivemos com guerras, invasões, temos uma Green Line guardada por tanques no meio de cidade, temos armas em casa, toda a gente tem família assassinada, temos os piores vizinhos do mundo, Israel e a Síria, 
temos o Hezbollah a mandar em nós, temos os palestinianos que ninguém quis, temos os extremistas, temos os terroristas, fomos destruídos várias vezes, e você, que vem de um país perfeito, Portugal, acha que somos racistas? Quando ninguém nos ajuda e os sírios nos tiram os salários, os empregos? Eu acho que somos muito normais, dada a nossa História. Olhe em volta, isto não é um restaurante normal, com o melhor peixe do mundo, de um país normal? Se os outros fossem como nós…» (…)
Clara Ferreira Alves,
Com «Allahu akbar!» In Expresso, 31/1/2015

Em boa verdade vale a pena reler Churchill, um génio previdente e conservador. Há uns anos, quando em Paris, via que artigo de quem se prezasse transcrevia frases de Santo Agostinho. Hoje é o primeiro ministro inglês, perdedor das eleições depois de ganhara guerra, a inspirar e iluminar as preocupações de quem estuda a envolvência política e social. Confesso que me deslumbro sempre ao relê-lo.
Fevereiro 2015

Henrique Pinto 
             

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